O BRILHO DA CÁSSIA, O FIASCO DA LEGIÃO, 1988
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O BRILHO DA CÁSSIA, O FIASCO DA LEGIÃO, 1988
texto: Mário Pazcheco
Revisão: Roberto Gicello
Livro: Refrescando a Memória
“Foi o dia do show da quebradeira, quando o segurança agrediu o fã da Legião e tacaram fogo no estádio” (JIhan Arar)
18 de junho – Poucas produções tiveram o poder de apequenar a cidade. O show da Legião Urbana no Mané Garrincha já tinha galgado seu lugar na História.
Nas quadras, nas escolas, nas academias o assunto era um só: o show. Meninos e meninas – na maioria, estudantes entre 16-18 anos – torciam para o sábado chegar logo; era a primeira vez que curtiriam o fenômeno do rock Brasília no auge. O show (que se transformaria em batalha campal) também era aguardado com ansiedade pelo cantor e poeta Renato Russo, muito provavelmente sem imaginar que a data do evento seria tomada no futuro como fatídica, como sinistra evocação à bestialidade até então escondida em algum beco inconsciente de gente de mansidão irretorquível, gente que ordinariamente vai à quitanda comprar alface pra mamãe e beija a testa do vovô antes de ir pra escola.
Os conflitos adquiriram proporções lendárias, estendendo-se até as paradas de ônibus, onde telhas de amianto foram quebradas como arsenal para o transe da juventude em fúria: “Olha o ônibus do Guará!” E enormes cacos de telha voavam contra a vidraça do coletivo.
A noite, antes de promissora expectativa, convertera-se numa longa jornada de traumas e fraturas, ocupando alas da ortopedia dos pronto-socorros. Pelo aumento do fluxo de atendimento, os atendentes registraram gente pisoteada por cavalos, gente que quebrou um braço, uma perna, uma clavícula; gente esmagada contra a tela de proteção do palco afoita por fugir da histeria coletiva, dos açoites delirantes da populaça ensandecida, como em manifestações antecedentes, marcadas pela violência das gangues das satélites e da polícia. Por milagre, nenhum cadáver foi registrado.
A banda contra 50 mil fãs – mais cavalos, cassetetes e PMs. O público provocou um badernaço de proporções homéricas no Mané Garrincha, uma pândega que marcaria a cidade e seria a última apresentação da Legião em Brasília.
As pessoas relataram que seus sapatos ficaram para trás, e que a cavalaria avançou e você tinha que ter preparo de atleta de alto rendimento para correr e rastejar para fora do cerco.
No dia seguinte, na tevê, vi imagens de um fã no palco dando uma gravata no Renato Russo, o fã estaria ligadaço – lança perfume lança loucura. Fãs (que muitas vezes têm comportamento semelhante à obstinação dos piolhos) acamparam na 303 Sul querendo falar com Renato – alguns chegaram a se esconder na garagem do bloco onde a família do cantor morava. Preocupado, o produtor Fernando Artigas recorreu a um amigo comum, Murilo Cavalcante, o Murilão (o mais forte da turma), para acompanhar Renato até o aeroporto.
CÁSSIA ELLER NO ESCURINHO DA FUNARTE
17 de setembro – Para essa apresentação, ela apoiou o repertório no compositor brasiliense Márcio Faraco, de quem cantou “Lullaby” e “Labirinto”, mais canções de João Bosco e Aldir Blanc, Arrigo Barnabé, Ermelindo Neder (“Pô! Amar é Importante”), Paulinho da Viola, Beatles, Nina Simone, The Police, Belchior, Itamar Assumpção, Bocato, Márcio Manga, e algumas surpresas recicladas, sempre novidades no repertório, e ainda novos recursos cênicos. Acompanhada por Dunga, contrabaixo; Tom Capone, guitarra; Mac William, bateria. Assim Cássia Eller botou o pé no palco da Funarte, com vontade de botar o pé na estrada.
Acho que a Cássia Eller gostava do humor do Grupo Rumo, ou do Premeditando o Breque. Gostava mais pela malandragem, brasilidade, humor e temas como o da música “Rubens”.
Eu odiei a sua apresentação na Funarte. O lugar era exíguo e escuro, e não havia ameaça de “apagão”. No palco, os integrantes se esbarravam uns nos outros, e se desculpavam, na maior educação, sorrindo entredentes. Enfim, desajeitados, desajustados e apertados, sem nenhum impacto cênico. Pode ser que fosse por ser Domingo, pode ser que fosse pelo cansaço.
Mac Williams talvez estivesse à frente de seu tempo, pois tirava um timbre mecânico-tecnológico sussurrante, meio sem vida, coisa meio industrial, um som plastificado.
Talvez o volume dos instrumentos estivessem no talo. O garoto da guitarra era alto e bem-vestido sua guitarra era daquelas de pintura metálica. Talvez Tom Capone tenha recomposto tudo!
Abominei a versão de “Oh! Darling”. O show foi incrivelmente heavy! A apoteose do sinistro ocorreu na lullaby de Lennon & McCartney – simplesmente um solo metaleiro rápido em “Oh! Darling”! Fui nocauteado pela minha insatisfação. E para esvaziar mais ainda a minha bola, Irlam Rocha Lima, no Correio Braziliense, o listou como um dos melhores shows da temporada daquele ano.