ONDE É QUE ESTÁ O MEU ROCK'N'ROLL?

Ondetexto de mário pazcheco
revisão de roberto gicello

INSPIRADO NO CD 'ONDE É QUE ESTÁ O MEU ROCK'N'ROLL?'

Lá atrás.
Os artistas mais velhos, a maioria ligada a desenhistas e serígrafos, falaram da ideia de montar um selo com as bandas dos amigos. Então, veio o alistamento militar e matou muitas dessas ideias rebeldes, ideias antissistema. Ateliês, selos de fundo de quintal, de rock de garagem, revistas, tabloides, experiências fracassadas, revoltas hibernaram profundamente – se é que tem outra forma de hibernar que não profundamente.
Eu cavalgava num sonho e escutei uma voz: “Arnaldo Baptista!”.
E asim ouvi falar de Arnaldo Baptista:

"Meu veículo não utiliza carburadores (É elétrico)
Eu posso te mostrar o Se e você pode segui-lo
Terças e quintas formam um acorde /
Dó-mi-bemol ' (sol) do – mi – Sol (dó) – (dó) e (sol)" 

No sonho, Arnaldo me encoraja a levar engrenar nossa hipotética parceria em "Orgulho Humilde" – eu faria a letra (a qual já tem um pedaço). Mas a coragem sumiu! Beijo, Arnaldo... lindo! Por essas e outras que eu fui limado e fumado.

Eu queria um CD de rock'n'roll com arranjos classudos, arranjos medievais de Rick Wakeman, solos pirotécnicos de Jimi Hendrix e psicodelia desenfreada. Os produtores riram da minha cara quando souberam que o orçamento era de R$ 500,00 mensais para tocar o barco. Comecei com bandas que não sabiam gravar.

No meio do disco falaram para enxertá-lo com punk rock: "... desculpe-me, mas ponha o punk rock na lixeira da heustória". Gravei uma banda punk, cujo vocalista achava que era o novo Renato Russo.

Logo de saída "Onde é que está o meu rock'n'roll?". Será que essa frase pode estar protegida?". Quero a capa assim... Não tenho mais grana e preciso de mais meia hora de mixagem. Tudo assim, um desgoverno sem um dólar furado e sem lei.

Eu costumava ir ao edifício Pioneiras Sociais. Mas não gostava dali por motivos óbvios, mas tinha excelente acolhimento, suficiente para dar bom dia a todos. De lá, atravessava para o SCS – Setor Comercial Sul. Nas Lojas Americanas comprava chocolate e no prédio contíguo, o edifício. Infraero, dois rockeiros da pesada tiravam expediente. Um deles era o Célio de Moraes, com quem eu mantinha contato telefônico; o outro, o xará Mário Linhares, de saudosa lembrança. Mário Linhares, recém-chegado do Ceará, era, segundo o que diziam, assessor do "Homem". Foi assim que eu chamei a fenomenal banda Khállice, onde ele cantava (originalmente em português). Através da fita demo, deles, que eu saquei que eles seriam grandes.

O novo vocalista verteu as letras para o inglês. Por caprichos e falta de cessão à editora da versão inglesa, "Madman's Lullaby" não abriu o CD-tributo a Arnaldo Baptista. A Dabliú informou-me que a Rita Lee (que só leu a letra) e "apesar de não ter curtido, liberou a versão". Jamais a autorização dessa versão chegou ao escritório. No último minuto, a Dabliú manietou a faixa de abertura. Little Quail queria abrir o tributo, mas Andy Costa, o chefão, disse que eles ficariam bem na sétima faixa. Assim a cuidadosa seleção ficou mutilada. Com o aborto de "Madman's Lullaby", a grande privilegiada foi a Nata Violeta abrindo com o rockão "Sexy Sua"!
A letra em inglês podia não ser grande coisa, mas a interpretação de Mário Linhares foi avassaladora. É uma das músicas da gaveta que usamos na rede. Possuo em VHS, alguns minutos de "Madman's Lullaby", com a Khállice ao vivo no Teatro Garagem.
Com tudo pronto, um dos talentos de Brasília ignorou a gravadora. O que a gravadora fez? Cortou a música de abertura. Quando os caras da banda viram o CD: “Cadê a nossa música?” Pergunte ao vocalista que não passou o fax liberando a tradução para o inglês da “Balada do Louco” – versão que ninguém pediu. Assim, perdi mais grana.
Rock'n'Roll é coisa do diabo e do capeta e não se meta nessa parada de porco.
Para projetar os participantes do tributo ao Arnaldo, onde quer que eu encontrasse espaço, divulgava o evento, soltava notas. Ruim é que as bandas indies de Brasília queriam que eu falasse delas. Nessa época, eu já achava um abuso ter que ir aos shows e falar, sem trocadilhos, o que eu pensava sobre eles.
Durante o período de gravações, Renato Russo morreu e um press-release colhido por mim foi utilizado na íntegra pelo jornal. Nem citaram a fonte! "A fonte é a mão do Renato Russo". Mais uma vez eu aprendi sobre as bandidagens do rock'n'roll, graças a eu ter enviado uma cópia clara do press-release. Inalando gases nobres, parei de colaborar. Meu nome ainda constou nos colaboradores, mas eu tinha que tomar conta do CD e mandar matérias via fax. Duas coisas que eu não podia fazer.
Geraldo Ribeiro, o técnico do Estúdio Artimanha, um craque medular da espinha dorsal do projeto Arnaldo. Se nos ofereciam um som mais compacto, acontecia uma gravação mais despojada, crua e nua, sobre a qual podíamos gravar desde discos voadores a elevadores ascendendo no Radio Center.
Numa tarde (não lembro se fazia sol), gravamos as vozes da banda de blues, Ligação Direta. Geraldo tascou: “vamos, todo mundo, fazer o coro; no coro não precisa ser afinado”. Ele traduziu e gravou a nossa atitude e nossa realidade para a posteridade.

NA SURDINA
"Sr. Empresário" – então, eles queriam gravar a música inédita do disco-tributo do Arnaldo no disco solo deles. Com uma fã deles, arrumei o telefone do flat dos caras, bancado pela Virgin, no Rio de Janeiro. Felipe Caduco telefonou-lhes pedindo que não fizessem o que pretendiam. "Como foi que você ficou sabendo?".
Concluída a gravação da bela voz de Célia Porto na balada "Garupa", Rênio Quintas foi enfático "Preciso do meu instrumento de trabalho, amanhã!". Para transportar o piano do Zen Studio para o SCS, foram convocados os colegas, Inácio Claro, ajudante, e o motorista dr. Marcão, no Ford-Belina quatro portas. Estacionamos na vaga reservada ao Corpo de Bombeiros. A máquina da porta desarmou; com uma caneta ela voltou a travar. Por fim, o piano foi heroicamente erguido até o Ponte Studios.

De três partituras, a mais estruturada era “Dança de um outro Tempo". Definitivamente, idos difíceis para encontrar alguém contemplado com a graça duplicada de ter um piano e saber ler partitura. Rênio Quintas executou a partitura. Só então, ouvi a música. Tentei mantê-la na cabeça (o que não consegui). O maestro escolheu a "melhor" e, ao tocá-la, disse que a notação na partitura era improvável m até para uma criança de 7 anos. “Dança de um outro tempo” foi a última música a ficar pronta.

Veio pronta, gravada em fita DAT e eu não paguei! Cortesia e ato extremo de fé do Bruno Wambier. A versão do Rênio era acústica e a que finalizada era mais industrial, tanto pela qualidade da gravação quanto pelo timbre do teclado usado. Arnaldo Baptista, ao ouvi-la, ainda no cassete, disse que sonhava com essa música e que "não se lembrava da segunda parte!".
Imprimir uma imagem do zipdrive custava uma grana. O encarte foi impresso duas vezes, Finalmente, o material foi enviado pelos Correios.

Foi quando eu me disse: "Saía dessa vida!"... e eu me ouvi pela primeira vez.
O parto durava 24 meses – joguei na mão de satã, agora é com ele... "rock não é coisa do diabo?".
E não é que o diabo resolveu? O disco seguiu para a gravadora. Joguei o jogo dos empresários e dos advogados: empatei.
"O CD-master sumiu!".
”Se vocês não adiantarem as luvas, podem esquecer”.
Assim consegui cobrir o telhado da nossa casa e minha mulher começou a respeitar minhas loucuras de tendências suicidas.
Como o CD nunca saía, ouvi muito o CD-master em todo tipo de aparelho (no som da sala de estar, no carro etc.). O disco tinha um furinho na última música, e foi difícil cloná-lo e salvar a música da Marssal – um verdadeiro parto. Eis que, novamente, o CD de rock'n'roll foi reenviado.

Em jornais vendilhões, como a Folha de S. Paulo, vetaram o meu nome nas matérias. Em Minas Gerais e no Paraná, meu nome ainda saía à luz do dia. E, quando o CD chegou, adulteram o encarte e nem sei como não degolaram o meu nome. Para completar o festival de editorações farisaicas, pequenos imperadores dos encartes de CDs guilhotinaram a foto do Sérgio Dias com a mão apoiada no ombro do Arnaldo, mudando a contracapa original.
Ouvi e vi tanta barbaridade que até hoje a pessoa não entende porque eu mandei os caras se f***!

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