Tacheles: edifício-símbolo da contracultura pode desaparecer
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Tacheles
O edifício-símbolo da contracultura de Berlim pode desaparecer
Por Maria João Guimarães
O Tacheles é um enorme prédio coberto por várias camadas de graffiti, um edifício-símbolo da cultura squat (dos "okupas") de Berlim, um gigante cheio de artistas que entretanto se tornou uma das atracções turísticas da cidade.
30 nov. / 2010 - Berlim é a cidade da vitalidade e mudança e o Tacheles já não é o que era. A zona em volta também não. E mais tarde ou mais cedo, dizem as autoridades, o Tacheles vai simplesmente desaparecer. Deverá ser demolido para dar lugar a algo novo.
É certo que sempre teve um certo mau aspecto - o antigo armazém tinha sido bombardeado durante a II Guerra Mundial e as autoridades da ex-RDA (República Democrática da Alemanha) nunca o recuperaram, o que contribui para o seu ar decrépito. Ainda por cima está tudo graffitado, com ar de abandono, garrafas de vidro num ou outro canto das escadas sombrias. Mas a vida das pessoas que o ocupavam, há dez anos, fazia valer a pena uma visita, e cada vez mais visitantes entravam no jardim, onde podiam estar pedaços de avião, letras gigantes de metal ou harpas de piano a fazer de vedação. Podia-se visitar os ateliers dos artistas onde nem sempre havia alguma coisa para ver, ou ir à noite ao Café Zapata ver o barmen accionar um candeeiro-dragão que cuspia chamas.
Hoje é preciso pagar três euros para entrar no café ou no jardim, entretanto ladeado de tendas onde se vendem brincos, pulseiras e vestidos que parecem iguais aos que há em qualquer festival de música em qualquer cidade.
Quem vai ao Tacheles? Turistas, turistas, turistas. Segundo a revista Der Spiegel, 300 mil por ano. E um ou outro berlinense. Thomas Schmidt, por exemplo, ia a passar na rua e resolveu ir ver uma exposição. "Não sei o que pensar sobre o encerramento. Não sei o suficiente sobre isso", confessa. "Mas achei piada à exposição."
Já a turista israelita Michal Benjamin acabou de visitar o edifício e assinou a petição contra a demolição. "É importante que haja sítios para a arte."
No enorme edifício há vários espaços com artistas, alguns a trabalhar, outros atendendo potenciais compradores das obras. Numa secretária, em frente a um computador, está uma das artistas. Com um ar absorto, clica repetidamente no rato do computador segurando ao mesmo tempo uma réstia de um cigarro de enrolar. Diz que não tem tempo para responder às perguntas sobre o estado do edifício e as acções de luta programadas. Na loja-atelier ao lado, a resposta é mais directa: "É melhor falar com o nosso chefe, está no andar de cima." Mas no andar de cima não está ninguém que se assuma como "responsável". Vêem-se as formas de luta - cartazes alusivos às comemorações do 20.º aniversário, um abaixo-assinado, palavras garantindo que ninguém vai sair -, mas ninguém para falar.
Zoo para turistas
O Tacheles existe enquanto squat desde 1990. Nos anos que se seguiram à queda do Muro, muitos prédios na parte Leste, deixados vagos por quem lá vivia, foram ocupados por jovens do Oeste, onde a contracultura e a ideia de vida comunitária estava no apogeu.
Tudo isso mudou e os bairros do antigo Leste tornaram-se cada vez mais apetecíveis. A zona em redor do Tacheles está mais turística, os restaurantes e bares multiplicam-se e estão cada vez mais cheios de pessoas com poder de compra.
O edifício é propriedade de um banco que faliu e precisa do dinheiro da venda (depois de um contrato de leasing de dez anos, os seus ocupantes regressaram ao estatuto legal de "okupas"). E a cidade quer mudar. O chefe de imprensa do presidente da Câmara de Berlim, Richard Meng, irrita-se quando se fala do Tacheles, durante uma visita de um grupo de jornalistas estrangeiros. Há tantos outros locais para ver arte em Berlim, suspira. "O Tacheles tornou-se um pouco um zoo para turistas. Temos de seguir em frente."
Ainda assim, há vida nos squats berlinenses para além do Tacheles. Um dos mais icónicos é o Köpi, que já passou por uma ameaça de expulsão semelhante à do Tacheles.
O Köpi fica no número 137 da Köpenicker Strasse, uma rua aparentemente sem nada de especial, que não está numa zona turística de Berlim, muito pelo contrário. Ainda assim, há avisos à entrada: "No photo - no problem", seguido de "Safari fuck off", com um sinal de proibição de máquinas fotográficas.Arriscando entrar no pátio, vêem-se bicicletas encostadas e cores mais ou menos vivas na fachada de tijolo, onde está pendurada uma cabeça cortada da estátua da Liberdade. Numa das portas, um letreiro vermelho indica uma sala de cinema, onde são feitas projecções para amigos do squat.
Tentando falar com habitantes do squat que passam - todos bastante estereotipados no seu uniforme de roupa preta gasta, justa, e cabelos sem corte, que podem estar ou não pintados com cores fortes - recebe-se um olhar frio e nem sempre uma resposta. Mesmo ao explicar que a ideia é fazer uma reportagem sobre os squats que restam em Berlim como pólos de actividades culturais, o interesse em falar é inexistente.
Até que um dos residentes ouve umas palavras sem virar costas, enquanto encosta a sua bicicleta à parede, antes de entrar no prédio escuro. Faz um inquérito apertado: "Jornalista de que área? Que tipo de jornal? E porquê este interesse?" E depois mostra uma semiabertura: "Se quiser, tem de vir no dia em que há assembleia do squat. Ou fala com todos ou não fala com nenhum." E quantas pessoas moram mesmo aqui? "Umas 40, 50."
Acabará ainda por explicar que o prédio tem um contrato de renda (como havia no caso do Tacheles até o leasing expirar), portanto não é ilegalmente ocupado.
"Não podes entrar"
Esta é a situação dos outros grandes squats em Berlim, cada um com sua actividade especial aberta ao público. Há concertos no Supamolly, brunchs vegan no Zielona Gora, cinema no Sama-café ou pizza no Rote Insel. Mas é boa ideia verificar os dias das actividades, ou corre-se o risco de encontrar o squat fechado.
O Supamolly, por exemplo, só abre à noite. Uma visita à tarde acaba num diálogo de surdos com uma das residentes, mais uma vez vestida de preto, brinco no nariz. "Não podes entrar. Não podes ir falar com pessoas do squat", repete. "Volta à noite. Agora não podes entrar nem falar com ninguém."
À noite lá está o bar, porta aberta. A decoração é baseada em metal, a atmosfera é um pouco "industrial" e a música condiz com a decoração. Mais uma vez, o barmen fica calado. "Preferia que falasses com toda a gente do squat", diz.
As paredes estão cobertas por recortes de notícias "activistas" e anúncios de palestras ("o problema da habitação") no bar, antecâmara para a sala de concertos. Parece haver uma predilecção pelas bandas ska e world music(sobretudo dos Balcãs), mas pode haver visitas de uma ou outra mais mainstream: os Rage Against The Machine ou Noblesse Oblige já tocaram no Supamolly.
Há quem fale destes exemplos como um pequeno ressurgimento dos squats culturais em Berlim depois de um pico na década de 90 e de uma queda subsequente. Isto numa altura em que o Tacheles, o seu símbolo máximo, parece condenado a desaparecer - ironicamente, quando se tornou marco turístico quase obrigatório.