Kerouac & Burroughs: atirando copos no telhado
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Romance
Atirando copos do telhado
Inaugural, E os hipopótamos foram cozidos em seus tanques marca a estreia na literatura de Jack Kerouac e William Burroughs, dois dos principais nomes da geração beat
Henrique Araújo
especial para O POVO
20 jun. / 2009 - Em 1944, Kerouac tinha alguns poucos anos além da casa dos vinte e Burroughs, um bocado a mais que ele, mas eram amigos e, como as figuras que viviam numa Nova York mítica, num mundo enfiado em guerra, conheciam um bando de gente estranha, junkie, viciados, homossexuais, drogados, prostitutas, famintos, a exemplo de Lucien Carr e David Kammerer, os dois personagens de E os hipopótamos foram cozidos em seus tanques, primeiro romance dos autores de On The Road (1957) e Naked Lunch (1959), respectivamente. Lançado pela Companhia das Letras, E os hipopótamos traz o sedutor qualificativo: primeiro romance escrito pelos pais da geração beat.
Will Dennison e Mike Ryko são as personas de William Burroughs e Jack Kerouac. Dennison é barman; Ryko, marinheiro. Eles se revezam na narrativa de E os hipopótamos. Emprestam sua voz a cada capítulo. Contam, a sua maneira, a história do assassinato de Kammerer, cujo corpo foi encontrado boiando nas águas do Rio Hudson. Homossexual quarentão, Kammerer foi esfaqueado pelo jovem Carr. Kammerer e Carr tinha uma relação mal-resolvida. Entre eles, havia pequenos terremotos, ondas sísmicas cujo alcance provocava abalos do outro lado do mundo. Carr queria ser marinheiro e viajar para a França. Queria sumir das vistas de Kammerer, que só desejava o amor do jovem amigo. Mas desejava isso ardentemente, cegamente.
Até ser morto. Kerouac e Burroughs foram os primeiros a saber que Carr havia matado Kammerer. Aconselharam-no a se entregar à polícia. Em seguida, escreveram a história, que ficou guardada debaixo do piso de madeira da casa de Burroughs por muito tempo. Não podiam publicá-la, ela revelava fatos da vida íntima dos amigos, atribuíam culpas, feriam suscetibilidades. Finalmente, veio a público. Estranho, o título tem relação com a notícia: também na década de 1940, alguns hipopótamos morreram num incêndio num zoológico dos Estados Unidos. Fato trágico, cômico.
Em E os hipopótamos, esses dois loucos escritores se dividem: encaram a tarefa de escrever a quatro mãos. E fazem isso de modo dessemelhante, costurando as vozes dos perdidos marginais Ryko e Dennison. Um, mais derramado, preciso, atento ao diálogo. Outro, mais frenético, espalhado, cheio de tiques. Lendária, procurada muitos anos antes de ser publicada, a história de vida e morte vira uma narrativa que emoldura a geração beat. Fala dos excessos, da apatia juvenil, das divertidas discussões filosóficas e dos porres gratuitos. Das modorras, dos medos, dos êxtases. É também o momento que marca o começo da relação entre Kerouac e Burroughs, um atestado do que viria a seguir: a trajetória de um heterogêneo grupo de escritores e poetas que se tornaram conhecidos como fumadores e aspiradores das drogas mais pesadas e autores de obras como Uivo e tantas outras. Uma geração demente e iluminada.
SERVIÇO
Will Dennison e Mike Ryko são as personas de William Burroughs e Jack Kerouac. Dennison é barman; Ryko, marinheiro. Eles se revezam na narrativa de E os hipopótamos. Emprestam sua voz a cada capítulo. Contam, a sua maneira, a história do assassinato de Kammerer, cujo corpo foi encontrado boiando nas águas do Rio Hudson. Homossexual quarentão, Kammerer foi esfaqueado pelo jovem Carr. Kammerer e Carr tinha uma relação mal-resolvida. Entre eles, havia pequenos terremotos, ondas sísmicas cujo alcance provocava abalos do outro lado do mundo. Carr queria ser marinheiro e viajar para a França. Queria sumir das vistas de Kammerer, que só desejava o amor do jovem amigo. Mas desejava isso ardentemente, cegamente.
Até ser morto. Kerouac e Burroughs foram os primeiros a saber que Carr havia matado Kammerer. Aconselharam-no a se entregar à polícia. Em seguida, escreveram a história, que ficou guardada debaixo do piso de madeira da casa de Burroughs por muito tempo. Não podiam publicá-la, ela revelava fatos da vida íntima dos amigos, atribuíam culpas, feriam suscetibilidades. Finalmente, veio a público. Estranho, o título tem relação com a notícia: também na década de 1940, alguns hipopótamos morreram num incêndio num zoológico dos Estados Unidos. Fato trágico, cômico.
Em E os hipopótamos, esses dois loucos escritores se dividem: encaram a tarefa de escrever a quatro mãos. E fazem isso de modo dessemelhante, costurando as vozes dos perdidos marginais Ryko e Dennison. Um, mais derramado, preciso, atento ao diálogo. Outro, mais frenético, espalhado, cheio de tiques. Lendária, procurada muitos anos antes de ser publicada, a história de vida e morte vira uma narrativa que emoldura a geração beat. Fala dos excessos, da apatia juvenil, das divertidas discussões filosóficas e dos porres gratuitos. Das modorras, dos medos, dos êxtases. É também o momento que marca o começo da relação entre Kerouac e Burroughs, um atestado do que viria a seguir: a trajetória de um heterogêneo grupo de escritores e poetas que se tornaram conhecidos como fumadores e aspiradores das drogas mais pesadas e autores de obras como Uivo e tantas outras. Uma geração demente e iluminada.
SERVIÇO
E os hipopótamos foram cozidos em seus tanques
(Companhia das Letras, 174 páginas. R$ 34), de William Burroughs e Jack Kerouac. Tradução de Alexandre Barbosa de Sousa