Tropical ismos: enrustidos & deglutidos
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Tropical ismos: enrustidos & deglutidos (Mário Pacheco)
No início havia muito impulso, muito sonho, muita volúpia, muito ego concentrado na auto-referência, muito tudo e pouco nada, se quisermos. Gilberto Gil sobre o início da carreira, na fase pré-Tropicalismo
"Cago para a sociedade e limpo a bunda com a opinião pública" - Ditado ditador.
Em entrevista ao "International Magazine" Jorge Mautner cita seu amigo Arthur de Mello Guimarães, dono da casa em Londres onde foi filmado O Demiurgo e que segundo Glauber Rocha é o melhor filme "do" e "sobre" o exílio. Participam deste filme Sérgio Dias, Gilberto Gil, Caetano Veloso, José Roberto Aguilar, Péricles Cavalcanti, Leilah Assunção, entre outros.
Comecei este texto há muitos anos quando Arthur Guimarães ainda era vivo e Kleber Lima, o editor da "Víbora" ao ler a mesma entrevista, me contatou via telefone para que eu emprestasse relevância e vitalidade à história do Tropicalismo, a partir de nomes no ostracismo.
Demiurgo
"Nos encontramos na casa de Gil. Eram muitas as gargalhadas, um desejo louco de voltar para o Brasil", conta Mautner, que rodou por lá, com os amigos, o filme "O Demiurgo". "Algumas cenas de Gil, em que ele estava totalmente nu, não entraram no filme, por causa da preocupação com a Censura", conta.
"Cortaram o pau do Gil (risos). Mas agora a Flora disse que se pode usar", brinca Caetano. "Quando O Demiurgo passou no Museu de Arte Moderna, esperavam um filme de orgias, de transgressões. E era o filme mais casto!", lembra Jorge Mautner.
Verdade tropical: Túlio do Túlio Trio era um músico excepcional... Dicinho (Adilson Carvalho), Edinízio Ribeiro, que morreu afogado misteriosamente; grandes artistas que compunham o exército inicial da Tropicália estão ai, completamente no ostracismo.
No mais (in)sensato e antropofágico ato, um dos encarcerados pelo Big Brother Brasil, queria regurgitar em cima do Caetano: "O tropicalismo não se faria sem São Paulo, sem a colaboração dos artistas daqui e sobretudo sem o público daqui. Com o público e os músicos do Rio teria sido impossível - muito reacionários. O Rio era o filtro de tudo como deveria ser o Brasil, tinha aquele jeitinho, tudo de muito bom gosto. O público também era meio sabido".
O Tropicalismo é um jorro de cores e liberação do inconsciente coletivo o entroncamento das condições de país agrário a uma era industrial, seu marco inicial; uma passeata contra a guitarra. Os mestres dos tropicalistas, Donga e Pixinguinha, Luiz Gonzaga e João Gilberto, o Clube da Esquina e até mesmo o tango. À sombra das guitarras dos Ventures dos Shadows, das harmonias vocais dos Beach Boys, Mama's e Papa's, Jefferson Airplane e acentuada influência do Sgt. Pepper's. Deixara de ser cafona gostar de Vicente Celestino, de Ângela Maria.
"Todo mundo deve alguma coisa ao Tropicalismo, e mais ainda à Bossa Nova. Todo mundo deve alguma coisa ao Clube da Esquina e todos nós devemos tudo a Donga e a Pixinguinha". (Caetano Veloso).
Tropicalismo, começo da discussão do processo irreversível do consumo da superprodução americana em troca de elevados royalties. Crescente abandono dos criadores, "já não precisamos mais de vocês, agora já podemos caminhar sozinhos".
Existe uma frase que sempre atribui a C. V. (não confundir com Comando Vermelho) e outro dia descobri que é uma fala do Bandido da Luz Vermelha; "Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha... e se esculhamba!".
INRIO
Em 1963, colunista do jornal "Última Hora", Ricardo Amaral se desentendeu com o então governador de São Paulo, Adhemar de Barros, e foi aconselhado a deixar a cidade. No Rio de Janeiro, se aventurou na noite - A aventura que marcou época tinha um nome: a boate Sucata, a casa noturna, na Lagoa.
"Enquanto isso as confusões continuam: é um inferno viver aqui, estou cheio! Agora, enquanto escrevo esta carta, estamos no dia 17 out. / 1968: explodiu novo escândalo: resolveram interditar o show que Caetano, Gil e os Mutantes (geniais) estavam fazendo na Sucata, por causa daquela minha bandeira 'Seja marginal, seja herói' que o David Zingg resolveu colocar no cenário perto da bateria no show: um imbecil do DOPS interditou e Caetano, no meio do show, ao cantar É proibido proibir interrompeu para relatar o fato, no que foi aplaudido pelas pessoas que lotavam a boate". (Hélio Oiticica).
Fuga dos volks vascaínos pela porta dos fundos... Fernando Faro e António Abujamra que dirigiam o programa "Domingo Maravilhoso" contratam Caetano Veloso pela TV Tupi.
Depois do Natal de 68, numa cela do quartel da Polícia do Exército, na Tijuca; Caetano Veloso e Perfeito Fortuna rezavam a Salve-Rainha: Salve Rainha, mãe de misericórdia, vida, doçura, esperança nossa. Salve, a vós bradamos, gemendo e chorando...
A imagem de Caetano Veloso é o principal alvo dos censores, cujas fotos são riscadas e censuradas. Em junho de 1970, no jornal "Última Hora" na coluna Escracho, assinada por Carlos Alberto Gouvêa, (futuro colaborador da revista "Rock, a história e a glória"), Chico Buarque supostamente teria acusado os tropicalistas de usar o marketing do exílio para fazer shows na Europa. 34 anos depois, um irritado Chico Buarque negaria a declaração e consideraria a matéria como "fictícia" e o texto "um absurdo".
Ainda neste ano no Rio Rogério Duarte andava com um crucifixo com as mãos cortadas, Rogério Caos em lugar de Cristo e em lugar da inscrição INRI, ele escrevera INRIO. Assim começou EVANG'HÉLIO, o esquizo-filme que filmava Hélio Oiticica com aquele cabelão construindo a sua própria cruz com materiais triviais concretos de qualquer marcenaria ou canteiro de obras: O sacralizador presente na escolha temática e na projeção crística sobre o "herege", diria Wally Salomão que guiava a câmera.
"Tomai o meu pão e comei, é o meu corpo; tomai o meu vinho e bebei, é o meu sangue. É uma loucura: nada mais lisérgico do que estas imagens! Quem tomou ácido sabe do que estou falando!". (Hélio Oiticica).
Flor do mal, Geléia Geral, a coluna do Torquato Neto no jornal "Última Hora" encerraram o tropicalismo que dias antes do fim, alguns artistas fora do ostracismo foram reunidos para sobrevida no verso nunca fui tropicalista!
- Todo dia é dia D?
Para conhecer... o radialista Randal Juliano
O Estado de S. Paulo - 10 jul. / 2006. Segunda-feira, o jornalista de longa trajetória pelo rádio e pela televisão paulista, Randal Juliano foi enterrado em São Paulo.
Morreu aos 81 anos, o jornalista e radialista Randal Juliano, por causas não esclarecidas. Ele foi enterrado na mesma segunda , no Cemitério São Paulo, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo.
Randal apresentou os programas Show da Manhã e São Paulo Agora, da Rádio Jovem Pan. Na década de 1990, apresentou os jornais da Rádio USP e foi professor de comunicação das Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAM) e da Universidade São Judas Tadeu.
A relação de Randal com o rádio começou em 1944, na Rádio Panamericana de São Paulo, e terminou em 1995, na Rádio USP.
Dividido entre a apresentação dos musicais e a locução de esportivos, Randal permaneceu no cast da Jovem Pan até 1986, quando resolveu se dedicar apenas às gravações da TV Cultura, onde começou a trabalhar em 1982, como animador do ‘Vestibular da Canção’, uma competição musical disputada por colégios da Capital.
Em 1990 Randal foi para a Gazeta, primeiro como âncora do ‘Jornal da Gazeta’, depois como diretor de jornalismo. “Assisti à maior demissão em cadeia da televisão brasileira”, recorda.
Randal só deixou a telinha para freqüentar a Faculdade de Filosofia da USP, que concluiu em 1995. “Percebi que estava ultrapassado, então resolvi enfrentar as apostilas de cursinho”, conta.
O veterano homem de rádio e TV deixou a profissão em 1991, sentindo-se ultrapassado. Foi para a faculdade, formou-se em Filosofia.
Passagem polêmica
No final da década de 1960, Randal Juliano comandava um quadro do programa Guerra é Guerra, da TV Record, e apresentava Astros do Disco, que contava com a participação de cantores da Jovem Guarda e do Tropicalismo.
Na ocasião, em 1968, logo após a edição do AI-5, Randal leu e comentou uma nota de jornal que noticiava que Caetano e Gil haviam provocado baderna na casa noturna Sucata, do Rio, e cantado o Hino Nacional com uma letra obscena.
Em 1992, Caetano Veloso declarou em entrevista ao Caderno 2 do Estado de S. Paulo que o comentário de Randal havia precipitado sua prisão e a de Gilberto Gil - e o posterior exílio de ambos em Londres. "Minha intenção foi esculhambar um cara que desrespeitou o Hino, coisa que repetiria hoje", disse Randal ao Estadão no mesmo ano.
Dias depois, ele foi entrevistado por Jô Soares no programa Jô Soares Onze e Meia, do SBT. "Se eu adivinhasse, se eu intuísse, seu eu percebesse, se eu tivesse uma premonição qualquer, ou um aviso vindo de qualquer lugar desse mundo, de outro mundo, que os fatos aconteceriam da maneira como aconteceram, eu não teria feito aquele comentário", disse Randal. “Depois, descobri que aquilo havia sido plantado”, comentou.
Para ler: Chico questiona livro sobre tema
(Jotabê Medeiros*)
Cantor alega que jamais deu declaração sobre tropicalistas reproduzida na obra
Chico Buarque não é de falar muito. Muito menos de atacar quem quer que seja. Mas o livro "Eu não Sou Cachorro não", reproduz o que supôs ser um momento falastrão do cantor, no qual ele ataca com violência os tropicalistas (Caetano e Gil) e os acusa de usar o marketing do exílio para fazer shows na Europa.
As declarações de Chico Buarque teriam sido dadas a uma coluna chamada Escracho, assinada por Carlos Alberto Gouvêa, no jornal Última Hora de São Paulo, em junho de 1970. Chico nega que as tenha dado e ficou irritado com matéria que ele considera "fictícia" e um texto "absurdo".
"Mas ele não negou na época. Veio negar 30 anos depois", rebate o autor, Paulo César Araújo. Entre as inverdades que Chico Buarque enumera em sua suposta entrevista, está a de que - naquela época - sua mulher estaria esperando um filho a quem ele chamaria Joãozinho. Chico só tem filhas mulheres.
O Estado entrou em contato com a assessoria de Chico Buarque e foi informado que, além do desmentido público, ele não tem intenção de processar o autor.
O livro Eu não Sou Cachorro não é que originou o CD homônimo, lançado pela Universal Music no dia 30 de maio.
O repertório, além da faixa inédita, Em qualquer lugar de Odair José, traz outras 13 canções. Alguma delas: Tortura de amor, (Waldik Soriano), Não creio em nada (Paulo Sérgio), Retalhos de cetim (Benito di Paula) e Você também é responsável (Dom & Ravel).
*Texto originalmente publicado no O Estado de S. Paulo, 20 mai. / 2004.
Tropicália unissex (Zé Brasil)
Na época da Tropicália o comportamento sexual e afetivo dos baianos, a atitude deles, era bem diferente dos jovens paulistas. Estou falando de 1968 e início de 1969 antes do exílio Londrino. Eu era amigo do Gil e do Caetano mas tinha um cara chamado Waly Salomão, depois “Sailor Moon”, que era um dos cabeças da turma, um poeta sensacional que conseguia sintetizar e tentava explicar para todos os paulistas que tiveram a oportunidade de conviver com eles, esse comportamento que caracterizava bem o espírito libertário e eclético do Tropicalismo. Posteriormente Waly e Jards Macalé compuseram Vapor Barato, cantada por Gal, e que se tornou o lindo Hino Psicodélico da nossa geração: “Minha honey baby, baby, honey baby”. No apartamento de Bocha (pronuncia-se Bôtcha), no bairro de Higienópolis, aconteciam reuniões-festas praticamente todas as noites. Ela era uma aristocrata uruguaia que recebia todos nós de uma forma totalmente inusitada. Vou tentar elencar, além do Gil e Caetano, as pessoas que compartilhavam essas reuniões: todos os baianos que conviviam ou viviam com eles (Gal Costa cujo apartamento era no mesmo prédio que o do Caetano, Guilherme Araújo, Waly, Torquato Neto, Tom Zé, Jorge Salomão, teatrólogo baiano irmão do Waly, etc), Muriel (filha de Bocha), Erica (minha namorada), José Simão (hoje Macaco Simão), Toninho Peticov, Lanny Gordin e, acho que eventualmente, Os Mutantes.
Faixas de Festival eram pintadas na minha casa pelo Peticov e aprovadas pelos artistas principalmente Gal, Gil e Caetano. Uma delas dizia: "Abaixo o Poder Velho, Viva o Poder Jovem" ou vice-versa. Eram para o festival do Teatro Paramount vencido por Tom Zé com “São Paulo meu Amor” e que também tinha faixa. Estou puxando pela memória coisas que aconteceram há quase 40 anos atrás e que está despertando de um sono muito profundo.
Fatos que mais me marcaram nessa fase louca da Tropicália: participei da fila do gargarejo, dos ensaios e dos camarins (consolando a Rita Lee chorando com seu famoso vestido de noiva) dos programas "Divino, Maravilhoso" na TV Tupi, no Sumaré perto de onde moro hoje; a noite da prisão do Caetano quando cheguei meia hora depois no apartamento dele, na Avenida São Luiz e o show de despedida, já em 1969, no Teatro Castro Alves, em Salvador, quando ajudei a consolar (olha eu de novo), junto com outros amigos, as irmãs Dedé (mulher de Caetano) e Sandra (mulher de Gil): os dois e os músicos, enquanto o elevador do palco do teatro descia, acenavam para todo mundo até desaparecerem no chão. Foi uma choradeira geral e uma cena inesquecível inesquecível. Está bom por hoje? Zé Brasil, São Paulo 5 jul. / 2005.
Hélio Oiticica sobre Haroldo de Campos*
(*depoimento a Heloísa Buarque de Hollanda)
Trecho
"Cada vez que eu encontro com o Haroldo, ele revela coisas sobre coisas minhas que para mim funcionam muito. Hoje, é melhor ainda. Em Nova York eu andava com o Haroldo e tudo era o maior barato. Ele descobre e decodifica a cidade muito bem. Essa maneira de decodificar as coisas, os acontecimentos, eu gosto muito porque é um processo inverso mas ao mesmo tempo muito semelhante ao meu".
*Originalmente publicado em 'Impressões de viagem CPC, vanguarda e desbunde: 1960/70' de Heloísa Buarque de Hollanda. Editora Rocco, 1992.
Nota: No CD-Rom "Hélio Oiticica suprasensorial", dirigido por Kátia Maciel e lançado em mar. / 1999. Há, material sonoro inédito como duas entrevistas de Hélio Oiticica para Haroldo de Campos gravada em Nova York nos dias 27/28-mai. / 1971 que nenhum editor no Brasil na época demonstrou interesse em publicar...
"Héliotapes 1 e 2" com o nome dado por Haroldo de Campos, são entrevistas extensas que registram local, data e hora tanto no começo como no final. Haroldo de Campos é indagado por Hélio Oiticica para falar a respeito de alguns temas: 1) a diferença entre Tropicália e Tropicalismo; 2) a importância de Souzândrade; 3) o programa de televisão do Chacrinha; 4) a experiência de Haroldo como professor-visitante na Universidade de Texas; 5) a situação da literatura de língua espanhola e portuguesa e os problemas de tradução para o inglês; 6) a prosa modernista brasileira; 7) o cinema de autor de Júlio Bressane (comparações com Godard).