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A história do advogado e quase pastor, que decidiu ser jornalista Nascido em Torre de Pedra, próximo a Tatuí, em São Paulo, Rui recebeu esse nome em homenagem a Rui Barbosa e, coincidência ou não, acabou tornando-se também um «homem das letras». Por pouco não se tornou «pastor». Criado dentro da Igreja Presbiteriana, participava ativamente na comunidade e foi um dos líderes da mocidade na época. Com a ditadura, Rui desligou-se por completo da Igreja Presbiteriana. Ele compartilhava das idéias marxistas, enquanto a igreja uniu-se aos militares e expulsou os seminaristas de esquerda. Rui decidiu estudar Direito na USP e, enquanto fazia faculdade à noite, trabalhava de dia no Citibank. A seguir, foi assistente de direção do SESC, Serviço Social do Comércio. «Tive três chefes que eram simpatizantes da esquerda e aprendi muito na convivência e bate-papo com eles», diz o escritor. Mas o que ele queria mesmo era trabalhar num jornal. Por meio de um amigo, conseguiu fazer um mês de estágio no jornal Estado de São Paulo. Terminado o período, prometeram lhe chamar. Isso não aconteceu. Teimoso, Rui foi até o jornal levar o convite para sua formatura e fez mais uma tentativa. Deu certo, recebeu uma oferta. Sem pensar duas vezes, Rui pediu licença no SESC e nunca mais voltou. «Fui para o jornal ganhando 1/3 do meu salário, mas era isso que eu queria fazer», lembra. Rui estava dois anos no jornal quando publicou o livro «A rebelião romântica da Jovem Guarda» (Fulgor, 1966). Publicado em plena ditadura, o livro defendia a tese de que Roberto Carlos surgiu para preencher um vazio que havia no país. Músicas como «Quero que vá tudo pro inferno», pregavam uma forma de fugir do real. O jeito de ser da Jovem Guarda contaminou o país e os meios de comunicação ajudaram a criar o fenômeno musical. Essa forma de expressar as frustrações, cassações políticas e incertezas passou a ser um fenômeno sociológico. A análise de Rui sobre o tema foi publicada em uma página no Estadão e o editor da Fulgor (que era ligada ao PC) propôs que ele publicasse um livro a respeito. «Em um mês o livro estava pronto», disse Rui, que marcou assim sua estréia como escritor. Sua atuação no jornal sempre teve uma pitada de contestação à realidade. Como jornalista que cobria a área estudantil, abrigou em sua casa o líder da União Nacional dos Estudantes, José Luis Guedes e sua família, que estavam sendo perseguidos. Mais tarde foi demitido do jornal por ter comemorado a reação dos vietcongs aos Estados Unidos na Guerra do Vietnam. Assumiu a chefia de redação paulistana do jornal Última Hora do Rio. Perdeu novamente o emprego, em dezembro de 68, ao participar de uma suposta greve de jornalistas. Rui lembra do caso com certo humor: «O Reali Junior, na época no Jornal da Tarde, veio à minha redação pedir apoio para uma greve de jornalistas em São Paulo, que na verdade não acontecia, mas eu acreditei e escrevi para a sede: a imprensa de São Paulo está em greve e nós, como correspondentes em São Paulo também estamos». A resposta veio rápida e curta: «Está demitido!» Numa época em que «ser do contra» dava punição, alguns amigos se preocuparam com a segurança de Rui, temendo que ele fosse preso. Foi quando recebeu uma proposta irrecusável da Embaixada da França: uma bolsa de estudos para Paris para sair do Brasil. Arrumou tudo, saiu do Brasil, deixou a mulher, e se exilou na França. «Saí uma semana antes do seqüestro do embaixador americano, que levou à prisão todo mundo», conta. Na França, que considera sua segunda pátria, fez seu Mestrado em Jornalismo no Institute Français de Presse e dois anos de doutorado com especialidade em Ciência da Comunicação. «Escrevi algum tempo para o Pasquim e, durante uma época cheguei a ter três bolsas ao mesmo tempo para poder sobreviver», relata. Nas horas vagas, dava aulas de português. Veio para Genebra, em 1970, pegar uma carta de apresentação de Paulo Freire, que lhe garantiu uma uma bolsa de estudos da CIMADE, em Paris. Ia ser professor de jornalismo em Constantine, na Argélia, mas o contrato furou na última hora. Inscreveu-se para um posto na UNESCO (órgão das Nações Unidas responsável pela área da Educação, Ciência e Cultura), por indicação de Eber Ferrer, mas chegou em segundo lugar e não entrou. Foi uma época difícil em Paris, onde criara nova família e onde nasceram suas duas filhas mais velhas. Era uma vida de restrições e pouco dinheiro. Por sorte, começou a escrever para a revista Manchete. Em 1975, em plena administração Geisel, voltou para o Brasil, pois sua esposa tinha muitas saudades. O retorno durou somente nove meses. Como sua esposa tinha sido tesoureira da União Estadual dos Estudantes, um dia os militares do DOI-CODI bateram à sua porta às cinco horas da manhã e a levaram para ser interrogada. Alguns dias de prisão com tortura, acabaram com a perspectiva de uma vida normal em São Paulo e exigiram uma nova saída discreta para começar tudo de novo em Paris. Um amigo lhe conseguiu um emprego pela Abril e, a seguir, Rui trabalhou como correspondente para a Rádio Guaíba, de Porto Alegre. Em 1980, com um contrato na Rádio Suíça Internacional, Rui veio morar em Berna, aqui na Suíça. Nessa época conheceu o deputado e escritor Jean Ziegler. «Premiado ou azarão», como ele mesmo diz, ao chegar perto dos cinco anos de trabalho, soube que seu contrato não seria renovado e terminaria no meio do ano letivo das crianças. Rui foi o primeiro estrangeiro a não ter mais contrato definitivo com a Rádio Suíça, que, em 1985, mudou as regras para os estrangeiros. Depois de um ano e meio na Holanda, voltou à Suíça para ser correspondente do que seria a CBN e do Estadão. Seus boletins de rádio tinham, desde a época da Guaíba, um estilo diferente, começando sempre com uma brincadeira, uma frase de efeito e transmitindo muita emoção. O jornalista procurou sempre manter uma interatividade com o ouvinte. Para muitos retransmitia seus boletins por E-mail. Do tempo na Rádio Suíça Internacional ficou um ressentimento, que custou a desaparecer. «A Suíça me rejeitou e eu rejeitei a Suíça. Tudo o que eu podia, escrevia contra a Suíça. Mudei a imagem de cartão postal que a Suíça tinha no Brasil e contei um lado que não se conhecia », revela o escritor. Rui só venceu esse problema quando abraçou uma nova bandeira: a luta pelas classes bilíngües no cantão de Berna. Tudo começou quando se tornou presidente da Comissão de Pais na escola de suas duas filhas do terceiro casamento. Quando veio a decisão da cidade de Berna de cortar a subvenção para a Escola Cantonal de Língua Francesa (ECLF) ele agitou a imprensa e «dizem que foi por isso que as autoridades bernesas voltaram atrás». No processo de luta pela escola Rui conheceu os representantes do parlamento da cidade, viu que tinha apoio e que «era possível o diálogo com essa gente que eu antes não queria nem ver». Por isso mesmo ele não cansa de repetir que «a experiência de dirigir uma comissão de pais, lutar para serem ouvidos e o atual projeto de classes colegiais bilíngües com a criação do grupo Francophones de Berne foi a minha integração». «Passei tanto tempo não querendo me integrar que quero salvar os outros disso, no caso os filhos de imigrantes como eu. Precisamos fazer a nossa parte, esperamos que as autoridades correspondam ao nosso desejo de integração», afirma o jornalista. Infelizmente o momento atual não parece muito promissor: «agora vejo que a situação se degringola e o país adota leis racistas contra os estrangeiros». Essa decepção acaba transparecendo no livro sobre Maluf. «Fui duro nos ataques a essa Suíça. Estou desenterrando de uma outra forma a revolta antiga», conclui. Mesmo assim, continua ativo na defesa da bandeira das classes bilíngües em Berna e algumas vitórias já estão a caminho. É quase certo que a primeira classe colegial bilingue francês-alemão comece a funcionar a partir de agosto de 2007. «É preciso sempre ousar para transformar uma idéia em realidade», festeja. Rui acredita que se a imigração nos trouxe até aqui, precisamos nos integrar, para participar mais ativamente da vida no novo país e transmitir as nossas idéias de sociedade. Mas essa integração deve ser consciente «para que a Suíça, graças aos estrangeiros, possa descobrir o caminho da abertura ao mundo». Pensando no exemplo do futebol, Rui lembra que a grande vitória da França na Copa do Mundo foi a vitória do antiracismo. Para o jornalista, «a Suíça só poderá ter ambições nessa área quando tiver uma seleção colorida». Outra luta é para que o Brasil reconheça os filhos de pai e/ou mãe brasileiros nascidos no Exterior como brasileiros natos. Seu último artigo a respeito (ver página 16) está sendo republicado nos EUA e foi lembrado nas discussões de Boston sobre imigração brasileira. Seu objetivo é criar um ponto central, um site, que reúna imigrantes brasileiros da Europa, Ásia e EUA para forçar o Brasil a rever sua política com relação à diáspora basileira. (I.Z.) CIGA-Brasil - Centro de Integração e Apoio ANO 7 - NÚMERO 37 - OUTUBRO 2005 - TIRAGEM: 1500 EXEMPLARES This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it. www.cigabrasil.ch |