Lennon: 'Veja' entrevista biógrafo

Livros

'Não fui mau com Lennon', diz biógrafo

Por Maria Carolina Maia

29 abr. / 2009 - Um retrato de 839 páginas de um instável astro do rock. Este é um possível resumo de John Lennon: A Vida, biografia escrita pelo jornalista britânico Philip Norman, que, segundo a viúva do personagem em questão, a artista plástica Yoko Ono, pegou pesado nas tintas. "Ela acha que fui 'malvado' com John, quando na verdade eu o apresentei de maneira positiva, fazendo um retrato afetuoso", diz Nornam, de 65 anos. O jornalista, que é também autor de Shout! The Beatles in Their Generation, biografia da banda liderada por Lennon, chegou a conhecer brevemente seu personagem em vida. Mas foram os quatro anos de imersão em John Lennon: A Vida que os tornaram "íntimos". A proximidade se reflete nas fartas descrições do caráter de Lennon: mudanças extremadas de humor, manias, baixa auto-estima, insegurança sexual. Lennon flertou com o homossexualismo - até mesmo com Paul McCartney, segundo Yoko - e contou a diversas pessoas quase ter feito sexo com a mãe. Leia a seguir a entrevista que Norman (na foto abaixo) concedeu a VEJA.com.

Muitos críticos afirmam que esta é a biografia definitiva de Lennon. Qual o grande diferencial do livro?
Eu espero que esta seja a biografia definitiva. Sem dúvida, a grande revelação trazida pelo livro é a da complexidade do caráter de John, em particular da insegurança que toda a sua fama e riqueza - e toda a adoração recebida - foram incapazes de curar. Ele escreveu alguns dos maiores clássicos da música popular, mas no final da vida (foi o que ele disse a George Martin), desejava regravar tudo. Até mesmo a faixa Strawberry Fields Forever.

Yoko Ono e Paul McCartney foram colaboradores constantes dessa biografia. O que eles acharam da obra?
A Yoko não gostou, e eu ainda não entendi por quê. Ela acha que fui "malvado" com John, quando na verdade eu o apresentei de maneira positiva, fazendo um retrato afetuoso dele - e dela, o que a própria admitiu [vale citar, contudo, que ao descrever a incredulidade com que o público britânico recebeu a notícia da união de Lennon, Norman define Yoko como "uma japonesa ferozmente desprovida de glamour e pertencente à margem lunática do mundo artístico"]. Paul McCartney, por seu turno, eu acho que aprovou o livro. Essa obra traz mais informações sobre ele do que a minha biografia dos Beatles.

Já existiam centenas de biografias sobre os Beatles. Por que um novo livro sobre Lennon?
A minha mulher, que é escritora e produtora de TV, foi a primeira a sugerir que eu escrevesse a biografia de John Lennon. Embora centenas de livros tivessem sido publicados sobre os Beatles e sobre aspectos específicos de John Lennon, havia apenas duas biografias sólidas sobre ele, e ambas datavam da década de 1980. John merecia um monumento literário, não só como músico, mas também como escritor, poeta, ativista da paz - uma grande figura da cultura do século XX. John foi tanto um gênio musical como um ser humano inesquecível. Ao redor do mundo, ele é hoje considerado quase um santo secular - o que teria arrancado dele um rude gracejo.

Como é a relação de um biógrafo com um personagem morto? Você chegou a conhecer John Lennon quando ele era vivo?
Sim, eu o conheci ligeiramente: nós nos encontramos no início da minha carreira como jornalista, em 1965, naquela que seria a última turnê dos Beatles no Reino Unido. Nos vimos novamente em 1969, no começo da relação dele com a Yoko, iniciada no ano anterior. Eles estavam então mergulhados na campanha pela paz e eu, trabalhando para o Sunday Times, de Londres, escrevia sobre a empresa dos Beatles, a Apple. Aquele era justamente o momento certo para estar perto da banda: vi o grupo se dissolver embaixo do meu nariz. Mas a pesquisa para esse livro me aproximou de verdade de John. Eu convivi por anos com um personagem que era frequentemente arisco, até cruel e impiedoso, mas ao mesmo tempo gentil e cuidadoso, compassivo e romântico. Durante o trabalho, eu até sonhei com ele: eu era jovem jornalista, tanto nervoso quanto cativado por seu humor e por sua paciência. Eu não me desapontei ao me aproximar de John nesses anos, porque ele esteve sempre me surpreendendo. Eu sinto falta dele o tempo todo.

Você dedicou cerca de 150 páginas à infância e adolescência de Lennon. Foi um período crucial para entender quem ele foi?
A infância de John teve uma importância enorme, porque deu a ele a sensação de não ter sido desejado por seus pais, muito embora a criação que teve por parte de sua tia Mimi - que o assumiu como responsabilidade sua - tenha sido por diversas razões feliz e segura. Eu queria que o leitor vivesse esses anos junto com ele, um período de dor que [o terapeuta] Arthur Janov o fez acessar e liberar, em 1970. Mas quase metade do livro trata da vida de John após o encontro com Yoko. Ela foi, sem dúvida, a companheira de sua alma. Foi ela quem lhe deu o ímpeto de deixar os Beatles e se tornar o artista que ele queria ser. Mas, criativamente falando, seu trabalho com os Beatles será sempre superior a tudo.

Lennon decidiu oficializar a relação com Yoko Ono ao saber do casamento de Paul e Linda McCartney. E transformou a sua lua-de-mel em um evento multimídia, falando a jornalistas da cama que dividiu com Yoko por uma semana. Você acha que ele agiu movido por aquele sentimento de competição que surgia entre os Beatles ou estava seriamente envolvido com o movimento pela paz?
John foi sério em tudo o que fez - mesmo que o compromisso com as causas que abraçava às vezes durasse pouco. Para mim, não há dúvida de que ele foi uma pessoa profundamente humanitária, mas foi Yoko quem lhe forneceu o foco e a coragem para tomar as posições que tomou a partir de 1968.

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