Todo Menino É Um Rei

TODO MENINO É UM REI 

                            Paulão de Varadero

 

A minha vida começou assim, meu irmão  

Como uma folha, um papel em branco

Eu a fui tingindo, pelo caminho, por aí

“O adulto está no menino”

Desde menino eu pintei e bordei o sete,

Na Super-Quadra- Sul -207

Onde fui morar aos quatro

Morei desde menino entre redemoinhos

Em meio à poeira vermelha da epopeia

Verdadeira conquista do oeste, do sertão sem fim

A minha vida de criança se passou assim, bem feliz

Em cima de uma bicicleta, Monark 61, contra-pedal

Presente de meu avô camponês, do Vovô Joaquim

E meu pai, Seu Guedes, foi na loja comprar pra mim

Na “Internacional”, na esquina da comercial da 207

Loja da Dona Terezinha, mulher bonita e charmosa

Que tinha uma filha linda, como Milene Demongeau

Atriz que eu vi no álbum de figurinhas, “Cine-cromo”

Desde menino, a beleza feminina me impressionou

Deus caprichou quando fez Eva da costela de Adão

Como Michelângelo Buonaroti esculpiu o seu Davi

Meteu-lhe o martelo no joelho e disse: "Parla!"

Mas vou encurtar essa história, muito comprida

 

Que, de início, pensei que fosse dar num poema

Mas tornou-se cansativa, uma história tão comum

Como a  infância de todo menino, de qualquer um

Era uma vez um menino, no meio de redemoinhos

Em Brasília, a Capital da Esperança, do Brasil, de JK

“Desperta o gigante brasileiro...”

Eu estava nessa aventura da “Marcha para o Oeste”

Fui muito com meu pai, num Jeep, à Cidade Livre

A Nova Capital já era sonho dos “Inconfidentes”

E eu estou fazendo essas confidências de amor

“No velho oeste ele nasceu e entre bravos se criou

Seu nome lenda se tornou: Bat Masterson, Bat Masterson”...

Carlos Miranda, o célebre “Vigilante Rodoviário”

Não era meu parente: sou Cardoso de Miranda

Mas era nosso herói, com seu Sinca Chambord

No seriado semanal da TV,  em preto e branco

Eu morava no acampamento do IPASE, na 207

Cavaleiro e senhor de bicicleta aro 26 e árvores

De pilhas colossais de tijolos, areia, cimento

Carrinhos de mão, betoneiras, almoxarifado

Casinha e passagem de madeira nas mangueiras

Pés descalços ou chinelos, calças curtas e poeira

Sou candango, sou pioneiro da poeira vermelha  

Do mato cerrado, do Planalto Central Brasileiro

Filho de paraibanos, nascido no Rio de Janeiro

Mamãe enterrou meu umbigo na Guanabara

 

Minha mãe, Dona Adize, era doce, terna, carinhosa

Deus a levou tão depressa, aos  95 anos de idade

Deus é mãe! Quem sabe, tão bom quanto ela era!

O meu irmão, Carlos Alberto, é  2 anos mais velho

Do que eu, que sou caçula, menos levado da breca

Eu era mais contemplativo, via carneiros nas nuvens

Em cima da bicicleta ou das imensas pilhas de tijolos

Meu irmão furou muito o pé com  prego enferrujado

Eu o via sofrer, tomar pontos e vacina antitetânica

Sofreu muito, ficou mais calmo e gordo, hoje em dia

Crescemos felizes, juntos com a cidade de Brasília

Nossos saudosos pais já  foram pro andar de cima

Deus os levou para outra aventura, outra epopéia

Num outro acampamento, quem sabe, sem poeira

Mas tomara que lá, tenha aquela mesma cantina

Cantina do IPASE, onde  fizemos tantas refeições

Com sobremesas deliciosas, arroz doce, goiabada

Comida gostosa, com muita fartura e fraternidade

Cantina onírica onde ganhei  um “Sonho de Valsa”

Onde brinquei nosso primeiro baile de carnaval

E aprendi a fazer pó-de-mico, com sal, pimenta

Do reino, é claro, e serragem, (pó de madeira)

Para jogar no pescoço e nas costas dos meninos

Junto com confete, serpentina e  lança-perfume

Perfume que se espalhava pelo salão qual  poesia

Todo menino é um rei, feliz!  Mas  eu não sabia...

 

 

 Uma protagonista de um filme de Almodóvar, em que um dos atores é Antonio Banderas, contracena com ela, em um momento da história diz, "as minhas recordações são tudo que me resta , hoje em dia"...  Pressuponho que ela se referisse as boas recordações, mas até as más recordações fazem parte do nosso patrimônio, do nosso acervo emocional e espiritual. Como jornalista, uma espécie de historiador, sempre cultivei a memória, e tive a felicidade de testemunhar um tempo muito cheio de esperança, de utopias , em minha infância, mesmo tendo sido contemporâneo do golpe militar de 64. Posso dizer, como o índio que testemunha I Juca Pirama travar uma luta feroz contra outros índios que o capturaram e a seu pai: "Meninos, eu vi!" Eu era menino, e vi. O poema que te mandei saiu com algumas incorreções, por causa do meu açodamento. Peço que corrijas, no original: troquei a grafia de comprida, com o "O" por cumprida, quando me referi a minha história comprida, longa. E inverti , num verso, a ordem natural das coisas quando lembrei a escultura renascentista de Michelângelo:  "Como Michelângelo Buonaroti esculpiu o seu Davi, Meteu-lhe o martelo no joelho e disse:'Parla!'", e não o contrário como está no verso. Não poderia deixar de fazer esses reparos.  (Paulão) 

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