ALLEN GINSBERG JUDEU E HOMOSSEXUAL
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dia 24/07/2014 - NOITE BEAT'14 - homenagem a Allen Ginsberg pelos trinta anos da tradução do livro Uivo, com leituras, performances e exposição
local: cemitério de automóveis - rua frei caneca, 384 - sp
organização : Ivone fs e guilherme ziggy
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ALLEN GINSBERG JUDEU E HOMOSSEXUAL
por Mário Pazcheco)
A primeira seleção de poemas de Allen Ginsberg, chegou ao Brasil com 28 anos de atraso, com a edição de "Uivo, Kaddish e Outros Poemas", em agosto de 1984, no vácuo do neopsicodelismo, mas nunca é tarde para se conhecer esse trabalho antológico que explodiu na famosa leitura feita por seu autor na Galeria Six, em San Francisco, em 1956.
Em 1984, desembarcava o álbum duplo, com canções de Allen Ginsberg e poemas de William Blake musicados por ele, "First Blues", acompanhou o êxito de suas leituras e conferências por Universidades norte-americanas e há muito o garoto judeu de Paterson, Nova Jérsei, deixou de ser encarado como um aspirante a poeta. É um monstro sagrado.
“A edição em português de parcela importante de sua obra deixa claro que tal êxito tem merecimento inquestionável. Sua poesia, de excepcional qualidade técnica, tem um valor pouco encontrável hoje no que se produz aqui ou na Europa: tem nervos, sangue, vida, explode talento, o talento de toda uma geração superdotada, mas também vitalidade. Ao questionar à América: ‘Quando você se olhará através do túmulo?’, Ginsberg libera muito mais do que rebeldia e inconformismo; ele expele a nevratura de uma literatura muito comprometida com seu público e com sua época.
(...) Até hoje é chocante a sinceridade com que o poeta retratou a geração beat, sua geração, na famosa leitura de Howl (“Uivo”). Basta ler os primeiros versos de Kaddish para se perceber a que doloroso striptease o poeta expõe sua alma e como se refere, de forma crua, aos valores mais íntimos de sua vida. Esse longo poema - sua obra-prima - é um canto fúnebre em homenagem a sua mãe, Noemi, uma gorda louca, militante comunista, que o texto do poema desnuda sem vacilar: ‘Estranho pensar em você agora que partiu sem espartilhos & olhos, enquanto percorro o calçamento ensolarado de Greenwich Village’.
(...) Autenticidade, contudo, não basta para conferir a uma obra valor póstero. A de Ginsberg, cheia de referências factuais, mantém-se perene por sua universal inquietude em relação aos valores essenciais do gênero humano. Outro poeta beat, Lawrence Ferlinghetti, dedicou-lhe um poema, chamando-o de “profeta”. A obra que começa a ser descoberta no Brasil é realmente a de um vidente que intuiu a contracultura dos anos 60, sem deixar de ser perfeitamente coerente com a cultura passada.
(...) Afinal, à primeira leitura desses poemas de Uivo, Kaddish e Outros poemas, sabe-se logo que ele é neto dos versos evangélicos de William Blake e filho dos hinos telúricos de Walt Whitman. Allen Ginsberg não é um profeta bradando no deserto, Sua pregação vem da força de uma cultura própria que tem a força de sangue correndo nas veias, de nervos pulsando na dor, de sorrisos que refletem o êxtase mais pleno*”. * Jornal do Brasil, 11 ago. / 1984.
Pode subir até o palco?
Allen Ginsberg, ganhou não só a adulação das novas gerações como adquiriu na metade da década de oitenta, respeitabilidade acadêmica: ao lado de William Burroughs tornaram-se membros do Instituto Americano de Artes e Letras, e Ginsberg ainda acabou sendo nomeado professor emérito do Brooklyn College.
Em dezembro de 1988, o compositor Philip Glass e Allen Ginsberg começaram a trabalhar juntos na montagem de um espetáculo dramático-musical. O espetáculo foi baseado nas poesias que Ginsberg escreveu do início da década florida até o ano citado, enfocando questões relacionadas à guerra do Vietnã e aos movimentos civis norte-americanos. Segundo Philip Glass, o objetivo era apresentar um trabalho extremamente político e poético ao mesmo tempo. Que servi-se de contraponto ao novo conservadorismo reinante no país. Glass começou a partir de janeiro de 1990 a escrever as partituras assim que retornou de uma viagem à Índia, Tibet e Holanda.
“Vou concluir com uma balada, com acompanhamento; por favor, o acompanhante pode subir até o palco?”. Esta frase dita por Paul McCartney quando de sua aparição especial no Royal Albert Hall, em 16 de outubro de 1995, serviu de senha para Allen Ginsberg recitar The Ballad of the Skeletons, acompanhado pelo ex-beatle. O evento foi uma homenagem aos poetas ingleses contemporâneos - Return of the Forgotten.
Bob Dylan, outro mito pop, tornou-se fã de Jack Kerouac a partir de 1959, quando leu "Mexico City Blues". Mais tarde Dylan pediu a bênção a Ginsberg, dando-lhe uma pontinha no filme "Subterranean Homesick Blues". E é fácil ver nas letras de Dylan, como Like a Rolling Stone, uma lembrança errante de quando os beats indiferentes, entorpecidos, e livres circulavam pela América.
A última vez que vi Allen Ginsberg, ele estava 'Vivinho da Silva', na telinha da tevê aberta num especial do U2. Allen numa esquina da Califórnia, bradava seus textos aos transeuntes, a dicção e a expressão roubavam o clip do U2, já dedicava uma atenção maior a sua oratória rápida demais sem tempo para gravar e não sei o nome da música, isso não importa.
Allen Ginsberg, morreu aos 70 anos, no primeiro sábado de abril de 1997. Fica Peter Orlowsky e a anarquia sempre presente em seu trabalho, fica a sua declamação de The Brooklin Bridge Blues, no álbum tributo à Kerouac. Que venham discos-poemas-tributos e que os sites dedicados ao poeta na Internet, nos continuem sintonizando as imagens da América na ótica ginsberguiana:
Eu vi os melhores cérebros da minha geração destruídos pela loucura/Histéricos, nus e famintos
Tragados pelas ruas negras da madrugada a procura/De um pico raivoso,/Hipsters angelicais queimando-se pela primitiva ligação celestial/ Nos dínamos chocantes das engrenagens da noite,/Miseráveis e esfarrapados com olhos sagrados nas alturas do fumo/Na escuridão sobrenatural dos prédios gelados flutuando
Através do topo das cidades contemplando jazz... Howl - Allen Ginsberg, 1956
PUBLICADO NA REVISTA PSICODÉLICA “DE QUANDO O ROCK ERA CONTRACULTURA’ VOLUME I
A Geração Beat abriu a porta sem bater
(Cláudio Willer*)
Ao que consta, as bandas de Seattle são influenciadas pela Beat Generation. Mas, para não acabar escrevendo a história da música pelo método confuso, é preciso verificar quais manifestações importantes na área do rock, pop e jazz não tiveram influência da beat nas últimas três décadas ou quatro décadas. Talvez seja mais fácil fazer o levantamento dos refratários ao impacto provocado por Allen Ginsberg, Jack Kerouac, William Burroughs e seus companheiros de viagens e literatura. Uma influência plural, exercida sobre grupos, intérpretes e tendências. Discuti-la em detalhe obrigaria a comentar as homenagens prestadas por Laurie Anderson a William Burroughs, como em seu filme-performance Home of the Brave. E o modo como grupos punks homenagearam o autor de Naked Lunch ("O Almoço Nu", na tradução brasileira). Ou então, registrar os encontros e trocas de figurinhas de Allen Ginsberg com Bob Dylan e outros expoentes da música de protesto. Tomemos por exemplo, a fase do rock lisérgico. Alucinógenos tornaram-se moeda corrente da contracultura dos anos 60, depois de serem tema de Ginsberg (nos poemas sobre mescalina, LSD e aiauasca de Kaddish and other poems), Kerouac (cf. o trecho sobre o efeito de mescalina de Visions of Cody), Michael McClure (em Peyote Poems), William Burroughs (Cartas do Yage) e etc. Quando um grupo como o Grateful Dead rodava pelos Estados Unidos, por volta de 1965-66, nos acid-tests, no ônibus psicodélico capitaneado por Ken Kesey, o autor de Um Estranho no Ninho, eles haviam assimilado toda essa literatura e a estavam pondo em prática. Detalhe: o motorista do ônibus de Kesey (imortalizado no livro de Tom Wolfe) era Neal Cassady, “O Senhor Limite de Velocidade” , personagem central e inspirador de On The Road ("Pé na Estrada"), e de boa parte do restante da obra de Kerouac. Em resumo, tudo o que no rock foi expressão musical da contracultura, na mesma medida foi um resultado da influência beat, matriz da contracultura.
Principalmente, a ideia de uma geração rebelde, afirmando a liberdade individual em confronto direto com a sociedade burguesa. A lista de conexões entre literatura Beat e música vai mais longe. Basta lembrar os rapazes de Liverpool que, há mais de três décadas batizaram seu conjunto de The Beatles, depois de uma visita de Allen Ginsberg à Inglaterra, conforme revela Bruce Cook, em seu livro Beat Generation. Isso, como uma das consequências da explosão Beat na segunda metade dos anos 50, com a publicação e a venda de milhões de exemplares de Howl and other poems, de Ginsberg e "On the Road", de Kerouac. Outra influências são menos acidentais. É o caso de um dos personagens mais complexos da história da música contemporânea, Jim Morrison. Também poeta, Morrison revestiu-se de rebelião e hiper-romantismo. No entanto, é como se ele tivesse lido Artaud, Rimbaud, William Blake e outros poetas da rebeldia e transgressão através do olhar de Allen Ginsberg ou de William Burroughs. O nome de seu conjunto, The Doors, remete a isso. A idéia de transpor uma porta está presente em Ginsberg; por exemplo, na epígrafe de abertura de Howl and other poems: “Soltem a fechadura das portas! Soltem também as portas de seus batentes!”. A mesma porta está em várias passagens de William Blake, autor referencial de ambos, Ginsberg e Morrison. Há, ainda, as ligações diretas de autores beat com grupos e manifestações musicais. Entre outras, as apresentações de Allen Ginsberg no final do anos 70 com o The Clash, em concertos pró-Nicarágua e pacifismo. É dele, Ginsberg, uma farta produção de baladas country, gravadas em disco, em parceria com seu companheiro Peter Orlowsky. Isso, quanto à música inspirada na Beat ou por ela produzida. Interessa mais, talvez, a música que a inspirou e foi seu elemento constitutivo na aquisição de uma identidade, uma linguagem própria, por ser a expressão da vanguarda e do underground do seu tempo: o jazz bop. Há uma coincidência no período de formação de ambos, Bop e Beat. Foi em 1944 que juntou-se em Nova York o trio formado por Allen Ginsberg, Jack Kerouac e William Burroughs, que logo receberia o acréscimo de Neal Cassady, e, no final da década de Gregory Corso. Naquela heróica fase inicial, de trânsito na marginalidade, na cultura hipster, eles frequentavam lugares como o Minton’s Playhouse, no Harlem, onde tocavam Charlie Parker, Thelonius Monk e Dizzy Gillespie, a alguns passos de tornarem-se monstros sagrados. A improvisação e a construção sobre temas melódicos que marcam o bop despertaram neles a tentação, logo posta em prática, de escrever textos com uma espontaneidade igual a dos jazzistas fazendo fluir seu som. Assim, uma revolução literária foi sincrônica com uma revolução musical. São inúmeros os depoimentos de Kerouac e Ginsberg insistindo na correspondência entre música e literatura e afirmando a improvisação como valor literário, como no célebre mote de Kerouac, First thought, best thought, “primeiro pensamento, melhor pensamento”. Ginsberg fala em prosódia bop, em um aproveitamento do valor sonoro da língua inglesa, à maneira do jazz, a propósito de Kerouac. É por isso que ele perde muito na tradução: há efeitos sonoros em suas obras que só são possíveis na língua inglesa. E poemas seus, a série como "México City Blues" têm que ser apreciados como tentativas de uma equivalência verbal ao jazz. Não só do bop, é claro: eles respiravam uma atmosfera noturna impregnada de swing e rhythm and blues. A mais jazzística das narrativas de Kerouac é "The Subterraneans", cuja ação se passa em San Francisco, mas fatos ocorridos em Nova York, inclusive uma antológica descrição de jam-session. A época é a mesma em que eles estiveram presentes às primeiras gravações públicas no Minton’s, como as de Charlie Christian. Faziam parte ainda de sua constelação jazzística Ornette Coleman, Don Cherry, Cecil Taylor e Albert Ayler. E Kerouac esteve atento à assimilação do ritmo bop por músicos brancos, como George Shearing e Lennie Tristano, escrevendo a respeito. Além disso, gravou experiências de jazz e poesia com Zoot Sims e Al Cohn. Felizmente, essas fitas foram preservadas e podem ser encontradas em catálogos.
* MIXER - JORNAL DE MÚSICA, Nº2, - 1993