Pranto para o Manduka
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Pranto para o Manduka
(Carlos Heitor Cony)
16 out. / 2004 - Rio de Janeiro - Estava fora do Rio quando soube da morte de Manduka, um dos artistas mais pertubadores de sua geração. Filho de Thiago de Mello e da jornalista Pomona Politis, afilhado do poeta Manuel Bandeira, Manduka trilhou um caminho próprio em seu tempo, morando em diversos países - Chile, Venezuela, Alemanha, França, México, Espanha -, sempre compondo ou vivendo algum lance importante.
Na Argentina, fez com Augusto Boal a trilha musical de "A Tempestade", uma adaptação da peça de Shakespeare. Teve diversos parceiros, inclusive Dominguinhos, com quem compôs "Quem me levará sou eu", canção que ganhou um festival da Tv Tupi, interpretada por Fagner.
Amigo e devoto de Glauber Rocha, fez a trilha sonora do documentário de Erik Rocha sobre a passagem do cineasta em Cuba. E assinou a trilha de outro documentário importante, sobre José Lins do Rego, de Vladimir Carvalho.
Ultimamente, vinha desenvolvendo estudos de fusão em desenhos de bico-de-pena com lápis de cor e pastel seco, aliados à tecnologia digital. No trivial variado de cada dia, era um grande sujeito em todos os sentidos, sabendo imitar Nelson Rodrigues, Glauber, o próprio pai, com uma perfeição que dava medo.
Certa vez, imitando Glauber em meu escritório, assustou um amigo que entrou de repente e pensou num milagre, custou a acreditar numa imitação, pensou que Manduka era realmente o Glauber redivivo.
Conheci-o criança, de castigo, na editora em que Thiago trabalhava. Manduka ficara em segunda época e o pai levava-o a todos os cantos, obrigando-o a repassar as matérias. O garoto fingia estudar, me olhava com a cara de quem estava perdendo tempo. Um tempo que agora se fechou, para o pai e para o amigo. (Folha de S. Paulo).
Manduka e Geraldo Vandré e Glauber Rocha...
Em 1972, Geraldo Vandré ganhou no Peru um festival com Pátria Amada, Idolatrada, Salve, Salve, parceria dele com Manduka.
Um dos monólogos encenados pelo saudoso Manduka, imitando a voz e os trejeitos de Glauber, repetia o bordão: — Quando for à Brasília, procure o Oliveira Bastos. — Oliveira Bastos é o poder!
"Glauber foi o visionário mais parecido a um redemoinho que já conheci. Trabalhamos, rimos e pensamos juntos por mais de dez anos. É um artefato mental extraordinário, porque quando imito sua voz e seus trejeitos assimilo profundamente seu modo de ser, que em diferentes oportunidades me deu ânimo e coragem para as minhas aventuras.
"Sua desistência, pois é assim que eu qualifico sua ausência entre os mortais, me impressionou profundamente, mais, muito mais do que a perda de seu convívio. Foi, para mim, um manifesto proveitoso, revelador, de que a intransigência, o egoísmo, a intolerância e as pequenezes em geral são responsáveis pelo atravancamento do sujeito humano. Glauber, tenho certeza, cansou-se de brigar, de alimentar a contenda idiota que nada constrói: agora é um paladino dentro da própria paz. (Manduka, Alexandre Manuel Thiago de Mello).
Brasília-Conic. Por volta de 1995, no bar Belas Artes do Ivan "Presença", era comum encontrar Manduka sentado à mesa com seus inseparáveis óculos escuros tomando uns conhaques e cigarros - seu bordão era — A solução do país passa por esta mesa. Também ali apresentou o seu show "Zum-Zum" com Renato Matos na percussão. Manduka morreu no dia 12 de outubro de 2004, ontem no Quiosque Cultural do mesmo Ivan "Presença" ouvíamos Fagner cantar Quem me levará sou eu com um nó na garganta diante da plácida letra e voz do cantor.
De repente, Ivan puxou a fotocópia da crônica do Cony do bolso e decretou, — põe lá na página Pazcheco! Ivan também possuí o show "Zum-Zum" filmado! O que chateia é sempre o rigor mortis que impregna qualquer ação pós morten.
Legendas: Leonardo Boff, Genésio Tocantins e os saudosos Wanderely Lopes e Manduka (foto: Luiz Alves).