Oswald e Pagu reeditados

Na época em que editou o jornal O Homem do Povo, Oswald de Andrade filiou-se ao Partido Comunista (Foto: AGÊNCIA ESTADO)
Oswald e Pagu reeditados
(Marcos Augusto Gonçalves, da Folhapress)

16 out. / 2009 - Marco da militância política do modernista Oswald de Andrade, o jornal O Homem do Povo acaba de ganhar publicação fac-similar. Parceria de Oswald e Pagu, o periódico data da década de 1930

 

O dia 9 de abril de 1931 amanheceu agitado na cidade de São Paulo. Naquela quinta-feira, um grupo de estudantes da Faculdade de Direito reuniu-se na praça da Sé para protestar e atacar a sede de um periódico anarco-comunista intitulado O Homem do Povo, que havia publicado violenta crítica à vetusta instituição de ensino.

A afronta saíra da pena do modernista Oswald de Andrade, ele mesmo um homem proveniente da elite, formado pela escola do Largo de São Francisco, que qualificava de um ``cancro-- a minar a sociedade paulista. Ao lado de Patrícia Galvão, a Pagu, então sua mulher, Oswald era o diretor daquele pasquim político e gaiato - que ganha agora edição fac-similar, lançada pela editora Globo em parceria com a Imprensa do Estado e o Museu Lasar Segall.

Em 1984, o ``insolente papelucho-- já havia sido objeto de iniciativa semelhante, com apresentação do poeta e ensaísta Augusto de Campos. A nova coleção, baseada nos oito números deixados pelo militante comunista Astrojildo Pereira, amigo do casal, republica o texto de Campos e traz artigo de Geraldo Galvão Ferraz, filho de Patrícia. É publicada também uma carta inédita enviada ``à camarada Pagu-- por uma assídua leitora do jornal.

O lançamento vai acontecer amanhã, em São Paulo, com a abertura de uma exposição no Museu Lasar Segall - com curadoria da pesquisadora Gênese Andrade.

O ataque dos estudantes à sede de O Homem do Povo, que ficava no Palacete Rolim, no número 9 da praça da Sé, repetiu-se na segunda dia 13 de abril. Os incidentes foram acompanhados pela imprensa.

``Um justo revide dos estudantes de direito contra os ataques de um antropófago-- - foi a manchete da Folha da Noite do dia 9, que fazia referência à antropofagia, a ``filosofia do primitivo tecnizado--, desenvolvida alguns anos antes pelo poeta, que lançou, em 1928, o Manifesto Antropófago.

Os jornais narraram ``a depredação nos escritórios da redação-- e a providencial intervenção da polícia, que impediu o iminente linchamento dos diretores. No dia 13, Oswald voltara ao ataque em novo artigo, com seu humor ferino: ``A grande manifestação de pensamento que produziu até hoje a Faculdade de Direito foi o trote--.

Segundo a Folha da Noite, no segundo dia de manifestação, Pagu surgiu inesperadamente à porta do prédio - e, para espanto geral, ``vinha armada com revólver, com o qual fez dois disparos em direção aos estudantes--. Ela teria, ainda, atacado manifestantes a unhadas enquanto era conduzida com Oswald para a central de polícia -e o jornal tinha sua breve
carreira encerrada.

Romance
O lançamento de O Homem do Povo é um marco na fase politizada de Oswald. Numa época de rompimentos, inclusive com velhos amigos, filiou-se ao Partido Comunista, puxado pela nova e sedutora companheira, que posteriormente veio a ser presa e sofrer violências no cárcere.

Quando O Homem do Povo foi lançado, Oswald tinha 41 anos de idade e Pagu, 21. O romance teve início quando ele ainda era casado com a pintora Tarsila do Amaral. Foi o poeta Raul Bopp quem apresentou a então jovem normalista ao casal ``Tarsiwald-- - como foi apelidado por Mário de Andrade. Pagu tornou-se amiga de ambos e acabou nos braços do antropófago.

Segundo a curadora Gênese Andrade, que assina o catálogo da mostra, quando Tarsila faz sua primeira exposição individual brasileira, no Rio de Janeiro, em julho de 1929, ``o antropófago e a normalista já haviam iniciado uma relação amorosa--.

O fato está registrado em uma espécie de diário do novo casal, intitulado O Romance da Época Anarquista. Livro das Horas de Pagu que São Minhas. O caderno de anotações estará exibido numa vitrine, no Lasar Segall - e 13 de suas páginas serão projetadas num monitor de vídeo.
 

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Da doutrina antropofagica – 1928
(Oswald de Andrade)

 

“Contra todas as catequeses e contra a mãe dos Gracos – Só me interessa o que não é meu. Lei do homem, lei do antopofago. — Contra todos os importadores de consciência enlatada. — A existencia palpavel da vida. E a mentalidade prelogica para o Snr. Levy Bruhl estudar. — A edade de ouro anunciada pela América. A edade de ouro e todas as girls. — Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. — Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo. — Nunca fomos catequisados. Fizemos foi Carnaval. O indio vestido de senador do império. Fingindo de Pitt. Os figurando nas operas de Alencar, cheio de bons sentimentos portugueses. — Já tínhamos a língua surrealista e a idade de outro. Catit Catiti Imara Notiá Notiá Imara Ipejú. — Contra as historias do homem que começam no cabo Finisterra. O mundo não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem Cesar. — Contra as Sublimações antagonicas. Trasidas nas caravelas. — Contra a verdade dos povos missionarios, definida pela sagacidade de um antropofago, o Visconde de Cayrú: É a mentira muitas vezes repetida. — Não tivemos especulação. Mas tinhamos advinhação. Tinhamos política que é a ciencia da distribuição. E um sistema social planetario. — As migrações. A fuga dos estados tediosos. — Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade. — Contra o indio de tocheiro. O indio filho de Maria, afilhado de Catarina de Medicis e genro de D. Antonio de Mariz. — A alegria é aprova dos nove. — Contra a Memoria, fonte de costume. A experiencia pessoal renovada — A baixa antopofagia aglomerada nos pecados de catecismo, — a inveja, a usura, a calunia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianisados, é contra ela que estamos agindo. Antropofagos — Contra Anchieta, cantando as onze mil virgens do céo na terra de Iracema”.

*Mantida grafia e coerencia da doutrina oswaldiana.
**Originalmente publicado em RASM 1939 – Revista Anual do Salão de Maio – são paulo - brasil

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