HAICAIS: OS SONS DE UM OUTRO SILÊNCIO
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Haicais: os sons de um outro silêncio
Poeta curitibana, Alice Ruiz, lança livro apenas com poemas no estilo oriental, o haicai
POR DIÁRIO DA MANHÃ
POR WALACY NETO
São diversas as formas de poéticas que a gente encontra pelo mundo, sendo que até mesmo a forma de um poema pode denunciar um aspecto social da região onde surge. A Semana de Arte Moderna, por exemplo, de onde vem a escola do Modernismo brasileiro, tem lado subversivo tanto no discurso quanto nas características de seus poemas (que iam totalmente contra as antigas construções das letras). O Tropicalismo, indo além da poesia, tem toda uma malemolência brasileira, mais pros lados da Bahia, que fica estampada nos acordes, melodias, notas, palavras, rimas e o resto. No Japão, 17 sílabas poéticas, ou sons, divididas em três frases, ou seja: 5 sons, 7 sons e 5 sons. Dá-se nome para esse tipo de poema de haicai.
Tradicionalmente é escrito desta forma, é claro, mas existem poetas que sempre tentam ultrapassar as vertentes básicas de um haicai. Este estilo visa pela concisão, onde o haicaista concebe o poema a fim de criar uma imagem mental a partir desses sons. Um exemplo:
Neve nos sapatos
Abandonado
Ninho do pardal.
O haicai de Jack Kerouac, novelista americano, pode ser expresso em um fôlego apenas. Outra regra deste estilo é a onipresença do narrador que cita determinada ação da natureza sem expressar uma posição dos fatos.
Chuva no lago
cada gota
um lago novo.
Alice Ruiz
Sendo desta forma o narrador, aquele que vê o fato acontecer, pode ser uma mariposa, uma faca, uma vela ou até mesmo você, o leitor desses versinhos. Naturalmente, o haicai se volta para a natureza e a beleza desta. Fotógrafos do mundo natural, os haicaistas levam ao nível de letra um sapo pulando em um lago ou a chuva caindo sobre as flores e também uma flor sendo empurrada, levemente, pelo vento. A ligação com o mundo zen é forte na cultura japonesa e, conseqüentemente, esse sentimento deságua como rio nos poetas de lá. Trata-se, portanto, de uma observação vivida, onde a reação do poema está na reação da natureza em si. Repito que os poemas contemporâneos que se aproximam das condições do haicais vão em outra linha. Falam da cidade e da naturalidade que a mesma tem, como carros, postes colossais e prédios refletindo o azul cinza do céu. Como uma denúncia, o haicai das capitais tem um teor grande de ressentimento, mas com um olhar pro belo encontrado em grandes mestre haicaistas japoneses, de fato.
Alice Ruiz Livro
Uma das grandes expressões desse estilo literário no Brasil é a poeta Alice Ruiz, de Curitiba. Com delicadeza primordial e uma percepção verdadeira, Alice tem vida artística larga e grandes momentos que marcam a história da nossa literatura. Compositora, já gravou músicas preciosas com Arnaldo Antunes, Itamar Assumpção e Estrela Leminski, que por sinal é sua filha com o falecido poeta Paulo Leminski. A produção de Alice é intensa, nos últimos anos venceu o Prêmio Jabuti, em 2009, na categoria poesia com o livro Dois em Um, publicado pela editora Iluminuras em 2008. De lá pra cá tem lançado livros com freqüência e no dia 31 de agosto o mais recente: Outro Silêncio. Baseado nas estações do ano, cada poema exprime uma percepção de Alice ou, como diz a autora, algo que vem a ela. Durante o lançamento, que ocorreu na Livraria Cultura da Av. Paulista, em São Paulo, a escritora bateu papo com um público de 40 pessoas e o escritor-amigo, Roberto Gutilla.
Durante a troca de idéias, Alice Ruiz falou dos principais aspectos do haicai e como ele tem essa idéia de passar uma ‘novelinha’ na cabeça do leitor com apenas alguns versinhos (ou sons). Trata-se de um estado de espírito quase, onde o poema é visto é visto cru e nu pelas lentes oculares do poeta que, como tradutor da realidade e da irrealidade, passa tudo para o papel. “Acho que o mais importante no haicai não é a forma, é também a forma, claro, mas não apenas isso. Mas é o extermínio do eu, também se terminar sempre em hífen ou reticências, sabe? Dar o sabor devido ao haicai”, afirmou Alice.
Haicais para box
tudo dito,
nada feito,
fito e deito
Paulo Leminsiki
viver é super difícil
o mais fundo
está sempre na superfície
Paulo Leminski
Jardim da minha amiga
todo mundo feliz
até a formiga
Paulo Leminski
ameixas
ame-as
ou deixe-as
Paulo Leminski
O veludo
Tem um perfume
Mudo.
Milôr Fernandes
Diz-me de quem sais,
Grito-te meus ais
-Somos hai-kais iguais
Milôr Fernandes
Olho, alarmado;
E se a vida for
Do outro lado?
Milôr Fernandes
O espelho nem se importa:
Se o outro
Se corta.
Milôr Fernandes
voltando com amigos
o mesmo caminho
é mais curto
Alice Ruiz
janela que se abre
o gato não sabe
se vai ou voa
Alice Ruiz
Você deixou tudo a tua cara
Só pra deixar tudo
Com cara de saudade.
Alice Ruiz
Nada como a noite
Escurece
E tudo se esclarece.
Alice Ruiz
Dormi pensando nele
acordei pensando nele
tudo um sonho
Thiago Diniz
amigo
é a casa da gente
no mundo
Thiago Soeiro
é de paz
o coração
mas bate forte
Marcelo da Veiga
o medo está
no avesso
em todo fim
há o começo
Luana Dias