Brothers of Brazil lançam o clipe de "Tudo Pelo Poder"
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Corrupção, nojo e rock’n’roll
Quando roqueiros como Supla precisam clamar por decência, é porque algo está fora de prumo
EUGÊNIO BUCCI
28 mai. / 2014 - "Tudo Pelo Poder” é o nome da nova canção dos irmãos Supla e João Suplicy, os Brothers of Brazil. Música de protesto é pouco para qualificar a descompostura que os dois passam nos partidos e nos políticos brasileiros. O que eles apresentam vai além. Filhos de dois ícones da corte petista (Marta Suplicy, senadora licenciada e ministra da Cultura, e Eduardo Suplicy, senador), Supla e João cantam como quem afirma que não tem nada a ver com “mensalão, mensalinho”, ou com a “propina geral”. Para eles, já deu. “Eu tô de saco cheio e você também.” Parecem furiosos. “Falta hospital, falta escola, mas não falta imposto nem máfia fiscal.” O destampatório evolui até culminar num refrão chulo, com um palavrão, digamos, bem forte, que não cairia bem transcrever nesta revista (mas soa pleno de verdade).
São tempos interessantes, estes. O rock’n’roll, quem diria, vira reserva moral da nação. Na defesa do decoro parlamentar e da ética, dá-lhe rock’n’roll. No clipe que circula na internet, há palavras de ordem que tomam toda a tela, tanto no início quanto no final da performance. Bem no comecinho, um dos dizeres cobra “decência” dos “nossos representantes”. São tempos realmente perturbadores. Se roqueiros precisam clamar por decência, algo realmente está fora de prumo.
Sim, é bem verdade que o rock sempre teve um pé no protesto e outro na defesa da solidariedade. A aversão das guitarras aos políticos mais convencionais, caretas, egoístas vem desde sempre. O próprio senador Eduardo Suplicy já ficou conhecido como um contumaz intérprete do clássico “Blowin’ In The Wind”, de Bob Dylan. Com esmero e trinados cada vez mais bem ensaiados, Suplicy descende dessa tradição, meio hippie, meio de esquerda, e fulgura hoje como estrela do socialismo pop, cujas máximas cabem todas dentro de três acordes maiores. Que Supla tenha se firmado como um astro de rara originalidade, meio punk, meio loiro, não surpreende: saiu ao pai. Faz política tocando bateria. Canta no tom do espírito de Woodstock e não deixa barato. Nada poderia ser mais fiel à respeitável tradição – isso mesmo: tradição – do rock.
O que vemos agora, porém, não é uma reedição das baladas de protesto. Os dois irmãos cantam contra uma corrupção que não é meramente um desvio moral, embora reivindiquem mais “decência” dos que exercem cargos eletivos. Eles vociferam contra um hábito que se tornou, mais que um desvio, uma espécie de regra, um método predominante dessa atividade sombria dos que conduzem as instituições públicas. Sabem muito bem que a canção “Tudo Pelo Poder” não encontrará eco na imensa maioria dos políticos profissionais, que preferem deixar o assunto de lado. Por isso mesmo, cantam com raiva. Da certeza de que cantam ao vento, talvez venha a sensação de que vivemos na era da “propina geral”.
Exagero? Nem tanto. A lógica pragmática foi longe demais. Foi longe demais o silêncio obsequioso dos militantes de boa-fé que, diante da podridão revelada, seguiram em posição de sentido, sem protestar, sem criticar publicamente a conduta dos correligionários que agiram mal, tudo isso em nome de uma sacrossanta governabilidade “de esquerda”, em nome da fantasia lúgubre de que seria melhor para os pobres deste país que o malfeito ficasse encoberto, pois a volta ao poder dos “conservadores” acarretaria “prejuízos históricos” maiores. Foi longe demais o descompromisso com a prática política pautada por valores humanitários, pelo respeito à coisa pública, uma prática que desse conta de fortalecer as instituições. Foram longe demais as alianças que transpuseram não apenas as fronteiras entre direita e esquerda, mas as fronteiras entre as boas práticas políticas (fosse qual fosse a ideologia) e as piores atrocidades da corrupção mais tresloucada. De repente, velhos corruptos se tornaram aliados “estratégicos” dos que pretendiam refundar a República em novas bases. Foi longe demais o desprezo pelos princípios – e os princípios importam não por motivos morais, apenas, eles importam mais porque fazem da política uma atividade compreensível, minimamente coerente, passível de ser avaliada pelo eleitorado. Quando a frase central do programa de um partido vale menos que a aquiescência de um magnata, os princípios escorreram para o bueiro.
Esse é o universo do “mensalão, mensalinho”. Os Brothers of Brazil dão nome a quase todos os protagonistas: “PT”, o primeiro da lista, “PSDB, PMDB, DEM, PTB, PSB, PR e sei lá mais quem”. Parecem enojados – e têm razão. Mas serão acusados de moralismo pelos que estão aí levando vantagem.