Sempre jovens e ainda relevantes: o legado de dois roqueiros
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Sempre jovens e ainda relevantes: o legado de dois roqueiros
(Janet Maslin*)
No verão de 1967, Jimi Hendrix e Janis Joplin estavam no mesmo anúncio no Fillmore em São Francisco.
Alguns de seus colegas acreditavam que eles tiveram um caso amoroso dentro de um banheiro por trás dos bastidores.
Pouco mais de três anos depois, eles caíram nas graças do rock’n’roll em pouco mais de duas semanas, quando cada um deles tinha 27 anos de idade. Agora eles estão lado a lado nas estantes de livros biográficos, compartilhando o mais inesperado caso de amor.
“Room Full of Mirrors” de Charles R. Cross é uma boa, sólida e impressionantemente emocionante versão da história de Hendrix. Seu leitor ideal é aquele que não conhece ou não se lembra de todos os detalhes da carreira do cantor (há muitos outros livros sobre isso), mas que gostaria de ver uma versão criteriosa do geral. Cross realizou mais de 300 entrevistas, muitas delas com parceiros musicais de Hendrix. Sua perseverança ilumina também partes pungentes e pouco conhecidas da família de Hendrix.
“Room Full of Mirrors” é item perfeito de nostalgia para qualquer um que esteja pronto a ser lembrado de que desembolsar muito dinheiro por uma entrada em um concerto de alto nível (que já custou US$5,50) já foi motivo de protesto (de um jornal em San Diego). Mas ele cai igualmente bem aos leitores que precisam ser informados do porquê a revista Time realizou uma reportagem de capa com o título “Londres Liberada” no ano de 1966.
Em “Love, Janis”, Laura Joplin, irmã seis anos mais nova de Janis, soa muito mais como uma bobagem e algo distante de seu objeto, apesar da ligação íntima da família. O principal argumento de vendas para seu livro, suas “cartas nunca antes publicadas”, é tão brando quanto a maionese engarrafada – que, vez ou outra, é tema de discussões aqui. Quando os pais de Joplin mudaram da Hellman’s para a Miracle Whip, Laura “não pôde suportar a situação e se manifestou veemente”. Janis, ainda em casa e imparcial em Port Arthur, no Texas, “falou por mim e sugeriu um teste cego de paladar”.
Por mais que os laços familiares fossem estranhos ou frágeis, tanto Janis quanto Hendrix, ícones conhecidamente de libertários do rock, continuaram a escrever cartas melancólicas para casa.
O livro de Cross deixa claro porque o pequeno “Avassalador Hendrix” (como era conhecido no começo) de Seattle era tão necessário. Sua linhagem era complicada e bizarra. Seu pai tinha 12 dedos; um irmão nasceu com duas fileiras de dentes. Sua família era tão fraturada que ele não esteve próximo de seus pais, Al e Lucille, até os três anos de idade.
Apesar de o casal ter tido seis filhos e ter transferido os direitos parentais a quatro deles, Lucille desapareceu da vida de Jimi durante sua infância. Ele e seu pai mudaram-se constantemente, mas Jimi cultivava mais os amigos e parentes que lhe dessem comida. “A escassez de sua primeira infância”, como coloca Cross sobre um momento surpreendente, era radical.
“Ele tocava aquela vassoura de forma tão intensa, que acabava com toda a palha”, disse um dos muitos adultos que fizeram parte desta “confusão sem fim” por alimento e abrigo. Mas foi muito tempo antes da tentativa que o delicado Jimi colocou suas mãos sobre uma guitarra de verdade, mesmo que tenha sido de uma corda só. Enquanto isso, era expulso da escola e desenvolvia o sentimento de desapego que fez dele um eterno preguiçoso, juntamente do ímpeto de prazer que fez com que fosse bem-vindo em qualquer lugar. Quando se mudou para Nashville para se tornar um músico de respaldo (e para se deparar com o preconceito racial que para ele, depois da multicultural Seattle, era uma coisa nova), se transformou numa pessoa interminavelmente adaptável.
Cross, que também investiga a permanência de seu objeto de estudo no exército e acha que ele fingiu ser homossexual e que inventou diversos problemas de saúde para ser dispensado do serviço, realiza um bom trabalho ao ilustrar como esta cadeia de influências musicais fez Hendrix tão “incategorizável” – e tão experiente. Com uma mistura de homem selvagem de truques emprestados (ele pegou a mania de tocar guitarra nas costas de T-Bone Walker), ele tinha um estilo que podia parecer ridículo tanto em Nashiville quanto em Harlem (onde também passou um tempo de aprendiz). Mas então chegou na Aldeia de Grennwich e começou a impressionar garotos e garotas brancos de Long Island.
Em torno de 1966, ele estava pronto para Londres, onde sua audiência de repente passou a incluir a realeza do rock, com quem tinha poucas coisas em comum. “Aquilo era rock pesado”, disse Hendrix depois de ter se socializado com Eric Clapton. E ele era um tipo de gataria às tietes que o faziam trair constantemente uma namorada ou outra. Uma vez ele perguntou a um companheiro de escola: “Você realmente acha que tenho fãs?”. Agora, pego com uma fã num banheiro feminino, tentou dar uma desculpa esfarrapada: “Ela queria meu autógrafo”.
A última parte interessante de “Room Full of Mirrors” vem depois que Hendrix chega ao cume do estrelato. Boa parte disso foi descrita em outros lugares, às vezes em termos embaraçosamente racistas e antiquados. (A Rolling Stone o rotulou de “espada psicodélica”). O uso de drogas fez com que passasse a ficar confuso incoerente, com uma afinidade cada vez mais estranha pela ficção científica. Uma turnê sobrecarregada deixava-o exausto. Quando morreu depois de tomar muitas cápsulas de remédio para dormir (acidentalmente, argumenta Cross), foi enterrado com uma camisa de flanela, último insulto ao seu estilo cigano de ser.
A opção pela vestimenta era estranha, mas a coda do livro fica mais estranha, com lutas familiares destrutivas que levaram à exumação em 2002 de Jimi e de seu pai no silêncio da noite. Apesar de alguns dos parentes mais próximos de Hendrix continuarem pobres, o santuário Experience Music Project de US$280 mi tornou-se uma das atrações turísticas mais inesperadas de Seattle.
O livro detalhado e sedutor de Cross torna a memória de Hendrix mais forte. O de Laura Joplin, por mais que tenha tentado, faz sua irmã permanecer uma estranha.
*The New York Times 01 set. / 2005 - Agência Estado
“Room Full of Mirrors” - A Biography of Jimi Hendrix’
Por Charles R. Cross. Ilustrado. 356 páginas. Huperion Books. US$24,95
“Love, Janis”. Por Laura Joplin
Ilustrado. 394 páginas. HarperCollins. US$13,95