Cine-roteiro Heliográfico para o ins(pirado) Ivan (do Ivampírico Terrir)



Cine-roteiro Heliográfico para o ins(pirado) Ivan (do Ivampírico Terrir)(Haroldo de Campos*)

 

 

HÉLIO OITICICA
desperta ou semi
- (ainda) - desperta
de dentro do seu
ninho-rergaço de
nylon que parece
desubicar-se de um nó
cintilante no âmago do
espaçotempo
como uma teia
de limalha
de prata onde um aracnídeo
trapezista - I'Araignée
de Mallarmé
- se suspende filândrico e se
desloca de acordo com enigmáticos
sinais
ópticos emitidos pela pupila arguta
de hélio único
habitante do heliossolário onde
nidifica na sua prerrogativa de
tecelário de ninhos
assim num habitáculo
pênsil que só pode ser comparado a um
heliporto
operável ao seu (dele) arbítrio
e elevável à potência do
vórtex - mas que
no instante-luz em que o surpreendemos
deixa-se pairar (hélio rege) em
estado-de-graça
sem decolar rumo ao céu -
(entenda-se cielo raso)
- acima nem
se deixar desalar na escuma
do acaso
desperto
hélio
põe a funcionar seus
(agora desadormecidos e vigilantes)
neurônios (ouve-se
o seu sussurro de transistores
acoplados a um estelário
de cristal)
hélio pensa:
nem palavras nem
figuras
algébricas nem
cuneiformes nem
runas nem
hieróglifos nem
pictogramas rudimentares
gravados por mão humana
casca de sagrdos
quelônios fósseis
hélio pensa com o olho
físico-matemático que
funciona em sua mente
como um terceiro olho búdico
aberto no meio da testa:
pensa por diagrmas cinéticos
por interruptas op-partituras
que faíscam e logo
se desfazem
num contínuo
rebobinar de cores
completamente revigorado
hélio
liga o piloto automático
de sua cabine de nylon
(não sem dar-lhe precisas direções de roteiro)
estantes-arquivos de aço
fichários fidelíssimos
no seu apartamento columbário
garantem contra o sopro
crescentemente entrópico do universo-caos
a necessária barragem
cartesiana das regras
hélio já
está agora
em plena translação
icária
destino:
morro da mangueira
local: memorial (astral)
do herói-marginal
cara-de-cavalo
chegada prevista: pleno carnaval do rio
a anve-ninho de nylon
sobrevoa a avenida onde o mestre-sala
filigrana as suas evoluções
em torno da porta-bandeira
hélio
vestindo um parangolé de de emergência
- asa-delta para o êxtase
ejeta-se da nave
e cai
sambante
no olho do furacão
houve
depois
um telefone que não
funcionava
parava de tocar
uma resposta que nunca houve
como decifrar as mudas
siglas das coisas
as consignas irrefragáveis do acaso
interrompendo o jogo
e deixando tudo
em desequilíbrio instável
como a crista dessa onda de
hokusai (no momento o heterônimo de hélio)
que rebenta na praia (ipanema? copacabana?)
em poeira de vidrinhos
a terrir
anjo-fêmea
donzela-arcanjo d
hagoromo (o
manto de plumas do
palácio da lua)
dança
parangoledança
depois ala-se
(exala-se)
rumo ao cé-do-céu:
vai receber
hélio
forma estelante
às portas do paraíso oeste
junto com o buda amida
aquele que sempre conforta
no céu além-zen


*Poema escrito em maio de 2003,  para filme de Ivan Cardoso, Homenageia Hélio Oiticica e volta a proclamar a insurreição do texto e o delírio da sintaxe - 'A última Odisséia de Haroldo de Campos' - Toninho Vaz
(Especial para 'O Globo') 23 ago. / 2003.

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