Rubem Fonseca, O Mito Vivo Ainda Sangra e Purga

Breves Apontamentos Para Rascunhos de Um Pequeno Quase Ensaio:

Rubem Fonseca, O Mito Vivo Ainda Sangra e Purga

"Essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura." (Charles Bukowski)

Esses dias, um amigo virtual conversava comigo, in box, do Facebook, sobre crônicas, croniquetas, essa sangria desatada cheia de disparates, até alguns tempos chamada de um gênero menor da escrita, e acabamos falando de um dos cronistas que mais adoro, o Aldir Blanc. Falamos também do Drummond cronista que acho fraco, perto do poetaço que ele era, quando surgiu o nome do Rubem Fonseca, o melhor cronista brasileiro para muitos, e ele falou que o literato consagrado ainda estaria vivo e produtivo, e eu, cara de coió aparteado, surtei. Ué, mas o mito Rubem Fonseca ainda vive? Sim, manos, um mito como Cauby Peixoto, ou Rivelino, ou Angela Maria, e ainda res-pira por nós e cria e fomenta e destrincha seu meio e sua a vida escrachada, e o nosso Brasil de todas as graças e pragas. Ou, nosotros é que nessa cidade desmiolada e nessa sociedade pústula, de ódio sócio-idiotizante por atacado, como uma masturbação de pequenezas, é que respiramos por vários aparelhos? Tirem o tubo. Pra você ver. E se sentir, se situando. Um dos maiores e mais polêmicos literatos brasileiros de todos os tempos, que em crônicas era um show, depois romancista, reconhecido internacionalmente, traduzido, prêmios de renome, até no exterior. E como vitrine também, muito cobrado, na veia. No Brasil fez e faz escola. E toma arrependimentos e achaques. Quem não o leu, não sabe o que está perdendo de aprender e saber se deliciar com o melhor de sua prosa qualificada. Ou de também sabê-lo ou não, não cobrador, mas devedor. As arapongas ainda estão soltas. E a direita caviar o detesta, mesmo que ainda sequelas, frutinhas dele...
A brilhante vida literária de Rubem Fonseca passa pelos livraços dele, com contos-crônicas, crônicas relatos, cenas hilárias, estados de necessidade, núcleos de abandonos, e ele enredando tudo nas preciosas narrativas ora picantes, ora irônicas, ora estripadas, ora assustadoras de ler nos devãos das horas, mas sempre salpicando de enlevos brasileirinhos nossa prosa ligeirinha e perigritante, como se pondo os bofes de fora. Pega pesado. Um amigo meu, resolveu começar a escrever, e lhe indiquei o livraço 200 Crônicas Escolhidas do Rubem Braga, uma preciosidade, um mimo, para quem quer aprender com o melhor, e na técnica de crônica arranjar-se como aprendiz de escritor, caminho suave, passos iniciais, porque é assim que funciona a iniciação imp0licante na área. Só não contei os labirintos da vida do Rubem. O autor é um, a obra outra, a vida nem sempre um livro aberto sobre si mesmo?
Rubem Fonseca nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 11 de maio de 1925, é cronista de marca maior, contista de renome, romancista premiado, ensaísta e roteirista brasileiro do primeiro time. E tem muito de Nelson Rodrigues e Plinio Marcos também, cada um a seu sulco e veias. Rubem Fonseca, no entanto, precisou publicar dois ou três livros para ser consagrado como um dos mais originais prosadores brasileiros contemporâneos. Com suas narrativas velozes e sofisticadamente cosmopolitas, cheias de violência, erotismo, irreverência e construídas em estilo contido, elíptico, cinematográfico, reinventou entre nós uma literatura noir, ao mesmo tempo clássica e pop, brutalista e sutil. Esse parágrafo, curto e grosso, retrata o Rubem Fonseca, e está mais ou menos reduzido assim em cada página que o reverencia ou detona, em cada livro, antologia, homenagem ou reconhecimento. E também tem os atiradores de restos historiais dele, desacertos de rumos. E o cara ainda está vivo. E produzindo a bel prazer e em alto estilo e com gabarito de consagrado. Ele é formado em Direito, tendo exercido várias atividades antes de dedicar-se inteiramente à literatura. Em 2003, venceu o Prêmio Camões, o mais prestigiado galardão literário para a língua portuguesa, tornando-se reconhecido orgulho de nossa literatura, e valorado no exterior, traduzido para diversos países, cutucando suas onças com varas curtas, ele também que já foi um onço (o medo do comunismo criou monstros) e prevaricou, meus camaradas, prevaricou para dizer o mínimo. O ato corriqueiro com ele vira gostosura de aprecio letral, cênico chocante. A cena lambe-lambe de uma rotina cotidiana, por ele retratada, pincela nosso pais de cabo a rabo, em virtudes, óperas bufas, graciosidades, aberrações e sempre mostradas a partir de um estado aturdido, um elo-navalha na carne, um destrinche, uma situação que poderia passar despercebida. Com Rubem Fonseca, não. Ele tem talento, dom, mais o treino da vida, o foco do olhar especial, a mão açodada de criar, esmerilhar, deflagrar, tocar o leitor no seu atrevimento de criar com olhar de catador de acontecências impregnadas de ranços, pegando no breu e pondo carne e unha no mesmo fulcro narrativo. O triste nele, tem graça/desgraça bisotê, o alegre nele é eloquente com godê, e depois ainda os romances, como Agosto, que li como um dos melhores romances policiais do Brasil, perto de outros que se acham na área, mas são pífios, jecas, chinfrins.
Diz um site de fofocas (acredite se quiser): “Poucos escritores tiveram em vida o mesmo reconhecimento que Rubem Fonseca. O autor completa 90 anos na condição de um sucesso de público, e, ao mesmo tempo, considerado por seus pares como alguém que transformou a literatura brasileira do século 20. Com tramas que expõem desde o universo do crime até o mundo das altas esferas do poder político, as dezenas de volumes de contos e romances do autor alcançaram lugar de destaque nas livrarias, muitos deles figurando nas listas de mais vendidos. Além das estantes, alguns títulos alcançaram as telas, como Agosto (1990), que se tornou série na Rede Globo em 1993, e Bufo & Spallanzani (1986, que estreou nos cinemas em 2001” Pois é isso. Livros adaptados para cinema e tevê, teatralizado, traduzido. Noventa anos e um rol de clássicos de nossa literatura em sangria desatada, Rubem Fonseca segue produzindo e com certeza agora, como Dalton Trevisan, rumo aos cem, ainda dará muito o que falar, o que ler, e quem quiser aprender a escrever, que cace todas as suas obras e se deleite, e se purgue, e assunte/assuste. A vida real é craca dessa gente brasileira. Ô raça. Como aprender evolutivamente é pari passu, é começar pelas crônicas dele. Bravas lições. E depois romances, ensaios, artigos. Quem o lê, fica fã, admira, segura o tchã. Outros se assustam, pensam o passado dele e escamoteiam. Fixar o olhar pela criteriosa ótica depurativa dele de sacar o lance, sombras e escuridões da alma humana, mirando o foco pequeno e o envernizar de prosa seca, é um assombro, mas, queiram ou não, humanamente “literaimpura”. Não podemos fugir do que somos. O que somos? A terra um casca de noz no espaço. E nós, os seres?

Vamos arriscar e arrolar pelo menos dez dos supostamente melhores livros do Rubem Fonseca:
1) O Caso Morel, publicado em 1973, é um livro aberto a diversas leituras. É um romance policial, com investigação sobre os limites do desejo, num literário experimento narrativo, o primeiro romance dele que parece um jogo de espelhos, os personagens se desdobram em dois, e também a história e o próprio narrador se dividem, misturam, sem que saibamos quais são os originais e quais são os reflexos. Bem bolado.
2) A Coleira do Cão contem oito histórias que são entendidas pela crítica o segundo degrau na construção de uma das obras literárias mais complexas e ricas de nosso tempo, e que assim coloca cada leitor assustado diante de sua própria imagem em meio à beleza e à violência do mundo cão.
3) O Cobrador, que foi publicado em 1979, e era sondado não apenas por ser o quinto livro de contos de Rubem Fonseca, considerado um dos mais importantes e inovadores escritores do gênero no Brasil, mas porque era o primeiro livro após o barulhoso Feliz Ano Novo, de 1975, que foi recolhido por ordem da censura, sob a alegação de ter conteúdo contrário à "moral e aos bons costumes" de uma gentalha que ele ajudou a fundar e de subir ao poder com sangue e ranger de dentros...
4) A Grande Arte, apresenta o personagem Mandrake, advogado charmoso e de prestígio que se envolve em uma misteriosa trama no submundo carioca e no deserto boliviano, ao juntar-se com um matador profissional, especialista em facas, na tentativa de desvendar o misterioso assassinato de uma prostituta.
5) Lúcia McCartney foi o terceiro livro de Rubem Fonseca e o confirmou como um dos renovadores de conto brasileiro. Tudo era novo em folhas e páginas: os temas, a linguagem, a coragem de experimentar outras vozes que não estavam representadas na literatura brasileira. Foi reconhecida como obra prima, e os dezenove contos do livro revelam o mergulho de um autor em pleno domínio de sua escrita, na vertigem de seu terrível tempo tenebroso.
6) O Romance Negro, com essa e outras histórias, persiste um fio condutor sombrio, um sentimento de desilusão e de aceitação dos fatos que percorre os contos como uma espinha dorsal. Tendo como foco a problematização das mazelas de sua própria vida autoral, pois quatro das sete histórias têm escritores como protagonistas, os contos de certa forma são uma espécie de rocambole indigesto de Intestino Grosso e Feliz Ano Novo.
7) O Seminarista, é o historial de um ex-seminarista que vive lembrando frases latinas. O matador de aluguel que gosta de ler poesia e de assistir filmes. E que recebe os serviços de um personagem misterioso chamado Despachante. Disposto a iniciar uma vida nova, ele começa por fim a receber dicas de que seria alvo de um antigo cliente...
8) Os Prisioneiros, marca a estreia de Rubem Fonseca como autor, em 1963. Ele foi saudado pelo crítico Wilson Martins como "um escritor que traz a literatura no sangue". Com domínio da escrita, inaugurava uma nova maneira de fazer literatura no Brasil, ao falar do homem da metrópole com seus vícios e virtudes, bem ao seu estilo que por fim mais adiante o consagraria, o atiçaria, o punha sob miras e cobranças.
9) O romance Agosto é um dos maiores sucessos de Rubem Fonseca, até porque também os questiona, reflexões tipo em que medida a história de uma pessoa e a história de um país se determinam, se diferenciam e se assemelham, se conflagram, entre esmorecimentos, desacertos, errações e fundamentos de escárnios.
10) Bufo & Spallanzani, é um livro que mescla as aventuras de uma investigação de assassinato com as dificuldades de um escritor em desenvolver a sua arte, inclusive sendo adaptado pelo cinema nacional. Deu o que falar. Rubem Fonseca sempre dá. Lixar feridas não faz bem pra pose.

Literatura brutalista? Possa ser. Essas e outras. A fossa tem chorumes. Linguagem direta com elementos da chamada oralidade? Esse é o prisma grandiloquente. Escrita inteligente para leitor inteligente? Ah o amoralismo absurdo de seus personagens conturbados. O buraco é mais embaixo. Quem mesmo é o herói, “bandidomocinho”, ou tudo são almas gêmeas? Isso, isso. A violência escarrada retrata o inferno da vida. Vida? Rubem Fonseca, sim, participou do golpe da canalha de 64 (o golpe militar que apodreceu o Brasil S/A) – e isso não tem perdão – mas depois teve que mostrar(vomitar) o esgoto dela/dele, da sociedade-níquel náusea e seus cadáveres, acabando por também merecidamente ou não, ser vitima dela, e ter que esgotar palavras no breu das narrativas para detonar tudo e todos, escarafunchar podridões-andaimes, e quase meio bufão meio que acabou carrasco de seu meio, sua época desgracenta entre a barbárie da ‘sifilização’ do ‘status de sitio’ do regime de exceção de 31.03.64. Pode isso? Sua obra, escarros de seu meio, cuspindo no prato que ajudou a montar. Purgou-se escrevendo, delatando, detonando? Pagou a pena de escrever o escreviver? Em busca do câncer existencial, no coração selvagem do afrobrasilis pindorama e suas rameiras, foi limo e lodo e re-vestiu-se disso? A participação de Rubem Fonseca no IPES, entidade que deu apoio à ditadura, é um episódio escamoteado em sua biografia. Uma pesquisa recente mostra que a colaboração foi mais longa do que ele admite, escancarou Jerônimo Teixeira na também decrépita e podre revista Veja. Feliz Ano Novo, a sua obra mais 'alucilógica', ensandecida e virulenta, revisitava o infeliz ano velho que ele tomou para seu cancro existencial, ao participar e depois ferir sua literatura de horror, de medo-rabo, de implicâncias purgativas, ele mesmo, carruagem de abóbora de uma eterna e remorseada meia-noite íntima, dégradé de lodos vestindo lodos. O homem é o lodo do homem? Paga seu preço escrevendo o que escreve? O abismo, a tragédia grega, as aberrações, e Rubem Fonseca ao escrever paga seu preço-remorso (consciência pesada im-prensada), ou tentará assim escrevendo muito e bastante se limpar das mãos sujas de sangue? No Pântano da condição humana, a caterva da ‘Redenzorra’ toda inocentada por atacado, e o in-feliz Rubem Fonseca queimando óleo 90 em 2015. Os que vão sobreviver são coxinhas-daslu. Rubem Fonseca, bendição ou maldição? Escolham as tintas fúnebres. Chispas fúnebres. Livros “alucimórbidos”. O inferno não está nas entrelinhas do que ele veicula. Nem só no desfecho de uma vida-livro-limbo. Mas, inteirinha e principalmente na escrita enquanto questionamento da própria história na sua particular história como remorso. “É nós” nas chispas.

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Silas Correa Leite - E-mail: This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it. - Site: www.artistasdeitarare.blogspto.com/
Texto da Série “Pondo os Pingos nos Is e nos Dáblios do Brasil Emergente”
O autor é escreveu, entre outros, GOTO, A LENDA DO REINO DO BARQUEIRO NOTURNO DO RIO ITARARÉ, Romance, editora Clube de Autores – www.clubedeautores.com.br

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