RENATO RUSSO DEBUTOU O ROCK NO GUARÁ (2021)
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39 ANOS DE LEGIÃO URBANA!
1982-2021
texto de Mário Pazcheco
Revisão de Roberto Gicello
Dedicado a Dinho Kamers
No Guará não existia rock, e nós nem sabíamos que traçávamos célebres rabiscos. O rock no Guará vinha de uma malfadada apresentação no palco do FIMCED3 (Festival Interno de Música do Centrão). Deficiências técnicas (aparelhagem, logística, know-how) concediam ampla vantagem ao pessoal do sambão – calejados na realização de seus eventos. O rock agoniza. Apesar disso, o Cave entronizou o rock nacional, ao sediar Legião Urbana, projetando as luzes da ribalta sobre os parceiros de palco.
Magrinho, Renato Manfredini Jr era rapazinho com a barba fechada e trajando limpíssima indumentária de professor de cursinho. Manfredini Jr poderia nos dar aulas no pré-vestibular do colégio JK. Foi a imagem que guardei dele.
Renato Manfredini Jr jogava em todas as áreas: jornalista no Jornal da Feira e do Ministério da Agricultura; em fanzine de rock na UnB. Tarólogo e junkie, desbravando prazeres carnais com garotas e garotos. Autor da peça inédita A Verdadeira Desorganização do Desespero e de odes à heroína, à morfina, ao ópio e fã dos Beatles. Ator de um doc sobre como os alimentos chegam à mesa da famílias vindos do Ceasa. Seu currículo também registra uma participação na coletânea mimeografada Agregado Poético, com o poema "Leme/Leblon". Ao microfone da Rádio Planalto, na hora do almoço, ele falava sobre overdose e tocava a maior pauleira dos Beatles. Eram tantos os Renatos Manfredinis Juniores que, como num big bang individual, seu cosmo encorporaria rapidamente uma só entidade: Renato Russo!
Para mim, ele foi uma alma generosa que sempre compartilhou suas fortunas.
Naquela noite, conversamos animadamente sobre os Beatles, sobre 68, TWO VIRGINS. Até hoje sinto como ele era fissurado no ÁLBUM BRANCO dos Beatles, em Revolution, no Maharishi, na fábula do “Paul morreu”! Mas havia outras sonoridades naquele disco que tanto lhe dava prazer, como o toque folk do violão. Diálogo entre névoas com aquele amigo imaginário.
Depois de ele medir a minha aura, da sua mão me entregou um manuscrito que criou vida própria como a sua obra. Não sei como ele sabia que éramos fãs de Mutantes de Caetano Veloso. Estes eram os elos.
Na fila do gargarejo, fiquei colado no palco, numa verticalidade deslumbrada. De contrabaixo vermelho Giannini, Renato Russo tinha uma energia incrível e forte presença de palco. Saltitou o show inteiro, tentando levar a galera a cantar as letras, até então desconhecidas. Numa arena de estádio lotado, assim foi a primeira manifestação em casa do rock Brasília, que inaugurava, naquela noite, uma era, elétrica e alucinada, de música – que parecia fugida de um asilo após anos de reclusão.
Centenas de rockeiros órfãos de Sid Vicious (cuja a fama da morte extrapolava continentes) entraram em contato com um som que acontecia no festival O concerto do fim do mundo ou nos palcos da californiana X ou da inglesa GBH. Compartilhamos da revelação encontrada só em revistas ou em matérias traduzidas.
De saída, a Legião Urbana teve problemas em um tema instrumental: “O Cachorro”. Da massa sonora reverberaram, indistinguíveis, Química, Que País é Este, Música Urbana 2 e Conexão Amazônia. Os fãs já conheciam algumas pelos nomes.
Houve invasão de palco.
Dez anos depois, nós, os outrora pioneiros rockeiros do Guará, tivemos a nossa noite de Legião Urbana, assim como eles tiveram o seu momento de Beatles tocando no terraço do vestiário do Cave. Subimos até o vestiário para acompanhar a banda Sabotando o Pop. Debalde. Mais um pequeno êxtase frustrado na construção de nossa juventude. O show foi encerrado quando o produtor do evento arrancou o microfone da mão do vocalista. Tudo igualzinho àquela noite no Guará, quando um dos rockeiros roubou o microfone da apresentadora e ficou no “vamos lá galera!”. Faltava letra e ritmo.
acervo de Abortoelétricoofficial