Laurinho: Um carcará do além (2009)
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Um Carcará do Além
(Paulão de Varadero)
Quando a Soninha Palhares me telefonou, na tarde do último feriado de sete de setembro de 2009, comunicando o já consumado enterro do nosso brother Laurinho, entalei. Fiquei sem ter o que dizer. Merda! Um dia desses enterramos o Schramm, o Chinês, o Ivan, outras grandes figuras humanas, que até agora não nos “caiu a ficha”. Acho que o mundo tá ficando chato, mais cheio de amigos e parentes do lado de lá que do lado de cá, desse “mundão véio sem porteira”.
Lauro Fernandes por Marcelo Dischinger - http://fotoetal.blogspot.com/
Às vezes penso que Deus tá errando a pontaria, muita gente do bem “furando a fila”. Sempre digo aos amigos que ficaram segurando a alça: com tanto filho da puta precisando morrer, o Senhor vai levar logo, injustamente, o nosso amigo de sangue bom ! Mas Laurinho, anjo carcará do além, nunca recusou viajar. Viajar era da sua própria natureza voadora, de pássaro, de carcará. O típico e emblemático membro dos Carcarás, como afirmam Eva Pimenta e França, parceiros e amigos do grupo de motociclistas que há quase 30 anos circulam e fazem festa por todo o Brasil .
Os Carcarás são os nossos anti-Hell Angels. Os Carcarás são ¨malucos¨ de sangue bom. Além de apaixonado e militante do motociclismo, Laurinho era cinegrafista e iluminador de vários filmes rodados em Brasília. Foi servidor público do Governo do Distrito Federal e se aposentou há cerca de cinco anos. Simpatizantes de Leonel Brizola, fizemos duradoura amizade nos bares e cafés da Asa Norte, sobretudo na nossa vizinhança entre 408 e 409. Por saber que eu nunca gostei desse negócio de Senado, “Câmara Alta”, de alguns malandros sem voto, com direito a oito anos de mandato, a nomear, em ato secreto, de oito a oitenta parentes e picaretas, Laurinho fustigava ao me ver: E aí Senador! Eu lhe respondia parafraseando o seu mais notório jargão: “Senador de cu é rola!”
Laurinho foi sobretudo um cara prestativo, solidário, festeiro, ranzinza, rabugento, boêmio e amigo dos amigos. O carcará era destemido e não recuava por causa de perigo. Nem quando os médicos lhe deram o alarme sobre a situação delicada do seu fígado. Nisso, se parecia com o Chinês e o Schramm. Achava, afinal de contas, que a vida sem uma boa dose de sonho, de som, (de gaita ou de motor), de liberdade, de paixão, de conhaque ou de delírio não valia a pena. Laurinho fez o que receitava o russo Vladimir Maiakovsky, e o que praticou Paulo Leminski: à morrer de tédio, preferiu a vodka, o conhaque, e ultimamente, a cerveja.
Numa das últimas vezes em que nos vimos, lhe emprestei um livro de Jack Kerouac, o autor do célebre On the road, que inspirou Hell Angels, Carcarás e tantos outros motociclistas, motoqueiros, trilheiros e estradeiros em todo mundo. Laurinho, como Kerouac, foi um dos que pegou a estrada por muito tempo, em cima da sua Harley Davidson, a quem tratava carinhosamente por “Isaura”. Como não soube da sua última viagem, a tempo de me despedir dele, prefiro pensar que Laurinho apenas viajou mais uma vez pelo Brasil, rumo à Amazônia, Venezuela, América Central, Estados Unidos, a Rota 66 de Jack Kerouac, , depois rumo ao Alaska. Qualquer dia vai voltar e tomar um goró com a gente no Café da Rua Oito, umas cervejas geladas no Meu Bar do Zezinho Botafoguense, e saudar a todo mundo com seu jargão: E aí rapaziada asanortista: amigo de cu é rola!
Valeu cigano carcará! Como cantava o poeta, eu solfejo lembrando você com a gaita: “Adeus vagabundo, adeus! Eu choro porque sou um dos seus!”