FILMAGEM DO ROCK BRASÍLIA 'ATRAVESSOU' (1988)
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1988, abril
FILMAGEM DO ROCK ‘ATRAVESSOU’
Havia pouca gente para ver os shows e participar das filmagens. Desconfio que, por isso, nem todo mundo se apresentou no set de filmagens. Para filmar Brasília, Capital dos Brasis, Geraldo trouxe Renato Russo para gravar depoimentos, o que acabou provocando protesto de músicos locais.
Quem esteve no Teatro de Arena da UnB na noite da última sexta-feira, 29, para assistir às gravações do filme Brasília, Capital dos Brasis, que faz parte do longa-metragem Brasília no Cinema, patrocinado pelo GDF, pode assistir a dois shows: um deles de rock – com as bandas Pânico, Peter Perfeito, Nexo e 5 Generais, supostamente chamadas para uma apresentação que integraria o documentário –, o outro show (mais performático) foi do diretor do filme, Geraldo Moraes, quando subitamente retira duas músicas do Pânico, desliga o equipamento, recolhe as câmeras e apaga os spots de luz, deixando o Peter Perfeito tocando no escuro.
Renato chegou um pouco antes do início dos trabalhos. Como a equipe de Geraldo Moraes ainda estava montando os equipamentos, ele atendeu a um convite para gravar um depoimento a outro cineasta, Vladimir Carvalho, que está fazendo um vídeo sobre o Rock Brasília. Daí então prontificou-se a atender fãs que dele se acercaram, pedindo autógrafos ou, simplesmente, querendo conversar, fazer perguntas. A curiosidade maior era em torno da apresentação da Legião em Brasília. E todos ficaram sabendo que o grupo vai fazer show aqui no dia 18 de junho, possivelmente no estádio Mané Garrincha. Um jovem, que até então só ouvia o que era dito por Renato, se manifestou: “Pô, tomara que seja no Mané Garrincha mesmo. Na Villa-Lobos o ingresso é muito caro!”.
Em seguida, foi convocado para as filmagens, que imediatamente tiveram início.
Renato fala de sua experiência como jovem, como adolescente, morando em Brasília a partir dos 12 anos de idade e da sua relação com a cidade. De como Brasília influiu para que ele e seus amigos chegassem à música, ao rock. Fez referência ao Tellah, considerado o primeiro grupo de rock da cidade. Por fim, ele tece comentários sobre a Legião Urbana, fama, sucesso etc.
Um pouco antes da fala de Renato, as filmagens se concentraram sobre a banda Pânico, sorteada entre as quatro convidadas para ser focalizada no filme. Tocou três músicas do seu repertório. Entre o Pânico e o Peter, subiram ao palco um grupo anunciado como “roqueiros do futuro” quatro garotos; João Marcelo, bateria, 14 anos; André Ricardo, baixo, 14 anos; Bruno Corrêa, teclados, 12 anos e André Torres, guitarra, 11 anos (filho de Geraldo Moraes) para executar “Que País É Este”, música composta em 1978, por Renato Russo e que dá título ao terceiro LP da Legião.
O vocalista da Legião delirou com a primeira execução de seu mais recente sucesso, muito bem desempenhada pela garotada. Realmente os garotos abafaram, dando uma lição de rock’n’roll. Russo observou que o vocalista, André tentava imitar sua voz.
Com as filmagens do Brasília, Capital dos Brasis encerrada, Renato voltou a atender Vladimir Carvalho, que deu continuidade à entrevista, já concedida em parte para seu vídeo. O roqueiro enfatizou, veementemente, que a Legião sempre se posicionou como uma banda de Brasília. E que isso nem precisava ser falado, pois está dito nas letras das músicas. Não quis opinar sobre as novas bandas, afirmando que, por último, tem “ouvido apenas o Arte no Escuro”.
Sua participação nas gravações já havia terminado, mas Renato permaneceu no Teatro de Arena, atrás do palco, conversando com o pessoal do 5 Generais e assistindo à rápida apresentação do Peter Perfeito, a quem aplaudiu ao final.
Um pouco antes de se retirar, Renato Russo confessou que está encontrando dificuldades para fazer o próximo disco da Legião Urbana. Explicou que já tem muitas músicas prontas, mas nenhuma letra. “Não estou a fim de ficar repetindo o que já foi dito”.
Logo após a saída de Renato, começou a confusão gerada pela retirada da iluminação e que culminou com a não realização dos shows previstos.
Terminada a apresentação do Peter Perfeito – que mesmo no escuro, a partir da segunda música, continuou tocando –, instalou-se um clima de revolta que envolveu todos os músicos presentes, inclusive os do Pânico, todos se sentiram desrespeitadas pela produção do filme. Por que, ao término das gravações, foi retirada a iluminação que, até então, permitia a realização dos shows sob o foco de poderosos refletores?
Rock’n’roll é isso. Tocar no escuro faz parte, se for preciso. Mas apagar a luz no meio do show, não! Só como registro vale lembrar que o Nexo foi considerado por dois anos consecutivos a melhor banda da cidade, e que o 5 Generais é integrado por músicos que militam no Rock Brasília desde a época em que Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude, “assaltavam” as entrequadras para fazer um som. Nenhum dos dois tocou.
A falta de público para o show que dava o clima de rock nas gravações, consequência da fraca divulgação do evento, foi apontada pelos músicos como uma das principais causas para a não realização dos dois últimos shows. Nexo e 5 Generais – impossibilitado de tocar pela falta de bateria. Os poucos que se dispuseram a assistir aos shows foram embora quando os holofotes se apagaram, sem querer saber se havia mais alguém para se apresentar.
Quem diz o que deve ser feito no filme é o diretor. Mas é no mínimo falta de respeito fazer três takes com os meninos, sem que a apresentação deles necessitasse de repetição, esquecendo-se de que, além do trabalho sem cachê, as bandas estavam contribuindo com metade do equipamento de palco (a bateria pertencia ao Nexo). Até porque Renato Russo estava ali fazendo comentários que seriam inseridos no filme acerca do rock de Brasília.
Rodar um filme no Brasil é muito difícil. Em Brasília, então, nem se fala. Um cineasta não pode ficar passeando por aí registrando toda e qualquer imagem como se estivesse com uma máquina fotográfica nas mãos. É necessário um roteiro e toda uma estrutura de produção. Mas o que está em questão não são as dificuldades dos cineastas nacionais e sim o descaso com que Geraldo Moraes tratou os grupos de rock que estavam ali para colaborar com a realização do trabalho. E lógico que a participação em um filme desse porte favorece em muito a divulgação dos grupos, mas o rock de Brasília não precisa mais ir às telas para ser conhecido. Esse estilo de música feito aqui se faz notar sozinho, quando é bom. Renato Russo é o maior exemplo.
O vocalista do Nexo, Márcio Faraco, o primeiro a pedir a palavra, reclamou muito do descaso do diretor, argumentando que “é preciso acabar com as produções que se assemelham a quermesses de igreja”.
Ninguém escapou à fúria dos roqueiros. Mas, o alvo da revolta de alguns integrantes dos grupos não era apenas a Idade Mídia (produtora contratada para a realização do filme). Sobraram farpas, também, para o promotor cultural Fred Brasiliense, responsável pela arregimentação dos grupos; acusado de estar conivente com a falta de consideração e a desorganização da produção, disse que, ao contatar as bandas, desconhecia os planos dos produtores quanto às gravações. Nem o astro da noite, Renato Russo, escapou das acusações.
Fernandez Rolla Pedra, que contribui com o som, informou ter cobrado apenas um terço pelo uso do equipamento. Depois, já com a aparelhagem desligada, lamentou ser lembrado para esse tipo de evento apenas quando todas as empresas de sonorização se recusam.
É compreensível um certo nível de revolta em episódios que têm seus desfechos como este. Mas os roqueiros brasilienses, que detêm as glórias momentâneas do público local, não podem se esquecer que antes deles vieram outros para abrir-lhes o caminho. Renato Russo não deve ser culpado por estar em uma posição privilegiada no cenário da atual música popular brasileira. Ao contrário, ele deve ser lembrado como um conquistador de espaços para o rock local. Foi ele, ao lado do Capital Inicial, da Plebe Rude e de outros grupos que já não existem mais, que abriu as portas das rádios e dos jornais para o rock de Brasília.