Livro retrata registros de ícone da geração beat
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Segunda-feira, 03/01/2011, 01h26
Livro retrata registros de ícone da geração beat
Do ponto de vista estritamente fotográfico, o material deixa um pouco a desejar. Mas a sua importância, nesse caso, não está no talento do fotógrafo e sim nas figuras captadas por ele. Na época elas eram personagens desconhecidos. Só que se tornaram ícones de uma geração, e isso acabou transformando as fotografias em documentos históricos. E é justamente aí que reside o valor das fotos que compõem “Beat memories” — livro recém-lançado nos Estados Unidos, contendo flagrantes rotineiros, alguns íntimos, captados pelo poeta, e expoente máximo da Beat Generation, Allen Ginsberg.
“As fotos de Ginsberg formam um dos registros mais atrativos e reveladores da Geração Beat”, diz Earl A. Powell III, diretor da National Gallery of Art, de Washington, onde as 80 fotos que estão no livro foram exibidas de maio a setembro passado.
O próprio Ginsberg, falecido em 1997, reconhecera de forma irônica que o material ganhara importância devido à ascendência artística, seguida de extrema notoriedade, dos amigos que fotografara — entre eles os escritores Jack Kerouac, William Burroughs, Paul Bowles, e o cantor e compositor Bob Dylan —, além de seus próprios autorretratos:
“Se você se dá bem num campo, é possível que as pessoas então passem a levá-lo a sério em outro. Talvez acabem mesmo levando você demasiadamente a sério”, costumava repetir ele, para justificar o interesse que suas fotografias começaram a despertar em meados dos anos 80.
Ginsberg não tinha qualquer pretensão artística com as suas fotos, queria apenas registrar os encontros com os amigos. Ele estava convencido de que ele próprio e — em especial — Burroughs e Kerouac criariam “a mais individual, livre de influências e desinibida expressão de arte”. O poeta comprara uma câmera Kodak Retina, de segunda mão, em 1953, por US$ 13, numa loja de penhores em Nova York.
Ele a usou durante dez anos, até que deixou a fotografia de lado, dedicando-se à poesia e ao seu ativismo contra a guerra no Vietnã. O poeta não fez curso algum de fotografia. Ele dizia se inspirar num mestre da pintura — Cézanne. Ao admirar seus quadros, Ginsberg aprendia “simplesmente como olhar”.
As fotos, reveladas e copiadas num supermercado, ficaram guardadas em caixas, num armário. Até que, 30 anos depois, o poeta — incentivado por um já célebre fotógrafo profissional, Robert Frank — decidiu retomar o velho hábito de registrar os encontros com amigos. Ele adquiriu, então, uma velha Leica C3, que acabou perdendo — esquecida num táxi. Em seguida, comprou uma Rolleiflex, também de segunda mão.
REDESCOBERTA
“Ele passou a levar a sua câmera para todos os lados, usando-a mais do que o seu bloco de anotações”, informa Sarah Greenhough, curadora sênior e chefe do departamento de fotografia da National Gallery of Art, e autora do primeiro estudo acadêmico das fotos de Ginsberg, que acompanha as fotos em “Beat memories”.
A “redescoberta” das antigas fotografias e a produção de novas séries acabaram sendo essencialmente úteis a Ginsberg. Elas praticamente viraram o seu ganha-pão a partir de meados dos anos 80. Com 60 anos, e sem muito dinheiro, o poeta começou a fazer palestras intituladas “Poesia do instantâneo”, em que exibia as suas fotos, e também a trabalhar com agentes do setor para vender cópias e direitos de reprodução. O material, segundo Greenhough, “foi imediatamente abraçado pelo mundo artístico” — em especial a partir de sua primeira exibição, em 1985, em Nova York.
Em 1994, ainda vivendo modestamente, Ginsberg vendeu os seus arquivos — originais dos poemas, cadernos de notas, ensaios — para a Stanford University por US$ 1 milhão. Mas, deduzindo os impostos e a comissão de seu agente, desse dinheiro sobrou apenas o suficiente para comprar um pequeno apartamento nova-iorquino. A renda obtida com as vendas de suas fotografias passou a alimentá-lo até o final de sua vida, três anos mais tarde.
Modesto, consciente de que as suas fotos se tornaram famosas devido à notoriedade das pessoas que fotografara, Gi nsberg — ao lançar um livro com 91 de suas fotografias, em 1990 — admitiu, quase como quem se desculpa por seu próprio êxito, que elas o tornaram um homem de sorte: “Conheço muitos fotógrafos que são muito melhores do que eu e não têm um grande livro tão bonito e bem editado de suas fotos como o meu. Sou um cara sortudo!” (Agência O Globo)