AUGUSTO DE CAMPOS, Poeta completa 90 anos (14 DE FEVEREIRO / 2021)

90 ANOS DE AUGUSTO DE CAMPOS!

BRASIL TEM QUE 'LIVRAR-SE DA CORONAVIRUS-19 E DO BOLSONAVIRUS-22', DIZ AUGUSTO DE CAMPOS, QUE COMPLETA 90 ANOS

Visitante dos Céus é uma versão do poeta Augusto de Campos da música Up From the Skies, de Jimi Hendrix, produzida, interpretada e arranjada por Cid Campos (voz, guitarra, baixo e programações) e Augusto de Campos (gaita). Gravação feita no MC2 Studio, de Cid Campos, em 2020, durante os meses de reclusão por conta da pandemia de Corona Vírus. Este vídeo/single é o segundo lançado pela dupla, fazendo parte de seu projeto TRANSBLUES, onde pretendem registrar versões inéditas de Augusto de blues e jazz. Destaque para o poeta Augusto de Campos tocando gaita!

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 Avesso a entrevistas, Augusto de Campos, único remanescente do trio que criou a poesia concreta em São Paulo, critica Bolsonaro e se diz cansado  

 BRASIL TEM QUE 'LIVRAR-SE DA CORONAVIRUS-19 E DO BOLSONAVIRUS-22', DIZ AUGUSTO DE CAMPOS, QUE COMPLETA 90 ANOS

Criador da poesia concreta, o escritor é considerado um dos maiores autores brasileiros; poeta faz crítica ao presidente Jair Bolsonaro

Edison Veiga - 12/02/2021 - 17:38 / Atualizado em 12/02/2021 - 17:45

Avesso a entrevistas, Augusto de Campos, único remanescente do trio que criou a poesia concreta em São Paulo, critica Bolsonaro e se diz cansado Foto: Divulgação

Para muitos, ele é o maior poeta brasileiro vivo. Único remanescente do trio original de poetas que, chamado de Noigandres, criou em 1952 a poesia concreta em São Paulo, Augusto de Campos completa 90 anos neste domingo e se diz cansado.

Pelo menos oficialmente. "Agradeço muitíssimo a você o convite, mas diante dos inúmeros pedidos de entrevista que tenho recebido, e solicitações as mais diversas, impossibilitado de responder a todos, e de ter que repetir-me, em face de minha avançada idade, cansado, esgotado mesmo, decidi optar, e resumir depoimento ao seguinte", foi a gentil resposta que a reportagem recebeu dele.

Em seu texto pronto enviado à guisa de depoimento, ele poetiza sua crítica ao governo Jair Bolsonaro. "Tudo o que tem o Brasil a fazer hoje é livrar-se da Coronavirus-19 e do Bolsonavirus-22 (e por este último entendo toda a corja que acompanha o nosso "presidemente"). Um vírus mata. O outro imbeciliza", escreveu. "Et tout le rest est littérature."

Mas, de seu apartamento no bairro das Perdizes, o agora nonagenário segue em plena ebulição intelectual. Encontrou no Instagram (@poetamenos) uma plataforma para suas experimentações verbivocovisuais — é seguido por quase 23 mil leitores. Está lançando, pelo Selo Demônio Negro, EXTRAPOUND, antologia de traduções de poemas do americano Ezra Pound (1885-1972). E será homenageado, pelo aniversário, por eventos no Brasil e no exterior.

Em 2020, recluso pela pandemia, gravou com o filho Cid Campos sua tradução de Up From The Skies, de Jimi Hendrix (1942-1970). Batizada de Visitante dos Céus, a música foi produzida, interpretada e arranjada por Cid — voz, guitarra e baixo. Augusto toca gaita. Segundo o poeta, foi "para fugir à depressão" que gravou "a canção que traduzi do Jimi Hendrix, de quem sou grande admirador".

CONCRETO

O paulistano Augusto Luís Browne de Campos começou a conquistar seu espaço no cânone literário brasileiro nos ANOS 1950. Seu primeiro livro, O REI MENOS O REINO, foi lançado quando ele tinha 20 anos e cursava Direito na Faculdade do Largo São Francisco. No ano seguinte, com o irmão Haroldo de Campos (1929-2003) e o amigo Décio Pignatari (1927-2012), criou a revista NOIGANDRES — e a poesia concreta.

Era uma reação ao formalismo academicista da chamada geração de 1945. E, ao mesmo tempo, um resgate do espírito revolucionário dos poetas de 1922. Antenados com experiências europeias, como as que vinham sendo realizadas pelo poeta boliviano naturalizado suíço Eugen Gomringer (1925-), o trio buscava uma poesia que ultrapassasse os limites do verso.

Conforme explica o poeta e professor de literatura Frederico Barbosa, para tanto eles precisavam lançar mão de um arcabouço cultural "descomunal" — e, assim, realizar "a proeza sonhada pelo 'antropófago' Oswald de Andrade" (1890-1954), ou seja, "produzir, no Brasil, uma literatura de teor, qualidade e importância universais".

Em uma de suas raras entrevistas. concedida em 2010 e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, o poeta concordou que São Paulo era o berço necessário para o nascimento do concretismo.

"Como o Movimento de 22, tinha de nascer em São Paulo. Nos anos 50, aqui se concentraram os museus de arte moderna, a cinemateca, as bienais, as importadoras de livros e discos estrangeiros. O Rio, maior rival, sempre encantador, não era tão avançado e multi-informativo e era mais sentimental e francês (leia-se: surrealizante)", afirmou Augusto.

Em 1953, o lançamento do livro Poetamenos garantiu a Augusto um lugar na história da literatura brasileira. Mas sua vasta produção não se limitaria ao fazer poético. O paulistano tornou-se um reconhecido ensaísta e tradutor — principalmente de autores como o inglês John Keats (1795-1821), o francês Paul Valéry (1871-1945), o russo Vladimir Maiakovski (1893-1930), o americano E. E. Cummings (1894-1962) e o irlandês James Joyce (1882-1941), além do já citado Pound.

RECLUSÃO

Enquanto produz, contudo, Augusto costuma ser avesso a aparições públicas. Neste aspecto, sua reclusão é bem anterior à pandemia. Na entrevista publicada em 2010, ele disse passar "a maior parte do tempo no computador".

"Dentro ou fora do universo digital, leio, ouço e vejo muito mais do que escrevo", comentou. "O meu fazer poético é, antes, como disse, um 'a-fazer' e a minha criação propriamente dita, um acidente de percurso."

Na época, dizendo-se "quase-oitenta", enfatizou: "fico muito em casa". "Não vou mais a livrarias e casas de disco. Compro tudo na internet. Cinema, não dá mais: sou da geração pré-'pipococa'. Prefiro zapear a TV, onde, a par de futebol e noticiário, entrevejo, com atraso, os filmes da moda, de preferência sob a forma de montagem (dois ou três ao mesmo tempo)", contou. "Melhor ainda: o meu Mac e o YouTube, onde assisto a coisas que nunca imaginei rever."

Segundo o editor Vanderley Mendonça, que além de ExtraPound também reeditou três obras de Augusto (ColidouEecapo, Reduchamp e Poemóbiles), a aparente reclusão de Augusto é "coerente com seu discurso poético".

"Ele se interessa por quem trilha as mesmas sendas da invenção, como leitor, tradutor e poeta. E, muito particularmente, como homem, em suas amizades", assinala o editor.

"Augusto transita entre duas tradições: o amor e a política. Fazer poemas políticos sem ser maniqueísta ou mesmo discursivo é o mais difícil desafio do poeta. Augusto, assim como Maiakovski, vai muito além do discurso político, inventa novas formas de versificação, de composição tipográfica ou agregam elementos novos no poema — cartaz, som, movimento."

"Augusto, para quem não sabe, não apenas recusa entrevistas — há anos, acredita que 'não tem nada a dizer, tudo está dito'. Recusa homenagens — embora seus leitores as façam. Recusa prêmios — como recusou o Prêmio Camões [edição de 2019], pois jamais o aceitaria vindo de um governo com fortes sintomas autoritários [a premiação é instituída pelos governos de Brasil e Portugal]", prossegue Mendonça.

"Assim, ao contrário do que parece, Augusto está mais interessado na obra do que no eu. Um poeta como ele jamais faria parte de uma Academia Brasileira de Letras, ou de qualquer academia. É o mais crítico e refinado teórico da poesia sem ser acadêmico. Sua obra é sua voz."

São icônicos os livros-objetos criados por ele. Do encontro de Augusto com o artista espanhol Julio Plaza (1938-2003) nasceu Poemóbiles.

"Sublinhou um novo aspecto visual às palavras impressas num livro, coloridas, fazendo com que se descolem da sintaxe tradicional numa configuração tridimensional para o texto, que se move e multiplica os sentidos", avalia o editor Mendonça. "Uma das mais inovadoras parcerias e de fundamental importância para as relações entre artes gráficas e poesia no Brasil."

Frederico Barbosa ressalta a importância da inovação das plataformas na obra de Augusto.

"Após escrever os primeiros poemas concretos do mundo, a série de poemas de amor baseados na música de Anton Webern, Poetamenos, ele experimentou novas formas de suporte para a poesia, em obras da década de 1970, como a Caixa Preta, literalmente uma caixa contendo diversos poemas soltos e os Poemóbiles série de poemas tridimensionais e coloridos", recorda.

"Nos anos 1980 e 1990 continuou a dedicar-se a investigar novos meios para a poesia, como a holografia e a computação gráfica e lançou, em parceria com seu filho, o músico Cid Campos, um CD com leituras criativas de seus poemas e traduções, 'Poesia é Risco'."

"No livro NÃO, de 2005, já apresenta poemas escritos diretamente na linguagem [de programação] flash e recentemente Augusto tem publicado seus poemas na internet, principalmente por meio do Instagram", completa Barbosa. "Ou seja, trata-se de um jovem de 90 anos que não para de experimentar e inventar."

"Não há nada mais fascinante do que conviver com Augusto durante o processo de produção de um livro seu. Não apenas por que ele conhece profundamente artes gráficas — repare que esse aspecto é comum nos poetas inventores, como Apollinaire, Mallarmé, Maiakovski, que conheciam muito tipologia e composição tipográfica —, mas porque cada livro dele é um desafio para editores, artistas gráficos e também leitores", conta Mendonça.

"Augusto, certa vez, me disse: 'a grande poesia não nos dá nada, só nos tira'. Talvez seja mesmo a poesia o último bastião da arte para resistir ao mercado. É um código e como tal precisa ser decifrada."

"Aprendi mais com Augusto fazendo seus livros do que com todos os livros de crítica já escritos", acrescenta. "Augusto é muito reservado, como se sabe. Sua retidão intelectual, suas atitudes e afirmações não se contradizem. Ele não tem essas características de intelectuais de terceiro mundo, ufanistas, que vivem em completa contradição, como era o caso do Ferreira Gullar. É um internacionalista."

Para Frederico Barbosa, "a importância para a poesia mundial" de Augusto "jamais pode ser ignorada".

"Campos é o último remanescente vivo de um trio que criou a poesia concreta, o último dos movimentos poéticos de vanguarda surgidos no século 20", afirma ele.

"Assim, pode ser considerado o único poeta vivo do mundo que corresponde àquela definição de Ezra Pound de 'poeta inventor': aquele que criou uma nova forma de escrever poesia, novos processos poéticos."

RECONHECIMENTO INTERNACIONAL

Mas mesmo que ele diga não gostar, Augusto será celebrado pelos 90 anos. A Casa das Rosas, em São Paulo, tem uma programação dedicada a obra dele neste mês de fevereiro.

Organizada pelo escritor Marcelino Freire, a Balada Literária também terá edição online para homenagear o poeta — será no dia 27, no canal do Youtube do evento.

No dia 20, a celebração será internacional. Via Zoom, críticos e acadêmicos internacionais irão debater a obra de Augusto — evento das universidades de Yale, Zurique e Lausanne.

O reconhecimento internacional não é novidade. Augusto já teve sua obra exposta em museus como o Guggenheim de Nova York e a Galeria Maddox de Londres, além de ter integrado a Bienal de Lyon. Boa parte dos seus trabalhos foi traduzida para o francês e o espanhol. Em 2015, tornou-se o primeiro americano a ganhar o Prêmio Latinoamericano de Poesia Pablo Neruda, oferecido pelo Chile.

"Ele é considerado um dos maiores poetas brasileiros por causa de sua longa devoção à poesia, sempre em busca do rigor formal aliado ao conteúdo inventivo", avalia Kenneth David Jackson, professor de Literatura e Cultura Luso-Brasileira na Universidade de Yale.

Ele enfatiza o fato de que a carreira de Augusto já soma sete décadas de produção ininterrupta. "Isso é mais longo do que qualquer outro poeta latino-americano que conheço", diz.

O professor conheceu Augusto em 1968, nos Estados Unidos. Desde então, nunca perderam contato. "Ele é importante porque sabe o que está fazendo e por quê. [Augusto] tornou a poesia brasileira relevante em perspectiva mundial", completa Jackson, lembrando que aos 90 anos, Augusto usa o computador para criar seus poemas, o que faz dele um poeta consumado, intimamente ligado com sua época.

"Para mim, Augusto de Campos é o poeta da contemporaneidade. Sua obra mantém-se atual por que a matéria-prima de sua criação é a forma — que, para ele, é também criação", define Mendonça.

"O domínio da arte e tecnologia gráfica é elemento predominante na composição de seus poemas. Das composições em Letraset, nos anos 50, às atuais incursões nas mídias sociais — Instagram —, passando por móbiles que compõem livros-objeto, ou mesmo holografia, seu domínio sobre a língua, a versificação e as tecnologias gráficas é impressionantemente moderno, atual. No século 20, nenhum poeta chegou tão longe. Eu diria que Augusto é o único poeta concreto, ou do que se chama concretismo."

Professora emérita da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, a crítica literária Marjorie Perloff diz que "Augusto de Campos conferiu à poesia um novo alcance, muito mais amplo, ao mostrar como o poético pode se transformar em obras de arte e performance e ao fazer da tradução parte integrante do universo da poesia concreta".

"Seus dons linguísticos são notáveis. Ele é capaz de pegar uma única palavra e fazê-la ressoar. Criou um novo universo de palavras e frases por 'semelhança familiar', transformando-as em parte de um discurso mais amplo", contextualiza ela. "Pense em 'Viva Vaia' ou 'Luxo/Lixo'. A obra de arte que valoriza a poesia é linda."

Professor de literatura brasileira na Universidade de Zurique, Eduardo Jorge de Oliveira acredita que os dois grandes legados de Augusto, "pelo menos para os poetas", são "a recusa e a margem".

"Ele soube articular como ninguém esses dois pontos. O primeiro porque os poetas têm uma grande capacidade de dizer não das mais variadas maneiras, declinando este termo: 'não', o que só enriquece a linguagem através da arte da subtração. Não à toa, Augusto de Campos adota o termo 'poetamenos', em referência a uma série dele de 1953", explica ele.

"Sobre o segundo ponto, pela arte de criar margens, dizer não implica em criar tempo para dedicar-se à arte da palavra, ainda que dela emane cores, visualidades, ritmos diversos. Augusto de Campos é um grande mestre nesse sentido."

 

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