Crowdfunding para livros dos Mutantes e dos Beatles precisam de financiamento coletivo
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BBC
'Quem segura uma nota aguda?' fez brasileira cantar com os Beatles
Mais de 40 anos após gravar vocais em 'Across the Universe', Lizzie Bravo relembra sessão histórica que aconteceu em Londres 'quase por acaso'.
Fernando Duarte
Da BBC Brasil em Londres
Bravo foi para Londres sonhando conhecer John Lennon e acabou dividindo um microfone com o Beatle nas gravações (Foto: Cortesia de Lynda Neale)
11 fev. / 2015 - O ano era 1989 e, pouco depois de anunciar sua primeira ida ao Brasil, em uma entrevista coletiva para jornalistas brasileiros, Paul McCartney cumprimentou os profissionais de imprensa presentes no evento em Indianápolis, nos Estados Unidos.
Parou diante de uma fotógrafa. "Por que acho que te conheço?", perguntou. "A gente cantou junto", respondeu Lizzie Bravo.
Há exatos 47 anos, a carioca fez história de maneira quase acidental ao participar de uma gravação dos Beatles no legendário estúdio de Abbey Road, em Londres. Ela e a britânica Gayleen Pease fizeram vocais de apoio em Across The Universe, balada composta por John Lennon. Uma história devidamente registrada em seus diários de adolescente, que ela transformou no livro Do Rio a Abbey Road.
E a participação ocorreu de forma inusitada: naquele 4 de fevereiro de 1968, Bravo, então com 16 anos, cumpria rigorosamente sua rotina de tiete dos Beatles, montando guarda perto da portaria do estúdio em Abbey Road. Assim como fazia todos os dias desde que tinha chegado a Londres, em fevereiro de 1967, após convencer os pais a bancar uma viagem para Londres como presente pelo aniversário de 15 anos.
Mão levantada
"O Paul apareceu na porta do estúdio e perguntou 'Quem aí de vocês consegue segurar uma nota aguda?'. Eu levantei a mão na hora, porque tinha sido soprano no coral do colégio. Nem pensei no motivo da pergunta", diz a brasileira, em entrevista à BBC Brasil.
Bravo logo descobriria: ao entrar no estúdio 2, usado pelos Beatles desde suas primeiras gravações para a EMI, em 1963, ela e Pease encontraram os Beatles em meio a uma sessão de gravação.
"John e Paul explicaram que precisavam dos vocais de apoio, ensinaram para a gente o que queriam. Foram bem gentis comigo e a Gaylee", lembra a carioca.
"O Paul até brincou comigo, pedindo para que eu cantasse em 'brasileiro'. Naquela época, em Londres, você vir do Brasil era como ser um E.T."
Na época, os Beatles já viviam tensões internas fortes, ao ponto do baterista Ringo Starr, meses depois, abandonar as gravações do Álbum Branco após uma briga com McCartney. Mas Bravo tem recordações de uma sessão bem diferente.
"O clima no estúdio era tranquilo e os quatro estavam de bom humor, fazendo piadas e tudo. Foi tudo muito surreal e eu acabei cantando no mesmo microfone do John, que foi o Beatle de que sempre gostei mais", contra a brasileira, hoje com 63 anos.
Foram duas horas de gravação e, segundo Bravo, "várias" tomadas foram feitas, o que obrigou as meninas a repetir à exaustão a frase "Nothing is gonna change my world" (nada vai mudar o meu mundo, em inglês), cantada de forma bem aguda. No final, Bravo e Pease simplesmente deixaram o estúdio. E voltaram para seus "postos" na porta.
"A gente não tinha a menor noção do que acabara de acontecer. Éramos duas meninas, duas fãs. Não ficamos amigas dos Beatles. Costumo brincar que nenhum amigo me deixaria esperando por eles na neve. E, no dia da gravação, ficamos na porta do estúdio até duas da manhã", diz Bravo.
Sideral
A brasileira morou em Londres até outubro de 1969, religiosamente montando guarda todos os dias em Abbey Road.
"Trabalhava como babá e empregada, com pouca grana. Fiquei com saudades de casa", lembra Bravo.
"Os Beatles estavam para se separar, já nem vinham todos os dias para o estúdio. E nem vinham juntos. Estava um pouco cansada daquela vida".
"Across The Universe" foi lançada em quatro versões diferentes, em apenas uma há o vocal de Bravo e Pease. Mas foi esta versão que acabou sendo escolhida pela NASA em fevereiro de 2008 para a transmissão de uma mensagem enviada na direção da estrela Polaris, localizada a 431 anos-luz da Terra, para tentar contato com extra-terrestres.
"Foi algo extremamente especial para mim que justamente a versão de que participei tenha sido escolhida. Até porque pouquíssimas pessoas tiveram a chance de sequer estar com os Beatles na mesma sala, o que dirá cantar com eles pelo espaço", brinca.
Embora não seja desconhecida, a história da fã brasileira recrutada pelos Beatles ainda causa surpresa. Com o livro, Bravo espera não apenas contar suas memórias de Londres, mas lançar um pouco mais de luz sobre o que ela chama de "humanidade" do quarteto.
"Os Beatles ganharam status de deuses ao longo dos anos, mas é importante que as pessoas saibam que eles eram gente como a gente. Também é importante mostrar para as gerações mais novas que essas estrelas nem sempre viviam no alto de um pedestal, algo impensável nos dias de hoje. Era um mundo mais ingênuo, sem essa coisa de seguranças e guarda-costas", conta a carioca.
Cachê 'sumido'
Do Rio a Abbey Road é um projeto independente que Bravo vai publicar usando o financiamento coletivo pela internet (crowdfunding). Bravo também escreveu uma versão inglês. Nas duas versões, o prefácio é do jornalista e escritor britânico Mark Lewinsohn, um dos mais respeitados estudiosos da vida e obra dos Beatles.
Depois de sua temporada em Londres, Bravo foi vocalista e trabalhou com uma constelação de grandes nomes da música brasileira, como Roberto Carlos, Milton Nascimento e Caetano Veloso. Ela foi casada com o músico Zé Rodrix e é citada de maneira cifrada em um de seus principais hits, "Casa no Campo".
"No verso 'Eu quero a esperança de óculos', ele está falando de mim".
Atualmente, Bravo participa de palestras em eventos de fãs dos Beatles e já foi contactada para participar da Internacional Beatleweek, uma espécie de "peregrinação" anual dos fãs do grupo a Liverpool, a cidade natal dos quatro músicos.
A última vez em que ela viu pessoalmente um dos Beatles foi justamente no rápido encontro com McCartney em Indianápolis. Também naquela ocasião, nada foi falado sobre o cachê que ela e Pease deveriam ter recebido pela participação em "Across The Universe".
"Em 1968, o Paul mencionou que a gente ganharia alguma coisa. Mas nunca quis cobrar, né?", argumenta a brasileira.
A ligação com os Beatles segue na vida da cantora: sua filha, Marya, faz parte do elenco de Beatles num Céu de Diamantes, musical inspirado na obras dos Beatles visto por mais de 350 mil pessoas no Brasil.
Livro com fotos da banda Os Mutantes precisa de financiamento coletivo
A fotógrafa Leila Lisboa Sznelwar reuniu 150 imagens do período de 1969 a 1974
Rita Lee em ensaio na Serra da Cantareira (SP)
Fotos: Leila Lisboa/Reprodução
postado em 02/02/2015 09:19 / atualizado em 02/02/2015 14:19
por Vanessa Aquino - Correio Braziliense - DF
Eram tempos de paz, amor e psicodelia. Tempos de explosão criativa dos Mutantes, Rita Lee, Arnaldo Batista, Sérgio Dias, Dinho e Liminha, que foram registrados pela fotógrafa Leila Lisboa Sznelwar, em imagens que ainda permanecem inéditas. Mas um livro pode tornar públicos os bastidores do dia a dia do grupo, que ainda hoje é cultuado dentro e fora do Brasil. Sem editora, Leila busca recursos em financiamento coletivo para publicar A hora e a vez, que contém 150 imagens do período de 1969 a 1974.
Leila era namorada do baixista Liminha e acompanhava a banda em shows e nos ensaios na Serra da Cantareira. A estudante e assistente de fotografia acabava se divertindo ao fazer imagens de momentos íntimos, de descontração. “As fotos eram feitas de maneira bem casual. Para mim, estava apenas fotografando meus amigos e meu namorado em seus shows. Claro que eles já eram famosos, mas jamais havia imaginado que hoje Os Mutantes seriam objeto de culto aqui e fora do Brasil”, disse ao Correio.
Como era a sua relação com os membros da banda?
Muito boa. Nunca tive problema com nenhum deles, muito pelo contrário, todos sempre foram queridos comigo.
Como os conheceu e como descreveria cada um deles?
Conheci em um show que fui com a Lucinha Turnbull e comecei a namorar o Liminha, baixista deles... Moramos juntos por alguns anos e assim se deu minha convivência com todos. Tínhamos 18, quase 19, os dois. Eu trabalhava como assistente de fotógrafa e estudava na USP. A Rita era muito engraçada. O Serginho todo paz, amor e guitarra, o Arnaldo a 300 por hora com tudo, o Dinho e o Liminha eram mais inocentes. Naquele momento — veja bem, essa é a minha visão da paisagem —, eu era uma menina deslumbrada pela magia da época. Porém uma pessoa quase normal, que trabalhava e se divertia sempre com muitas lantejoulas bordadas.
Queria que falasse um pouco dos bastidores. Tem alguma história que te marcou na convivência com eles?
São várias histórias hilárias, mas uma que me marcou foi uma viagem a Londres em julho de 1972 com a Rita, o Liminha e a Lucinha Turnbull. Fizemos uma viagem de van ao País de Gales. Vimos shows maravilhosos e nos divertimos bastante com cabelos vermelhos que pintamos com henna lá mesmo.
Por que resolveu fotografá-los?
Eu era assistente de fotografia em São Paulo. Era, pra mim, algo muito natural... Algumas fotos foram parar em discos como os da contracapa do disco Mutantes e seus cometas no País do Baurets, lançado em maio de 1972. Fiz também as fotos para o disco Loki, do Arnaldo, em meados de 1974.
De que maneira a psicodelia da banda te marcou e influenciou na produção das fotos?
Fui influenciada de uma maneira muito positiva porque essa época me representa, foi a época de uma mudança gigantesca de conceitos, tudo era visto com muita cor, com muita liberdade — mesmo sem alucinógenos! O conceito da delicadeza, da beleza, da paz e do amor. Tudo isso se reflete na minhas fotos e na minha vida... A impressão que eu tenho é que as mentes do bem se abriram para uma nova era. Nós temos Beatles, Rolling Stones para falar muito pouco... Uma honra estar por perto de todos eles e aqui no Brasil estar junto dos melhores.
Sobre o livro, por que só agora resolveu publicar as fotos?
Por falta de interesse geral. Não tive apoio nenhum de ninguém, de nenhum projeto cultural. As gravadoras nunca me pagaram nem me devolveram os negativos. Imagine que havia dois ou três rolos das fotos do Lóki? que estão perdidos... Até hoje tento recuperar, agora via Universal. Tenho uma carreira em outro setor, porque ganhar dinheiro com fotos não foi possível.
Chegou a procurar editoras?
Procurei várias editoras, mas elas nem olhavam minhas fotos ou queriam todos os direitos. Eu posso ser boa, mas não sou boba.
Como surgiu a ideia do crowdfunding?
A ideia do crowdfunding surgiu justamente por falta de viabilidade ou patrocínio. É minha última ação para lançar esse livro - um acervo espetacular de uma época em que ficava só no palco fotografando. Ninguém tem fotos de vários eventos que eu participei. Porém, infelizmente, a resposta não é a que esperávamos porque todo mundo quer o livro, mas, na hora de doar para juntarmos forças, a cois amuda... Talvez o Brasil ainda não entenda bem como funciona um financiamento coletivo. Nos Estados Unidos, as empresas de crowdfunding arrecadam milhões de dólares principalmente para cultura e causas humanitárias. Os cineastas independnetes não precisam mais ficar, como eu fiquei, implorando por patrocínios. Somos constantemente criticados por estarmos "mendigando"... É o que tenho que passar depois de tanta luta.
Por que acha que isso acontece?
Pura falta de costume e de informação. Para mim, o principal, e que ficará comigo para sempre com livro ou sem livro, são as pessoas que surgiram e me ajudam de coração aberto, como a Simoni Bampi, inigualável e incansável, que se dispôs a ser minha pessoa de marketing, montou a fanpage e trabalha dia e noite para que esse livro saia. O Dado Nunes que conhece de Mutantes mais do qualquer pessoa no mundo. Ele está n aparte de produção, de organização das fotos, datas, locais e informações técnicas dos instrumentos em cada foto. Eles já me valem todo o trabalho
O que Rita, Sérgio e Arnaldo acharam da ideia? Colaboraram de alguma maneira?
Todos eles apoiam a ideia e inclusive divulgam a campanha nas redes sociais. Tudo de bom. Essa é uma colaboração essencial.