Os Bichos
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Por mais frio que seja o seu coração, nada me tira a crença de que um menino ou menina, dentro desse adulto sério que você carrega e vê no espelho, lembra com carinho um bicho qualquer, um companheiro de sua infância. Deve passear em algum lugar desse cérebro de homem e mulher feitos, um cão sarnento ou de raça, um papagaio, aquele jabuti da casa da avó ou mesmo aquele pássaro colorido que cantava na cozinha de sua casa e que você não sabia o nome, mas achava tão bonito. Não tenho dúvidas de que aí, entre preocupações com o IPVA e IPTU, em momentos de total recolhimento e imprevistos, esse menino ou menina não escute o currupaco de um velho papagaio, o canto de um galo de campina, mesmo o alvoroço de galinhas sob o canto de um galo, o latido do Rex. Quem não teve um cão chamado Rex? Eu.Lembro do Flipper, um mestiço rubro-negro que tivemos por anos a fio. Era um cachorro com personalidade forte, parecia mais um gato, pois não se deixava levar facilmente por qualquer carinho e osso de galinha. O Flipper morreu tragicamente, uma morte agoniada. Minha mãe, como sempre fazia, levantou-se muito cedo e foi ter a padaria para os pães da manhã. Afoito como ele só, tentou saltar o portão de ferro. Ninguém viu, ninguém ouviu. Encontramo-lo pendurado pela coleira numa reentrância do portão de ferro. Deduzimos que um de seus pulos alcançou aquele pedaço de ferro que, introduzindo-se coleira adentro, o manteve pendurado, agonizando, sem ar, língua estirada. Deus o tenha. Outro animal que passeia em minha memória é o Mimi, veja só, que nome para um gato! Mimi. Pitoresco e afeminado nome para um animal boêmio, amarelo, de listras mais escuras, e que vivia pelos telhados das casas. Mimi era mais que um gato, era um amigo de sacanagens. Um belo dia, notamos sua ausência. Eu, seu amigo mais chegado, comecei a procura-lo por todos os lugares, tinha um mau pressentimento. Mimi não era de sumir, era de miar por comida e colo. Fui encontrá-lo desfigurado na beira do asfalto. Certamente atropelado. Reconheci-o apenas pela ausência de bigodes, eu os tinha cortado dias antes, por pura sacanagem. Não sou santo. Hoje temos três cadelas que, certamente, cavoucam com seu encanto o espaço da memória que buscarei na velhice. Alguns preservam seus pequenos companheiros em fotografias, filmes, canções. Michael Jackson eternizou seu ratinho Ben. Outros, como eu, trago-os na memória e aqui, nesse espaço intocado, eles miam, latem, correm, alegram o menino que fui um dia. Há quem não goste de bichos, de animais de estimação. Para esses só posso dizer que o azar não é dos bichos, certamente.
FELIZ 2011
Saudações Rubro-negras
Leonardo Almeida Filho