"SOLA CÉCÉ! SOLA"
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AINDA ONTEM SOBRE OS MAGRELOS
texto: Mário Pazcheco
Revisão: Roberto Gicello
Livro: Refrescando a Memória
Fantasiado de palhaço, como quem acaba de chegar de Woodstock. Virgem como o seu c***. Nenhum amigo, quer dizer: tinha o Brawler, o Eli, o Zé do Cão, o Sandro e o Mecenas. Na cabeça, um cobiçadíssimo chapéu de agricultor; na cara, uns óculos de serralheiro, tão cobiçados quanto. Me tomaram, me roubaram, me spunkaram. Passei a odiar acessórios. Pra complicar, no cós das calças eu passava um cinto com fios que descaíam até os joelhos – impossível não provocar comentários maledicentes: "Olha aquele maconheiro!" Pra completar a indumentária, um mocassinzinho, sapato de índio. Nunca tinha visto uma mulher – desgraçadamente mais no sentido bíblico do que no sentido prático. Falando em Bíblia, pra minha idade, eu já acumulava uma lista diluviana de fracassos.
O Muniz Júnior pegou a Ri no tanque e os flagrei. O aterro do vizinho era mais alto e, do muro, eu via, o Muniz em pé encaixotando a Ri. O engraçado é que a Ri, de costas para mim, não podia ver o Muniz acenando c’os braços, me mandando ir embora. Como éramos os melhores amigos, me arranquei. Nessa festa, eu conheci Érica Frampton, a garota mais linda e a minha melhor decepção. Ela me ensinou tudo. Durou quase um ano. Por ela, os caras queriam me pegar. Meu pai tinha que me levar no conjunto em que ela morava quando nos separávamos. Rob queria me matar! Seu comentário foi: "Ele tem a manha de segurar esses brotos?" Depois dessa minha primeira namorada, aprendi a combater os dragões da maldade.
Para meu espanto, Renato Russo contou nossa heustória .
Vesti um terno elétrico pela primeira vez e cortei o cabelo. Fui jurar à bandeira e tirei a carteira de trabalho. Jamais pensei em fazer Terceiro Grau. Assim eram aqueles tempos sem educação: só sexo drogas e rock'n'roll. Não se podia errar na foto, se não estava f***, não havia grana para outra chapa. Me lembro onde a foto foi tirada e o profissional arrumando-me os ombros: a carteira tinha que ter uma foto presidenciável, se não você dançava na seleção.
• “In my Chair” ganhou uma versão “Louco até os Ossos”, tocada pel’Os Magrelos, embrião do Extremo. Statusquomaníacos mesmos eram Luidi Punk, Zé Kuspi e Camufloyd.
O primeiro LP dos Status Quo que eu curti foi Blue For You. Que pertencia a Pedro Veras e era ouvido pela UVA. As primeiras tentativas de tirar canções partiam deste disco.
Ouvi falar d’Os Magrelos nos alto-falantes de um concerto da Plebe Rude em cima do caminhão, na Chaplin, na 109 Sul. Concerto esse, onde a anunciada Legião Urbana não tocou: “Corrigindo, corrigindo: Os Magrelos não são de Taguatinga e sim do Guará” foi a reverberação no alto-falante.
Os Magrelos pegaram a ressaca dos 10 anos de Woodstock. Nas suas casas, nas caixas de som, curtiam Casa das Máquinas, Made in Brazil, Patrulha do Espaço, Status Quo, Joe Perry Project, MC5, Stooges, Vibrators, Stranglers... As informações vinham da escola. Curtiam desenhar, tocar e teatro e marcavam presença nas manifestações como Concertos Cabeças e na Concha Acústica. Eles nos apresentaram a Patrulha do Espaço!
O filme Christiane F. decidiu o caminho de muitos que o assistiram. Os Magrelos não foram exceção. Anônimos, assistimos ao filme no cinema que existia na QE 7 do Guará 1.
Nas festas, a entrada deles era apocalíptica: em fila, um por um, entravam correndo com os calcanhares tocando nas pontas dos dedos das mãos voltadas para trás e formavam a roda. Seus jeans, os mais sebosos, e suas camisetas, as mais coloridas, e os maiores pelos ostentando as primeiras sagrações de suas virilidades.
Os Magrelos eram lendas em seu próprio tempo – eram os boêmios errantes, com tempo inimaginável de estrada e aventuras: eram a geração mais corajosa que eu conheci; não tinham a idade dos caras dos bailes e não voltaram desiludidos e chorosos das estradas infestadas de salteadores serpentes coloridas – eram representantes de uma geração destemida, irrequieta, fascinada por conhecer o desconhecido, por questionar seus pares – não para conferir lealdades, mas para se identificar com quem se anda. O engraçado era que seus pais compreendiam esta juveníssima ansiedade e, na silenciosa dialética dos atos sucessórios, os pais, gentil e sabiamente, faziam concessões ao irrevogável “let it be”, sabendo que o mais novo provém do mais velho. Os Magrelos moravam num arrabalde do Guará 1, na parte leste, de onde dava para ver o trem passar, seguindo para as Minas Gerais antes de chegar em São Paulo.
O rock estava f***. – era coisa de marginais, de delinquentes. Então, contra os acordes progressivos do horizonte, os punks davam início àqueles festivais do começo do fim do mundo (era a novidade). Lançavam os compactos do Lixomania, e Botas Fuzis e Capacete do Olho Seco – o negócio era mal gravado, mas era o renascimento de selos como Fermata, que ajudavam os garotos. A onda vinha de Curitiba, do Bexiga. Aqui, melodia era o canto dos pássaros (falava-se de dodecafonismo a Zappa), até que essa rapaziada jogou fora os discos de Minas, pisou nas flores do Vandré, como réquiem da ditadura, e passou a curtir umas com o sambão. Brasileiro nato nunca gostou de rock: "Toca um Pink Floyd que é mais lento". O negócio era o pandeiro e a bunda da passista. Os Magrelos já saíam de banda. Para a UVA, Raul ainda era o pregador maldito. Eu não esqueci ninguém, nem mesmo os crimes do partido. O movimento cresceu e, como em todo movimento, cortaram as línguas afiadas. Poucos podem falar das coisas que é melhor esquecer. Rock em Brasília era para os poderosos, cheios de ácidos; frequentar com ar blasé as discotecas do Venâncio 2000 e depois dar um giro no Gilbertinho. Quando eu descolava um carro e ia mostrar a cidade aos parentes, na verdade mostrava-a para mim.
Tínhamos horários diferentes e nos encontrávamos nos concertos no Cruzeiro, em Taguatinga, no Gama e, de vez em quando, nas L2s ou numa superquadra. Nesses encontros sempre tem um músico-estrela que nos conhece desde o início e faz de conta que não sabe quem nós somos.
Camufloyd estava em todas, seguido por Lincon Lacerda (Firmino, Barroso, Lárcio pintavam), era Butiquim Blues, Asa Norte, Sobradinho. Nessas conhecemos RockOver. Do Gama, a primeira banda que a gente se ligou foi a Fungos and Bacterias. Ainda no Gamão, o Extremo tocou no Chaplin Bar. Eu tinha os telefones e os pousos – as pessoas me davam casa: “Não posso ir, não tenho onde dormir”; “Dorme lá em casa!”. Então eu ia.
“ESSA FOTO D’OS MAGRELOS FOI FEITA PARA A POSTERIDADE” (RIKK LEE)
Dezembro de 1982 ou a última foto inédita d’Os Magrelos que apareceu! Queria andar na companhia de Cécé e d’Os Magrelos naquelas tardes depois das aulas em setembro, com a grama renascendo. Suas ações chegariam à posteridade – eles sabiam que seriam imortalizados. Quando viram a foto, certificaram: “Para a posteridade!” Suas frases eram cruas e impactantes. Parte da história anda por aí, é uma glória: “O tempo que ainda virá; futuro, porvir”.
Os Magrelos no Guará 1, nos tempos dos eucaliptos
Renatoicinho, Luidi, Cécé e Clevicinhado
Sobreviventes, Renato & Rikk Lee
Além de seus nomes de batismo, eles atendiam por apelidos como Cabelo, Linha, Fiapo, Osso e por aí vai. E também possuíam codinomes impublicáveis usados somente por eles em suas rodas. Naquele período de repressão era norma ter apelidos muitas vezes não curtidos pelas famílias e nem pelos delegados de polícia.
“ESPANTA JEGUE!”
O cunhado do Cécé vindo de Nova York trouxe uma filmadora que acoplava na televisão e assim foram vistos os primeiros filmes da banda (também houve o registro em Super-8 da banda em ação nas superquadras). “Uma televisão com entrada de vídeo?” Isso era coisa da Nasa. O cunhado-maestro ensinou "a baixar as cordas", as afinações que aparecem nos discos de Led Zeppelin e André Geraissati. "Cécé aprendeu rapidinho a tocar violão". Cécé também deu algumas aulas. Quando o aluno era promissor, comentava: "O ouvido dela é bom". Renato (irmão caçula deles), também outro bom músico e segurava a flauta transversal. Não me entendo porque ele não tocou no Extremo. Na frente, da casa deles, acendiam uma fogueirinha que os aquecia agachados com os braços apertando os joelhos, sempre em posição de dar o bote. Conheci o pai do Cécé dividindo a mesma posição com eles na fogueira: Seu Messias. Cuidadoso na grafia do nome de batismo: "Messias de Oliveira Júnior!" E sempre repetia: "Coloque o Júnior se não fica o nome do meu pai". Na fogueira, nos mostrou uma canção feita para o Seu Messias era "Espanta Jegue", uma moda de viola do jeito dele, bem-humorada. Marotamente, Cécé desconfiava que o velho dele encontrara uma das pontas mágicas...
O Caipira é um cara sofisticado. Ele chegou daquele jeito manso, de onça, no paletó que há anos o acompanhava. Puxou um cigarro de palha: "meu pai cocado, eu acho que ele pitou um dos nossos". "O maior gênio que já existiu é Beethoven, que morreu dizendo que nada sabia de música, que não sabia fazer contraponto, se quem mais soube falou que não sabia direito o que está fazendo, pode falar alguma coisa?". Depois de assar o frango. Descia as cordas e puxava “Espanta Jegue”!
Os pinheiros da autoestrada eram estreitos e a mata fechada. O distinto Tuca Maia contou que atravessou a pista e foi seguido por um desconhecido; Cécé era o prudente: “Vamos até ali”; Luidi Punk era corajoso “vamos lá e dar um pau nele”. Eu carregava o porrete.
Saindo do Guará na ponta oeste no pedal, dava para chegar, pelo SIA, na Torre de TV e nas Escolas da Asa Sul. Luidi Punk fazia esse percurso de bicicleta nos dias de semana, por isso ele conhecia no SIA a zona veredal, por onde atravessando as pistas dava no Parque do Guará. Quando eles se mudaram para o Guará 2 da QE 28 voltada para os trilhos da QE 40, foi uma festa só. Eles não sabiam que eu morava lá. Às vezes descíamos de bicicleta naquela mata que dá para o Carrefour. Pouco antes, no lado da pista, havia um piscinão natural que a Caesb construíra nos 70’s. Era de pedra e havia bordas onde passeávamos. Rikk Lee, o mágico da sobrevida das pilhas, tinha métodos secretos para sua longa duração, as quais eram utilizadas num toca-fitas portátil de plástico, tipo de quem ouvia futebol dependurado num galho. Geralmente, um dos alto-falantes falhava e o som saía mono... de repente, a luzinha vermelha acendia e isso significava que o som voltava ao estéreo. Eu jamais parei de falar sequer um minuto. Eles contemplavam a natureza e eu queria penetrar no verde, andar e sair lá em Brazlândia – subitamente, o Concerto for Group and Orchestra voltava para a parte pesada da guitarra e os pássaros revoavam agitadamente. Eles percebiam essas mudanças. Depois saíamos do mato, cada um mais louco do que o outro. Visualmente, minha bicicleta era a mais ultrapassada – com fome, eu falava: “... que tal uma rosca e um Baré?” Cécé gargalhava como um comediante: “O cara tá de larica!” E pedalávamos até a padaria na QE 30. Esse era o ritual quando a tarde permitia que nos reuníssemos. E eu “O que será essa larica?” Chegamos aos 20 anos e tínhamos outros rumos para caçar, outros verdes para alcançar.
O Guará Park era afastado. Começou com uma igreja isolada e, num frio do cacete, numa manhã de domingo, colocando vidro: “Quem vai morar nesse cerrado? Isso é isolado igual aqueles barracos de faroeste!”. Eu fazia trilhas pelos aterros até o Bandeirante, na esperança de encontrar revistas velhas tipo Pop e, uma vez, eu encontrei, só que tinha chovido e eu pouco salvei das páginas. Ladrões jogavam documentos das pessoas nesses aterros.
Com apetite destruí revistas e jornais, metia tesoura sem dó, mas com a morte de John Lennon comecei a guardar páginas inteiras. Depois, comecei a guardar alguns cadernos culturais, o que recolho até hoje em menor escala.
Do gueto musical de onde emergimos, os caras tinham discos de Grand Funk, Status Quo, Black Sabbath, Led Zeppelin e Yes e no máximo um Made in Brazil e outro Casa das Máquinas – o resto para eles era “merda” e atiravam isso na cara das pessoas, como um enorme ato de felicidade: “o seu som é uma merda”. Nisso, eles, Os Magrelos, eram bem Quincy Jones e isso é uma narrativa, e eu arregalava os olhos para segui-la. Quando o cara debulhava, os Magrelos falavam “maneiro, o som do cara é maneiro!”.
Cresci envelheci e estou lendo uma biografia do AC/DC: houve um coitado de um DJ que se esforçou para tocar o disco deles na América, para contratos de shows e distribuição de discos. Qual foi a paga dele? Ao encontrar os caras rapidamente, o AC/DC nem sabia quem ele era, e a gravadora, a promotora nem para sinalizar com uma placa. Odiei ídolos e backstage; não perdi meu tempo. Ídolo é o Tiãozinho do Palitinho, esse sabe tudo.
Um dos arroubos juvenis era não tirar ou permitir fotos e, passadas décadas, algumas dessas pessoas não mudaram de atitude – elas faziam tudo para boicotar as fotos. Por isso temos poucas fotos; as máquinas eram inacessíveis. “Naqueles tempos, nas várias mudanças, os albinhos de fotos se perdiam...”, é isso geralmente o que a galera responde. De vez em quando, alguém pergunta:
– Cadê você na foto?
É um comentário maldoso, ao qual respondo:
– Minha mãe não permitia andar com eles – fim de papo brutal.
Nos bares, principalmente, com os bêbados nos agarrando e dando sopapos a insistir: “Você conheceu... conheceu meu pai?”. Quando a gente dá ideia de que seu pai não dava muito papo no Conic, e cita nomes de alguns padrinhos, aí rapidinho o cara muda: “Você é historiador, conhece a história. É chato lembrar onde derramamos nossas pontas, tipo cinzeiro da heustória...”.
Apesar de muitos personagens desta heustória cultural terem sucumbido ao longo dos anos, sou um Boca do Inferno.
No processo histórico sou confrontado. Me apresentavam e perguntavam se lembra dele? O cara se lembrou de você! “Que bom!” Eu mantinha alguns ases na manga e a informação:
– Se lembra do fulano?
– Aquela vez? Era eu! Tá ligado? Valeu!
Nessa competição de ego, às vezes eu lembrava fatos dolorosos e ouvia: "Fala quem é você?".
Eu (eu?) e Jota Errê levamos à frente o processo das Festas da UVA. Sempre tínhamos que arrumar uma residência que nos acolhesse. No barraco de fundos da casa dele, aconteceram muitas festas; depois fomos para as casas do Edvar e da Jihan (misturávamos hippies pós-Woodstock com metalbangers e góticos).
As biografias não-autorizadas registram que eu conheci a turma louca dos Skrotinhos numa festa na casa do Tom Zen, no último conjunto da QE 34 à direita, quando a vista dava para o infinito. Eu retorcia os quadris freneticamente ao som de Joe Perry Project, como copulasse.
É muita, mas muita heustória envolvida. Essa é do tempo da outra Turma do Guará 1, quando eu e a Lucy descíamos de ônibus para a 109 Sul ou o Botequim Blues em Taguatinga. Depois a festa continuou no Mutante Bar – o trio Jihan Arar, o Léo e o Edvar nos acompanha – nesse dia rolou a exposição do Fernando Carpaneda. Quem tiver as articulações que marque as pessoas.
Me acabei em álcool e tabaco. Nada mudou; nem o som. Joe Perry Project continua rolando, descarregando seus sons nas águas do Vicente Pires... Skrotinhos, eles nos acompanham até hoje; dentre os quais, os ilustres (porém famosos) Léo Saraiva, Marlon Dourado, Manuela, Lucy, saudoso Bêbado Gerald (fazíamos o curso de História), Zedson, Macaé, Magda Miranda, Andrea Brito, Isabela, Jihan Arar, Marcelo Vasques, Marcelo Vítor e Aderbal. Estes amigos queridos tomavam suas cervejas no Bar Pontekin do Lincon, na QE 24.
CARONA PERIGOSA
O guitarrista passou na Vidraçaria. A propósito, a sua irmã morava na QE 32.
– Pô! Acabei de ver o clipe de "A Última Floresta", com vocês na TV Globo. E aquela sincronia de imagem e som, onde foi gravada?
Cécé responde com calma escrachada, acompanhada por um longo sorriso:
– Foi gravado na Água Mineral. O cara queria nos colocar atrás das grades, numa cadeia... Levamos um pequeno gravador e fizemos a dublagem.
Jamais voltaríamos a ver essas imagens...
Num gesto de extrema gentileza, Cécé me carregava pelas Asas para assistir a seus ensaios. É claro que o pessoal pequeno burguês da banda ficava de cara fechada. Como explicar que ali, naquela quadra, a loja de ensaios era alugada pelo irmão do Cécé. Eu havia testemunhado a reforma da sala e lá foi gravada a única fita de rolo do Extremo. Nestes ensaios nascia uma nova banda (que ficou na promessa): a Anjos e Arranjos!
Uma das lendas dos tempos de estudante de Cécé é que ele nunca pegara ônibus e que nunca chegara atrasado na sala de aula, pegava caronas para encurtar o caminho.
De carona e guitarra nas mãos, atravessamos velozmente o Parque da Cidade. Súbito, Cécé disse ao motorista da carona: "Dá para ir mais devagar?". Eu, que curtia o passeio e nem estava aí, fiquei pasmo: Cécé se importava com a vida.
Cécé e Vânia recém-casados me convidaram para uma carne de panela na sua casa no Guará I. A casa possuía um amplificador e uma guitarra, ele ligava e plugava e ficava tocando e às vezes dizia; "Toca aí, Mário!"
LIBERDADE CONDICIONAL / DISCO
Fugindo dos emblemas e criativo
No centro da capital, no Parque da Cidade, debaixo de uma fonte, pitando um cigarro de papel, eu e Rikk, doidões, escutávamos: “Cécé venha ao palco...”, chamavam pelo seu nome nos alto-falantes!”. Cécé correu. No palco, ele fez um solo daqueles do filme do concerto de adeus do Cream. Um solo de quatro casas coladas, apertadas pelos quatros dedos. Ele achou a última nota do braço da guitarra.
Compareci ao lançamento do LP do Liberdade Condicional – banda em que ele tocou a guitarra e Júnior Mentex, o contrabaixo – jamais era permitido chamar Júnior pelo apelido, mas ele, o Mentex, me podia sacanear e me chamar de Mário Doninha. E Cécé pedia “não sacaneem o Júnior”, ele é meu amigo”. Assim foi. Havia ocorrido uma assepsia, e fãs do Extremo não eram bem-vindos nos shows da Liberdade. Impreterivelmente antes dos shows sequestrávamos o guitarrista para uma conversa. Eu fui nesse show de bicão. Lembro-me da banda Cygnus – um progressivo forte tipo rock de arena. O Liberdade Condicional tocou e rapidamente eu tive que ir para parada. Dentro do ônibus, ainda passando pela roleta, vi, no fundo do corredor Cécé sentado com a guitarra no colo. Eu ri. O malandro não perdeu a mania de pedir ao condutor para entrar pelas portas do fundo desde os dias do colégio.
NA QE 24 DO GUARÁ, FORTUITAMENTE NO BAR PONTEKIN DO LINCON
Felippe CDC descia do coletivo e arrastava o pedestal pelo asfalto. Ali eu via a poesia daqueles fanzines frescos, feios e sujos; iam tocar no Bar do Lincon – um sábado? Ou domingo? Ou tanto faz. Cécé, que caminhava como se estivesse nas nuvens, apareceu como um personagem de Conan Doyle, fumando cachimbo e de short. Daí o apelido Canela.
Na QE 24 do Guará, fortuitamente, encontrava Cécé no Bar Pontekin do Lincon. De forma educada, Cécé perguntou ao menino: “Posso tocar um blues na guitarrinha?" A resposta foi outra interrogativa: "Tocar o quê?” Foi a senha para que um blues de tempestade de Stevie Ray Vaughan explodisse as paredes.
Depois do rápido e inesperado e mortal solo, perguntei:
– Cécé a guitarra era boa?
– Não, o amplificador!
Cécé desaparecia como personagem de Agatha Christie!
Ah, para completar a história. Nessa época apareceu um bar concorrente na área do Guará 2. Durou pouco. A fumaça que subia lá era avistada de longe.
A lauda acabou. Meus parágrafos-ladeiras bukowskianas foram engarrafados.