Brasil: Rock dos anos 70, ao vivo!
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Disco autêntico? só os bootlegs
(Mário Pazcheco)
Grupos
Som de Cada Dia – “Bem no fim” (Ao Vivo)
Casa das Máquinas – “Ao Vivo. Santos 1978”
Mutantes/Arnaldo Baptista – CDr
Antecedentes: A invenção do disco-pirata
Equivalente ao estrondo da invenção da pólvora foi o disco-pirata. De imediato muitos perceberam o raio de ação e exclamaram: - Pronto, furaram o sistema. Está aqui na Rolling Stone. Leia! Um tal de Larry Gutenplan, o inventor, foi preso no Village vendendo um punhado de cópias do bootleg “The Best of 67”, com sucessos dos Beatles, Stones, The Doors e até os Monkees com I’m a beliver. O disquinho custava 1 dólar e 79.
Ano passado surgiram os primeiros bootlegs em CD de bandas nacionais dos anos 70, sob a chancela “An Alternative God Production”. Deus é pirateiro? Vendidos em loja.
Pesa o aspecto histórico e a devoção do fã na hora da aquisição. Fortes apelos para “explicar” a necessidade de preencher lacunas.
O que a indústria fonográfica do Primeiro Mundo fez?
Os Beatles foram resgatar faixas inéditas suas em bootlegs, para inserí-las no disco ao vivo da BBC e no projeto “Anthology”. Jimi Hendrix, The Doors, King Crimson, The Who estão legalizando seus bootlegs. Em outubro de 2000, o Pearl Jam resolveu nocautear os piratas lançando 25 bootlegs duplos de uma vez só...
No caso, do artista brasileiro é seguir esse exemplo e preservar um mínimo de recurso aos nossos depauperados roqueiros.
Som Nosso, uma lenda digna do rock brasileiro
De acordo, com o artigo “Som Nosso, uma história digna do rock brasileiro”, da revista Pop, o embrião do Som Nosso, começou em 1973, quando Manito, ex-Clever, ex-Incríveis, ex-Mutantes, tentou partir para um esquema diferente, fundando uma banda de 12 músicos, o Bloco Cabala, para tocar exclusivamente em bailes, “reunia músicos de conjuntos do interior de São Paulo até acadêmicas figuras vinculadas à Ordem dos Músicos”.
Como nunca aconteceu um ensaio com a presença de todos. A banda reduziu-se para um quinteto agora com o nome de Zapata, dessa fracassada tentativa nasce o quarteto “Som Nosso de Cada Dia” (Pedrinho, bateria; Manito, teclados; Pedrão, voz, contrabaixo e Liminha na guitarra).
A formação desse “Bem no fim - 1976” é Pedrão, Pedrinho, Dino Vicente nos teclados e Egidio Conde na guitarra. Esse bootleg recupera a faixa “Rajada Runaway” com letra do poeta Paulinho Machado, o Capitão Foguete. Faixa incluída com outras composições suas no segundo LP de estúdio do Som Nosso e que nunca foi lançado pela Continental e trazia ainda Tuca nos teclados... Alô, Charles Gavin vamos encontrar esta fita antes...
A gravação do show é ótima e mostra um Som Nosso menos urbano e equilibrado com timbres de música brasileira, antecipando a jornada que os grupos progressistas brasileiros adotariam.
A Casa cai
Santos, 1978. O show da Casa das Máquinas com Simbas nos vocais, Pisca na guitarra, Netinho na bateria, Marinho nos teclados e João Alberto no contrabaixo marcou um momento crítico na trajetória da banda. Em meio a acusações de irresponsabilidade, arruaça e delinquência, o grupo enfrentava tensões internas e externas. Apesar disso, embarcaram para um supershow no icônico estádio Luna Park, em Buenos Aires, Argentina, onde se apresentaram para um público de 10 mil pessoas. Lá, dividiram o palco com grandes nomes como Charly García (Serú Girán), León Gieco, Nito Mestre e outros, encerrando o evento com uma performance memorável. Este, no entanto, foi o último grande show da banda, que se desfez sete meses após um episódio trágico que marcou sua história.
É curioso escutar o vocalista Simbas ao lado da guitarra energética do Pisca, gritando agressivamente, - vamos agitar bando de bundas-moles. É um show de rock. O pessoal daqui da frente não é bunda-mole! Não!
Dizem que existe outro tape com melhor qualidade, já na fila de espera...
Em 1977, o vocalista Simbas do grupo que o baterista Netinho liderava -, foi o pivô de uma briga na porta da TV Record, que resultou em morte. Falou-se muito do assunto na época.
Versão popular:
Vestido de maneira extravagante, Simbas não se conteve diante dos gracejos que lhe dirigiam algumas pessoas naquela oportunidade. Irritado, partiu para a briga. Um cabo-man (“muito doente e que não poderia de forma alguma se envolver em brigas”) da Record levou a pior no incidente e morreu dias depois.
Netinho, que nem sequer estava presente no momento da briga, quase não podia sair às ruas. Por um ano e meio Netinho ficou afastado da vida artística, num sítio em Itapetininga, a 200km de São Paulo. Plantando e cuidando da família...
Versão dos autos
O rebu todo começou na tarde de 18 de setembro de 1977, um sábado quando o Casa se preparava para uma apresentação na TV Record (SP). Momento antes do programa, na garagem da própria emissora, o carro de Simbas (Nivaldo Alves Hora) e um ônibus da Record bateram. O motorista João Luís da Silva Filho retirava da garagem um ônibus para gravações externas, auxiliado pelo Câmara Lucínio, que fazia sinais para orientar a movimentação do veículo. Na manobra, o ônibus esbarrou levemente num Opala, de onde saltaram os três músicos, reforçados pelo irmão de Simbas. Então, achando que o acidente fora proposital, Simbas passou a discutir e, depois a brigar com Lucínio de Faria, 35 anos, pai de cinco filhos. O grupo começou a agredir João Luís e Lucínio.
Depois de ser espancado no pátio, o franzino Lucínio foi arrastado para um banheiro da emissora, onde continuou o massacre. Ao encerrar-se a surra, ainda recebeu a última ameaça do chefe da segurança da Record, Wadi Gragnani Dini: seria demitido se contasse à polícia sobre a briga na emissora. Espancado, Lucínio foi embora. Em casa, à noite, Lucínio exibiu os ferimentos ao filho Wilson, então com 12 anos, revelou o que ocorrera e explicou que não podia procurar nem a polícia e nem o hospital. Mas no dia seguinte a saúde piorou e ele precisou procurar o Hospital Bartira, em Santo André, onde 24 horas depois acabou falecendo, vítima de rompimento do fígado e duas costelas fraturadas.
Simbas alegou que foi agredido pelos funcionários da TV e apenas tratou de se defender. Pra isso, contou com a ajuda do guitarrista “Pisca” (Carlos Roberto Piazzoli), Sidney Giraldi e seu irmão menor, de 17 anos, (Nélson Leandro Horas).
Em março de 1983, as testemunhas não se apresentaram e o próprio Wilson (filho de Lucínio) negou que o pai tivesse contado que a agressão fora praticada pelos músicos. Além de explorar essa falha, a defesa dos réus jogou toda a responsabilidade pelos golpes mortais no irmão de Simbas, Nélson, que era menor na época.
Graças a falta de provas, a defesa conseguiu absolver Pisca e Sidney. Simbas, por homícido culposo, foi condenado a um ano de prisão, mas beneficiado com sursis por ser primário. Os três continuaram em liberdade.
— Olha o que o Arnaldo fazia nos shows dos Mutantes!
Ibirapuera. Último dia de maio de 1978. No tempo do confronto das calças boca-de-sino e das miniblusas, das sandálias melissas e camisetas hangten. Não foi por falta de material inédito e próprio que os Mutantes entraram na onda do Revival. As apresentações dos Mutantes na década de 70, sempre foram mágicas. Nessa apresentação no Ibirapuera, os Mutantes resgataram o repertório da primeira fase, trouxeram Betina para os vocais e Arnaldo Baptista para a overture dos shows.
Uma oportuna resistência à moda disco ao punk e infelizmente, os Mutantes sucumbiram no meio do caminho sem levar a frente pelo menos em discos o caminho natural de unir seu virtuosismo aos acordes conhecidos da música brasileira. Em estágio posterior os roqueiros foram acompanhar as estrelas da MPB.
Este CDr, traz uma raríssima gravação ao vivo de Arnaldo Baptista ao piano acústico. Arnaldo brilha em luz própria. A luta secular do artista e do público e a superação. Seus temas elétricos agora acústicos. Além da execução das peças do clássico Lóki?, Sérgio Dias e Betina se juntam a Arnaldo na recriação caipira da Balada do louco. Bem que essa apresentação poderia vir como CD bônus no relançamento do Lóki? Que o sonho se realize....
Live Days Baptista (Parte II)
(Mário Pazcheco)
Ainda em 1978, no Teatro Igreja em São Paulo, Arnaldo desenvolve um novo show solo "Rock-Blues", além do título Arnaldo interpreta material próprio e originais de Bob Dylan, Elton John e Beatles.
Em 1979, Arnaldo Baptista, Sérgio Dias, Walter Franco e Guilherme Arantes foram alguns dos músicos paulistas que migraram para o Rio de Janeiro. Arnaldo na Kombi, apelidada de "Dirce" e subiu a serra também para o Rio de Janeiro.
No Rio, com a proximidade dos estúdios, Arnaldo participa ao lado de Lúcia Turnbull no coro na faixa-título do LP Coração Paulista de Guilherme Arantes.
Foto: Lilian Maria Pragana
Em dezembro de 1979, a mal alimentada e corajosa mídia musical do período anunciou em poucas linhas o “Unziôtru” como um grupo promessa, ainda sem nome e contrato - expoentes da “brazilian new wave” - formado por dois ex-mutantes, como participante especial mais tarde chegou outro ex-mutantes, Ruy Motta, bateria juntando-se a Arnaldo, teclados, Antonio Pedro, contrabaixo e Lulu Santos, guitarra. Anteriormente o grupo acabara marcando 4 shows na Funarte, no Rio de Janeiro. Os shows valeram mais por seu conteúdo histórico do que por outra coisa. Há uma versão que durante o show Arnaldo apresentou apenas pequenos fragmentos no piano tocando boogie-woogie enquanto Lulu cantou algumas coisas do seu repertório inicial. Após esses quatro espetáculos o grupo se dissolveria sem novas apresentações.
"Fizemos uma canções, Bernardo pôs umaz letras, até que apareceu no Rio o Arnaldo Dias Baptista, ex mutantes. Os Mutantes tinham sido minha escola e eu tinha uma admiração reverencial pelo grupo e pelos indivíduos. De fato, em relação a nosotros, estavam mil anos luz além. Os conhecia de meus anos de tietagem, sempre corri atras deles, eram o referêncial mais forte do que eu queria pra mim, de toda a MPB. Sergio Dias o guitarrista foi meu amigo e meio que mestre. Até no momento que saquei que o que eu desejava era o oposto de seu objetivo, foi necessária esta referência. Só um norte pressupôe um sul, ou um leste, for that matter. Anyway, ninguém soava, nem zoava que nem os Mutantes, ninguém tocava como o Sérgio, ninguém tinha o know-how nem who e nem o equipamento (sobre tudo). O que eles não tinham, faziam. (...)
"Os primeiros wah-wahs (você não é ninguém, em guitarra pop, sem um wah-wah) eram da marca regulus, fabricado e vendido pelo Té, Cláudio César Dias Baptista, o terceiro, inexpugnável e algo genial irmão mais velho (hoje eu sei que regulus é a estrela mais brilhante da constelação de leão) tive todos os discos e a rigor, num primeiro momento seriam os Mutantes minha maior influência. Arnaldo era o líder inconteste e namorado da cantora, ponto. Era pra mim um up-grade estar num grupo com ele, porque foi isto que aconteceu, Arnaldo se juntou a nós e nos chamamos uns e outros, terrivelmente grafado Unziôtru (mea culpa). Ensaiamos na casa do Pedro um tempo com Márcio Bahia (hoje baterista do Hermeto Paschoal e da Vittor Santos Orchestra). E fizemos uma temporada de shows na Sala Funarte na rua Araújo Porto Alegre no Rio. Era meio esquizofrênico o lance, eu e Pedro naquela viagem funk-soul-brasil e o Arnaldo com sua indelével carga de história, personalidade, sofrimento e rock'n’roll. Lei de Murphy, o que pode dar errado, vai dar. Deu. Era mais fácil se abríssemos o show com nossas coisas e depois acompanhássemos Arnaldo em seu ‘sanguinho novo’, em retrospecto teria sido muito mais justo. Com ele. No mínimo, tentamos e ficou na história...d EU! (hehe)". (Lulu Santos).
Do Próprio Bol$o — Márcio Bahia, voltando lá em 1979 - o que você lembra dos shows do Unziôtru com o Arnaldo Baptista. O Rui Motta chegou a entrar no seu lugar? Márcio Bahia — Rapaz, faz tanto tempo...mas acho que ele tocou sim depois de mim. Foi muito divertido, o repertório era ótimo de tocar. Nossa estréia foi no finado "Apaloosa", em Copacabana que tinha uma programação só de rock. A banda era: Arnaldo, Lulu, Antonio Pedro e eu. Abração, valeu a lembrança que guardo com muito carinho. (Márcio Bahia). |
Um ano depois de saído do grupo Arnaldo declarou que, – O Unziôtru foi muito bonito. Nós tocamos na Funarte, era uma coisa sim mais rock´n´roll mesmo, heavy rock, um negócio bem pesado. E tava bom, tava casa cheia. Hoje! Arnaldo afirma que o som do “Unziôtru” era mais pra Elton John!
Fotos conhecidas dos Unziôtru são clics da fotógrafa Vânia Toledo, além da foto do 'folder' outra apareceu na revista Interview, num anúncio de uma nova marca de jeans: Lulu, Antonio Pedro e Arnaldo com as pernas retesadas em pose de trenzinho divulgando o jeans.
A única gravação conhecida dessa formação está registrada na faixa "Lindo Blue", do LP Respire Fundo de Walter Franco, nela Sérgio Dias participa tocando guitarra e Lulu Santos violão e os demais em seus conhecidos instrumentos.
Dos cadernos de anotações de Air Now Do!
— Lulu Santos possuía um lado mental que caminhava para a perfeição. Casado com Scarlet Moon formava um casal lindo. No seu caminho direcionado à perfeição ele utilizava uma guitarra, Fender Stratocaster.
— Eu perguntei porque?
— Então Lulu Santos respondeu-me:
— Existe na minha vida vários fatores dos quais desejo não compartilhar... Até no improvisar musicalmente.
— E eu consigo com a minha guitarra Fender. Isolar-me totalmente quase do contrabaixista que toca comigo.
— Pois seu tangesse no solo a área que conecta com o pensar em sofrimentos meus.
— Essa área localizava-se na parte mais forte das Fenders (médios)?
— Pois ai, eu, poderia esconder-me na “área grave”.
Arnaldo: — Nas Fenders comparativamente à parte dos médios. É o atacar a área sonora que pertence aos contrabaixos.
— Então indaguei:
— E se o contrabaixista utilizando um Rickenbaker, fosse para os “médios-agudos”?
— Aí, ele respondeu-me:
— Não há graves neste som! E paro de tocar junto com ele.
Lulu Santos possui um alto interesse pelos microfones que fazem com que o som gravado seja bom ou não (também além da marca da guitarra). Ele declarou que o melhor microfone é o Neuman, não o utilizado nos estúdios pórem um ligável igual aos shures.
— O Sunheizer é bom também!
Quanto a microfones, o Lulu é excelente. Efeitos de guitarra com ela ligada no amplificador através de um sintetizador minimoog, ele conhece bem (também).
Como guitarrista ele é o melhor que eu conheço pessoalmente no produto sonoro final. (Arnaldo Baptista).
"Existe um folder das apresentações na sala Funarte. Se você olhar na minha comunidade tem um link para meu segundo album de fotos. Lá tem a foto. Não existem gravações da banda, mas como falei na entrevista, o material foi usado no começo da carreira do Lulu. Lembro-me do Arnaldo tocando Sanguinho Novo e Corta Jaca. Também lembro da gravação do Walter, mas não participei. O Márcio fez alguns shows no Apaloosa e o Rui entrou na temporada da Funarte. O baixo Rickenbaker é meio fake. Só se tira som dele com uma aparelhagem poderosa. Abs" (Antonio Pedro depoimento via Orkut). |
No ambiente cultural do Rio de Janeiro, Léo Guanabara, conhece um novo parceiro, a primeira canção da dupla: "Cozinho de noite" será proibida pela censura por ser “bem engraçadinha”.
Léo Jaime tinha uns 17, 18 anos e conheceu Arnaldo, na praia em Ipanema e Léo falou para ele de uma idéia que tinha tido para uma música, sobre o "cozinho de noite", Arnaldo achou ótimo e acabaram indo à sua casa para fazer a música. Fizeram a música e essa foi a minha primeira parceria deles. Arnaldo que integrava o Unziôtru com o Lulu Santos disse: ‘vamos lá mostrar a música pros caras da minha banda’. O Lulu começou a ouvir a música, que era um rock`n`roll, e, no meio da música, ele deu as costas e foi embora. Lulu detestou. E foi assim que Léo Jaime conheceu o Lulu. Lulu achou um absurdo Arnaldo e Léo Jaime estarem fazendo rock`n`roll àquela altura do campeonato. Acabaramo fazendo outra depois, mas essa ninguém gravou, era uma homenagem à kombi do Arnaldo, que tinha o nome de Dirce.
Naqueles idos, sistematicamente irado com o purismo do rock´n´roll, cheio de pluridos Lulu invocava “ainda estão tocando isso?”.
Nos últimos dias cariocas, Arnaldo tocava num trio com seu xará Arnaldo Brandão no baixo e Lobão na bateria.
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Arnaldo Dias Baptista inicia o ano dedicando-se à escrita do livro Rebeldes entre Rebeldes, cujo manuscrito original foi revisado por Lidoka, integrante das Frenéticas. A expressão "rebelde entre os rebeldes" reflete a essência de sua personalidade, marcada por uma postura que desafia tanto o mainstream quanto as convenções sociais. Paralelamente, Arnaldo assume a direção musical da peça de dança e teatro Heliogábalo, o Anarquista Coroado.
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Em 1979, Regina Miranda fundou a companhia Atores Bailarinos do Rio de Janeiro após retornar de Nova Iorque, onde estudou e trabalhou com dança. O primeiro espetáculo da companhia, Heliogábalo, o Anarquista Coroado, foi dirigido e coreografado por ela, com base no texto de Antonin Artaud, adaptado por Carlos Henrique Escobar. A criação da companhia visava integrar dança, música, teatro, literatura e artes plásticas, uma abordagem que Regina sempre desejou articular cênicamente. Ela reuniu um grupo diverso de bailarinos, atores e não-bailarinos, e, além de aulas de movimento com o Sistema Laban, o grupo se envolveu em leituras, apreciações musicais e na produção de figurinos. A direção musical ficou a cargo de Arnaldo Dias Baptista e o cenário foi criado por Luiz Áquila.
Dois Arnaldos e um Lobão: O depoimento de Arnaldo Brandão
“Eu entendo perfeitamente, eu já vivi isso, eu já vivi isso!" (Arnaldo Baptista)
Eu tinha uma banda com o Lobão e o Arnaldo Baptista. Conheci o Arnaldo na época dos Mutantes; ele já havia saído de uma das suas internações, mas estava ótimo, limpo. Ele me disse: "Olha, tenho um disco pra gravar com o Menescal na Polygram. Vamos lá gravar." Respondi: "Vamos sim, tenho umas músicas aqui." Ele perguntou: "Você conhece o Lobão?" Falei que já tinha ouvido falar, era um baterista jovem que tocava com o Vímana.
Arnaldo me contou que o Lobão tinha um estúdio em casa, lá em Canoas, uma casa na ribanceira. Fomos ensaiar lá, onde tinha uma sala de ensaio ao lado da casa. Eu no contrabaixo, Lobão na bateria, e Arnaldo nos teclados. Antes do ensaio, eu pegava meu baseadinho, fumava; o Lobão também fumava, mas o Arnaldo, que estava careta, não usava droga nenhuma. A gente ensaiava as músicas, que basicamente eram do Arnaldo.
Na segunda ou terceira semana de ensaio, antes de começarmos, o Lobão começou a me oferecer cachaça. Pra socializar, aceitei. Mas era uma cachaça forte demais. No meio do ensaio, os andamentos começaram a cair, até que, de repente, o Lobão desabou por cima da bateria. Eu precisava pegar o Rodrigo na escola às seis, então sugeri: "Joga água no rosto dele pra ver se acorda." Mas nada fazia ele despertar. Era álcool puro, não era cachaça.
Pegamos o Lobão, que era magro, mas pesadão, e levamos para a sala, esperando que a esposa dele chegasse. Mas ela não aparecia, e eu precisava buscar o Rodrigo. Começamos a ligar para Niege, irmã da esposa dele. Quando fui embora, Arnaldo, pálido, desceu as escadas dizendo que não podíamos deixar o Lobão ali.
Perguntei: "Por que não podemos deixá-lo aqui?" Ele respondeu: "Ele tentou suicídio." Fiquei perplexo, e ele explicou: "Vou te mostrar como eu sei..." Subimos ao quarto do Lobão e vimos vários frascos vazios de comprimidos ao lado da cama.
Arnaldo estava sério, dizendo que já tinha passado por isso. Ele tinha uma Kombi, sem banco nenhum atrás. Decidimos levar o Lobão para o hospital. Descemos aquela escada íngreme, e jogamos o Lobão no chão frio da Kombi. Fomos para o Lourenço Jorge e esperamos notícias.
A mãe do Lobão, uma senhora muito elegante, apareceu e disse que ele já havia tentado isso antes. O médico informou que ele não corria risco de morte, mas precisaria ficar internado por pelo menos uma semana. Fizeram uma lavagem estomacal.
No dia seguinte, sugeri ao Arnaldo que fôssemos visitar o Lobão, mas ele não apareceu. Dois dias depois, ele ainda não havia aparecido. No terceiro dia, fui até sua casa em Ipanema. A porta estava entreaberta e tudo estava revirado. Perguntei ao porteiro sobre ele, e ele disse que houve uma confusão e que Arnaldo e sua esposa tinham ido para São Paulo.
Pouco tempo depois, encontrei Sérgio Dias na praia e contei a história. Ele disse que o Arnaldo havia pirado de novo e que sua mãe o internou, mas que agora ele estava na fazenda dela, se recuperando.
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Uma lua de mel que parecia prenunciar uma tragédia. Ainda em São Paulo, durante as aulas de balé na Academia Stagium, na Vila Mariana, Arnaldo Baptista conheceu Suzana, uma artesã meio portuguesa, sua nova companheira, que vendia cerâmicas produzidas por ela. Eles embarcaram em um ano de aventuras no Rio de Janeiro, mais voltadas ao aprendizado do que ao sucesso financeiro. Após esse período, Arnaldo e Suzana Braga retornaram a São Paulo, estabelecendo-se em uma casa alugada na serra da Cantareira, como se buscassem um refúgio no alto da montanha, longe da agitação. No entanto, esse aparente recomeço escondia sombras que logo se revelariam.
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Sem Defesas ou Limites
– “Como é que você aguenta?”.
– “Porque isso tudo... eu me sinto completamente esburacado por essa experiência, é como se as pessoas estivessem dançando e passando por todos os meus poros.”
A última conversa entre Arnaldo Baptista e a coreógrafa Regina Miranda aconteceu em um mirante ao lado do teatro Ruth Escobar, em São Paulo. Arnaldo, visivelmente afetado, questionou como Regina conseguia aguentar, explicando que se sentia "esburacado" pela experiência, como se as pessoas estivessem passando por seus poros. Regina, para lidar com essa intensidade emocional, o abraçou longamente, descrevendo o momento como um "momento de fundição". A frase de Arnaldo simboliza uma profunda vulnerabilidade emocional, em que ele se sentia incompleto ou "quebrado", uma sensação comum em estados depressivos ou psicodélicos, onde o sentido do "eu" pode se dissolver.
Conheci o Arnaldo Baptista em 1980, nos meus 18 anos, eu era o técnico de som de um grupo de jovens que ensaiava com ele nos finais de semana na Serra da Cantareira.
Me lembro bem de descer a Serra com Arnaldo para comprar pão lá no pé da serra, bem cedo, no seu Ford Maveric, A TODA VELOCIDADE. Nunca me esqueci de quando Arnaldo me explicou a função que o seu Giroscópio teria na sua nave. Agora sabemos, o nosso Giroscópio é o Coração!". Plínio Hessel Jr, engenheiro de som. |
Já em São Paulo. No início de 1981, quando procurado pela “Brajet Promoções” para fazer os shows, Arnaldo responde que iria pedir emprestada a garagem da sua tia e se poderia tocar músicas do Lóki?
Num passe de mágica a garagem se transformou no Teatro Tuca e o espetáculo foi batizado de “Shining Alone”, uma das poucas ocasiões em que Arnaldo, foi o frontleader No repertório dos shows "Shining Alone" versões instrumentais para Honk Tonk e O A E O Z (um dos temas ao vivo preferidos por Arnaldo, aqui capturado com o órgão), as inéditas Ah! Garupa deixa eu gostar de você e Tacapé (que farão parte de seu novo CD "Let it bed!" a ser lançado em outubro próximo), a clássica Te amo podes crer e a não menos clássica Ovelha Negra (numa versão vinheta), Raio de sol um rock vigoroso da Patrulha do Espaço é tocada de maneira frenética ao órgão. No violão-de-fogueira, ele dedilha Don't twice, it's all right e Onda da morte (este é o nome correto da música Bomba H sobre São Paulo). Ainda nos teclados, Arnaldo apresenta vigorosa versão para Love is just around the corner (retirada do baú da trilha sonora do filme "Aqui está o meu coração", de 1934, cujo tema era cantado por Bing Crosby) e ele encerra o apoteótico show cantando Cry me a river, dez anos antes dela ser inserida no disco bossa'n'roll da ex-parceira!
As duas apresentações foram registradas em fitas cassetes, uma mostra um vibrante Arnaldo Baptista reagindo à participação da plateia. Num momento clássico ao cantar o verso dylanesco: “and the angels call my name...”, alguém no fundo da platéia grita: - Arnaldo. Uma das apresentações foi filmada por Luiz Carlos Calanca, que contratou esse serviço dispendioso e caro para o Brasil no início da década de 80. Com a câmara única e apoiada nos ombros, algumas vezes o cameraman desequilibra-se e treme, mas tudo está lá. Poucos viram, nenhuma imagem aparece em documentário, o áudio é perfeito e com o advento do DVD, estas imagens históricas preservadas e “trancadas à sete chaves” preencheriam inestimável lacuna, um dos poucos documentos na íntegra com as performances de Arnaldo Baptista que Luiz Carlos Calanca não se nega a mostrar, desde que em sua casa.
No início de março, no Auditório Augusta, durante a Primeira Mostra Musical dos Beatles, Arnaldo Baptista como atração extra fez seu tributo aos Beatles, tudo ao seu estilo, improvisado, maluco e genial. No final deste mês repete o espetáculo Shining Alone na sobreloja de shows “Paulicéia Desvairada”.
"Esse amigo que vos e-meia, tocou com o Arnaldo nessa ocasião com a minha batera Premier recém chegada da Inglaterra. Acho que foi a última vez que tocamos juntos, tinha pouco público, mas conseguimos ficar bem à vontade, tocando como se estivéssemos na casa dele com a Suzana, no sopé da Cantareira. O John Flavin estava lá também mas apesar dos nossos insistentes chamados, não foi ao palco conosco. Então foi um duo, Arnaldo Baptista & Zé BRasil, com o Arnaldo cantando e tocando piano (teclado) e eu cantando e tocando bateria com ele. Além dos Beatles teve Rocket Man do Elton John que a gente curtia muito e, acho, até Led Zepellin!". (Zé Brasil, batera do Apokalypsis).
Na primavera de 1981, Arnaldo volta de uma viagem pela Europa, lá após um show de Lou Reed, e nos camarins, anos depois Arnaldo afirmaria que Lou Reed fora “indecoroso”...
Com dinheiro emprestado, ele finalmente finaliza seu novo álbum Shining Alone (posteriormente o título fora mudado para Singin’ Alone - que é uma canção dos tempos da Patrulha do Espaço que não está presente neste disco).
O último convite para apresentar-se ao vivo, parte de Oswaldo Vecchione, líder do Made in Brazil, quando atuariam juntos a 26 de dezembro de 1981, no Ginásio do Palmeiras, Arnaldo declinou do convite.
Norte de São Paulo. Serra da Cantariera. Poucos antes do Natal, depois de quatro anos sem se verem. Arnaldo e Rita Lee casualmente encontraram-se na Serra da Cantareira.
São Paulo: 27 de dezembro, Arnaldo Baptista faz nova visita a Rita Lee e neste mesmo dia ao visitar a casa da sua mãe; é internado no Hospital do Servidor Público, inicia-se o doloroso pesadelo de Arnaldo Dias Baptista.
Arnaldo Solizta
(O título homenageia Lizt! Ideia do Júnior)
Enquanto o corpo permanecia inerte na cama em estado de coma, Arnaldo revelou posteriormente que se lembrava apenas de um sonho...
Na ampla sala de concertos, suaves movimentos e as mãos deslizando em gestos assimétricos, delicadamente produziam vibrações, gerando trechos instrumentais que invadiam o recinto em contraste com a luz artificial que iluminava o piano.
Um pensamento repentino: — à quanto tempo estaria tocando? Haveria uma pausa para o cigarro?
Mas, as mãos continuavam agindo, independentes da sua vontade, continuavam escorregando, experimentando, variando, entre a melodia de ninar e o frenético rock and roll.
Preparando uma evolução estilística, dando expressividade à sua música, quando foi interrompido por uma risada seguida de uma pergunta — Como vai Arnaldo?
Arnaldo Baptista e John Lennon num encontro marcado por muitas risadas e gargalhadas no final das contas, John o ajudou dando-lhe conselhos.
A gostosa sensação de sonolência continuou; e quem o embalava era seu pai, com cantos gregorianos.
Repentinamente a melodia cessou e não se ouviu as risadas, o canto, nem os aplausos. Estivera dormindo?
— Estivera sonhando? E que lugar era esse?
(Mário Pacheco)
*Originalmente publicado no fanzine, ROCK'N'ROLL MUSIC, nº 18 - ANO: VII - 1989. Revisora: Marly. Este foi o penúltimo fanzine. Trazia o meu terceiro texto público a respeito de Arnaldo Baptista. Um fanzine de boa tiragem e basicamente remetido a todo o Brasil, divulgando que eu estava escrevendo sua biografia.