“A ESPERANÇA VIRÁ DO FUTURO” (ROBERTO MENESCAL, 2022)
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Clube da Bossa, evento nº 500, com show de Roberto Menescal e com a participação dos instrumetistas Oswaldo Amorim (contrabaixo) e Marcus Moraes (violão), das cantoras Liz Rosa, Celia Rabelo, Menescal, Márcia Tauil e Ana Reis
Local: Teatro Sesc Silvio Barbato
“A ESPERANÇA VIRÁ DO FUTURO”
ROBERTO MENESCAL EM BRASÍLIA
Texto de Mário Pazcheco
Fotos de Marizan Fontinele
Este artigo não traduz a frenética produção ao vivo e em estúdio de Roberto Menescal. Nos dias atuais, sempre produzindo novos talentos. Atrás de uma satisfação que só a música pode oferecer.
Acompanhar um colóquio musical de Roberto Menescal (84 anos) é desabraçar de qualquer ideia fixa sobre todas as etapas que envolvem a produção musical. Seus seguidores estão em todo o globo, principalmente na Terra do sol nascente, onde ele pisou por 31 vezes. Este cantor, compositor, instrumentista e arranjador, já em 1960, a sua composição, a clássica “O Barquinho” em parceria com Ronaldo Bôscoli, singrava pelas ondas musicais dos cinco oceanos.
Das orquestrais
Jamais imaginei em ciceronear Roberto Menescal. Meu contato inicial foi via telefone, quando Marizan Fontinelle disse para ele, – Olha, Menescal vou passar o telefone para o Mário, fã do Arnaldo Baptista. Foi uma fala rápida, ao ouvir o nome Arnaldo Baptista. Menescal logo rebateu com bom humor – "Loucura, loucura". Encerrei a ligação com – Um forte abraço mestre.
Fiquei com aquilo na cabeça "loucura, loucura", – Como assim? Jamais pensei em dissecar o trabalho de direção artística de Menescal no antológico, e aclamado LP “Loki?”
Menescal chegou ao Aeroporto Internacional de Brasília, vindo do Rio de Janeiro, o voo atrasou uma hora. Isto significava que tínhamos que correr pois, o ensaio teria uma hora a menos e voamos para o teatro.
Ainda no estacionamento do aeroporto, já tivemos uma boa conversa e entendimento.
Nossa primeira impressão musical foi a respeito do show “Meu Coco” do Caetano Veloso, onde ele recorre a “You Don’t Know Me”, tema do álbum “Transa”
No carro, mostrei a ele uma revista Realidade, de julho de 1969. "– O Sérgio Dias era muito bom. Em uma gravação com a orquestra, os músicos não os estavam levando à sério por serem meninos. Foi quando Sérgio Dias tocou um complicado tema de jazz e os calou."
Neste 1969, na França, no Festival Midem, em Cannes, Menescal que acompanhava na guitarra, Elis Regina e Edu Lobo não esperava encontrar os Mutantes. No saguão do hotel, pela manhã, surgiu um radiante Arnaldo falando que passara a primeira noite junto com Rita Lee.
Menescal emenda que esta turnê foi esticada e permitiu a gravação do álbum “Elis & Toots”. Na Suécia, durante o show, um carinha pediu para tocar uma música com eles. Eles se entreolharam preocupados, – Manda ver. O carinha ainda perguntou se sabiam tal canção? E logo nos primeiros acordes soprados na gaita. Todos perguntaram se ele era Toots Thielemans?!
Durante 15 anos – entre 1970 e 1985 – o senhor, como dirtetor artístico e produtor na Philips, esteve próximo de nomes consagrados da MPB. Como era a relação com eles? De quem, entre eles, se tornou amigo?
Alguns maravilhosos, outros de relacionamento difícil, mas procurei evitar amizades mais profundas porque os cíumes eram grandes se eu me aproximasse demais de alguns e pouco de outros.
Viagens lisérgicas mesmo foram com os Novos Baianos
Como produtor musical da Philips, ele era responsável pelos 80 artistas do cast da gravadora e tinha que dar atenção a todos. “Fiz muitas coisas”. Estas ações cotidianas incluíam receber telefonemas para relaxar a prisão de algum artista por porte ilegal ou porque brigou com a mulher.
“Eles ficavam trocando bolinhas coloridas entre si. Abriram a porta do guarda roupa e havia um cara nu com as mãos na forma de palma acima da cabeça. Me lembro do nome dele até hoje, Zé Pinto”
“Batemos um papo, e em algum momento me ofereceram um café. Daqui a pouco um deles veio com um recipiente grande com o café e servia as canequinhas de plástico usando uma concha de sopa.
Naquele dia tinha gravação marcada na Philips, então lá pelas cinco horas da tarde eu tive que voltar para a gravadora. Saí de lá meio tonto, me sentindo um pouco mal, e achei que deveria ser por conta de tudo aquilo que eles estavam fumando.
Quando entrei no carro eu já estava completamente loucão. A sensação que eu tinha é que todos os carros estavam vindo na minha direção, então fui dirigindo por cima do canteiro ali do Aterro do Flamengo. Perto do Museu de Arte Moderna, tinha sempre segurança do exército, da marinha e da aeronáutica, e eu quase passei por cima dos caras com o carro. Loucura total!
Cheguei na Philips, me sentindo muito louco. A gravação já havia começado e eu cheguei dizendo que não haveria gravação nenhuma e mandei todos pra casa. A essa altura, todo mundo já estava me estranhando. Fui para casa e não conseguia dormir. Passei num dia e meio me sentindo assim.
Passado um tempo, estava conversando com o maestro Waltel Branco, que havia acabado de fazer um arranjo incrível para os Baianos.
– Todo mundo aqui achou que você arrasou nesse arranjo!
– É interessante que o arranjo não tinha ficado muito bom, os Baianos não tinham gostado. Mas aí eu estava ali no apartamento deles, tomei um suco de laranja que eles me deram e acabei escrevendo ali mesmo esse arranjo. Eu até fiquei tão empolgado com o arranjo que fui pra casa, não conseguia dormir e passei a madrugada inteira cortando grama!
No jantar
Menescal recordou uma frase de Raul Seixas “Sim, mas eu quero te prevenir de uma coisa: existem artistas número um, e artistas número dois. O Sérgio Sampaio é um bom número dois”, disse. “E você, Raul?”, perguntei. “Eu sou um bom número um”, ele respondeu. “Mas, o Sérgio está vendendo bem mais que você”, desafiei. Então Raul disse “é verdade, mas, você vai ver que, aos poucos, o disco do Sérgio vai parando e o meu disco vai passando à frente”. E foi isso o que aconteceu.
Durante a sua jornada de dois dias, em périplo rápido, passamos pelos nomes de Jorge Mautner, Jards Macalé, Angela Ro Ro, Hélio Oiticica, Vinicius de Moraes, João Gilberto, Barney Kessel, Lanny Gordon, Jaguar, Rogério Duarte, Glauber Rocha...
Nos reportou da importância do LP “Julie Is her Name” – com a cantora sendo acompanhada pelo guitarrista, Barney Kessel. Uma de suas maiores influências.
O LP é uma experiência íntima entre a voz e a guitarra e o contrabaixo sem bateria. O que foi uma novidade “Tiramos dois meses para tirar as músicas.” “A música brasileira avançou 10 anos!” Aconchegante foi ouvir Menescal dedilhar a introdução de “Cry me a river”.
Ainda que Midani contasse histórias de que ele tocava bateria, Menescal nunca o viu tocando. “Midani era um gênio”.
Menescal em “Loki?”, o LP-antológico
“Loucura, loucura” a frase de Menescal, foi concluída com um suspiro irônico.
Depois, tive a oportunidade de entendê-la, foi a mesma frase usada por Nélson Motta, para explicar a sua desistência da produção do disco.
As superfícies dos dois lados de “Loki?” espelham a verdade do comunicador, em sua integralidade. As palavras em si mesmas possuem suas próprias densidades quanto aos seus significados. Há situações em que o indivíduo tem ao seu dispor vocábulos diferenciados com mais ou menos força de expressão.
Menescal me permitiu enxergar o clima de confusão sentimental e emocional em que o disco foi feito. É notório que o artista estava apaixonado e que chorava muito. De partida, Arnaldo Baptista requeria tempo para poder gravar. Ao que Menescal rebateu: “o estúdio está alugado. É caro. Tem que gravar”.
No estúdio, a estratégia para o disco foi criar climas de gravação. Originalmente Arnaldo Baptista pretendia gravar o próprio contrabaixo. Chorando muito respondeu, – Não consigo. Foi então, que Menescal chamou Liminha, – Vamos lá.
Roberto Menescal confirmou que o disco foi gravado em 4 dias. E pelo seu zelo profissional e conhecimento, passo a creditar a ele parte do brilho de “Loki?”.
Já que tudo era loki mesmo. Foi a escolha perfeita para nome do disco.
Décadas se passaram, e por um breve momento em um aniversário de Arnaldo Baptista, eles se reencontraram.
Autógrafos em discos alheios
Em recentes shows, uma cena tem acompanhado Menescal, vários fãs da nova geração de Elis Regina e de Nara Leão esticam-lhe cópias, solicitando autógrafos. E naquele mar de álbuns, nenhum é um trabalho solo dele.
Eu tive que rir, pois é amigo Menescal. A cena vai se repetir mais uma vez – Vou pedir-lhe para autografar a minha cópia de “Lóki”. Ao que ele responde que depois do autógrafo, eu não conseguirei vender o disco.
Show n° 500 Clube da Bossa
Roberto Menescal apresentou-se no dia 11 de junho, no Teatro Sesc Sílvio Barbato, no Setor de Diversões Sul. Roberto Menescal dividiu o palco com o contrabaixista Oswaldo Amorim, o violonista Marcus Moraes e as cantoras Ana Reis, Liz Rosa, Celia Rabelo e Márcia Tauil que juntas encerraram o espetáculo com uma interpretação de “O Barquinho”.
A produção foi de Marizan Fontinele para o Clube da Bossa de Brasília. Com apoio do Sesc e da Uilques Musical Partner.