BATEU MAIS FORTE A RAPSÓDIA NO CORAÇÃO DA CAPITAL... (2024)
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BATEU MAIS FORTE A RAPSÓDIA NO CORAÇÃO DA CAPITAL...
A sincronicidade do encontro, superação e a inefabilidade da música
por Gabriela Anacleto Ribeiro
Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro
Foto de Bruno Guedes - acervo OSTNCS
No último 4 DE JULHO DE 2024, no coração pulsante de Brasília, onde o concreto ganha vida e o cerrado encontra a cidade, ocorreu uma celebração. Encontro das almas em mosaico de culturas vibrando em uníssono. Nesse cenário manifestou-se ecoando o apogeu da nossa cultura, unidos como irmãos, refletindo a essência de um Brasil que pulsa e vive em cada um de nós, a Sala Plínio Marcos, no Eixo Cultural Ibero-americano, foi palco e santuário da harmonia, da celebração, da cooperação profissional e da superação pessoal e artística.
Em noite mágica, contando com a brilhante participação dos pianistas e solistas convidados Virginia Hogan e Boaz Sharon, e iluminada sob a batuta precisa da Maestra Mariana Menezes, a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro (OSTNCS), nosso patrimônio, mostrou sua força e competência; encantou corações e emocionou os ouvintes em mais uma noite inspirada.
O repertório deste encontro memorável não foi apenas uma exibição técnica, mas um mergulho profundo na essência humana, onde a música se torna a linguagem do inexprimível. Foi uma celebração da diversidade musical de duas nações, da competência e ousadia dos artistas. Em meio às linhas rígidas e imponentes da arquitetura brutalista de Brasília, as melodias ecoaram com leveza pelas estruturas de concreto, harmonizando o material frio com o calor de cada nota. Ao final, uma breve apreciação de cada peça completará este magnífico programa.
● Fanfarra para um Homem Comum, de Aaron Copland
● Rhapsody in Blue, de George Gershwin
● Adágio para Cordas, de Samuel Barber
● Bachianas Brasileiras No. 8, de Heitor Villa-Lobos
A noite desabrochou em uma sinfonia de emoções e acordes, em que cada nota do piano ecoava como que um sussurro divino. A experiência nos lembra que a verdadeira essência da música reside na sua inefabilidade, no mistério que transcende as palavras. Cada toque nas teclas era uma oração silenciosa, um contato direto com o que é sagrado e eterno.
O espaço onde o "Eu-Tu" floresce pelos escritos do filósofo Martin Buber*, ressoa em cada melodia compartilhada; música em sua pureza, no encontro genuíno entre os pianistas Virginia Hogan e Boaz Sharon, a Orquestra e o ouvinte; almas que se encontram no indivisível. Nesta comunhão, os instrumentos são mediadores de relações profundas, cujo elo, em momento de pura transcendência, revelou o poder da ação conjunta pela ousadia dos artistas, em explorar as fronteiras da experiência humana, fazendo dessa noite uma ode àquilo que é mais verdadeiro e indescritível em nossa existência.
No ápice da noite a "Rhapsody in Blue" de George Gershwin, em um arranjo inédito para dois pianos e orquestra, comissionado pela pianista Virginia Hogan ao compositor John Wallace, levou ao êxtase o público presente. Gershwin, com sua habilidade de mesclar o clássico com o jazz, criou uma obra-prima que transcende o tempo. A estreia mundial desse novo arranjo foi uma celebração da inovação e do legado duradouro de Gershwin. A peça, com sua fusão de estilos, exemplifica a filosofia de Vladimir Jankélévitch* sobre a música como um fenômeno que transcende barreiras culturais e temporais, evocando o inexprimível através de suas harmonias e ritmos. "Rhapsody in Blue", nesta até então, inédita versão, nos transporta para um mundo de exuberância e inovação, onde o jazz e a música clássica se encontram em uma tapeçaria de sons que é ao mesmo tempo familiar e surpreendente, desafiando categorizações.
Ao propor um novo arranjo para a "Rhapsody in Blue", a pianista Virginia Hogan encheu a noite de lirismo profundo. Desde os primeiros acordes no Steinway D, sua música irradiou intensidade e drama, espelhando sua jornada pessoal. Após um terceiro acidente recente e constantes dores nas mãos, ela persevera para manter-se na rotina de estudos e ensaios. “Faço concertos para manter a sanidade, para manter viva a música dentro de mim. A troca com alunos e público é essencial para minha existência.”
Sob a regência de Mariana Menezes, “que pinta notas no ar”, a orquestra cresce e as performances de Virginia e Boaz evocam o indivisível. “Junto à Virginia, Boaz traz firmeza num mosaico de emoções”, disse um espectador.
Virginia Hogan – foto de Marizan Fontinele
Diante do êxtase sonoro a pianista Virginia Hogan adicionou profundidade lírica à noite do evento. Desde os primeiros acordes no Steinway D, sua música ressoou juntamente ao piano de Boaz Sharon, como um eco de sua jornada pessoal. “Junto à Virginia, Boaz trouxe ao concerto um mosaico de emoções”, disse um expectador. “Eles enriqueceram a noite com sua profunda compreensão das peças apresentadas”, disse outro.
A relação autêntica da pianista com a música, sua superação e coragem, não apenas revelaram o que é mais profundo e inexplicável, mas também nos conectam e nos inspiram a viver de maneira mais plena, reconhecendo e, através da arte celebrando a vida em nossas interações interpessoais. Assim como Jankélévitch nos ensina, esse concerto nos lembra da beleza do indizível, da magia do momento presente e da capacidade da música de nos conectar com o que há de mais essencial e inefável em nós mesmos. Virginia Hogan e Boaz Sharon, através de sua arte, no presentearam com este vislumbre do infinito, uma experiência que palavras não podem capturar, mas que ressoará eternamente em nossas almas.
A sincronicidade do evento dá-se pela ocasião das comemorações de independência do país vizinho, pelos 100 anos da encomenda de "Rhapsody in Blue", e ainda pelos dois séculos de laços diplomáticos entre Brasil e Estados Unidos, o Concerto Americano, como foi chamado, realizou-se em colaboração da OSTNCS com a Embaixada Americana no Brasil e a Casa Thomas Jefferson, fazendo pertinente tributo à riqueza das culturas musicais dessas duas nações, acentuadas pelas linhas de Niemeyer. Estiveram presentes o público cativo dos concertos semanais da OSTNCS e autoridades diplomáticas dos dois países.
PROGRAMA DO CONCERTO AMERICANO, 4 DE JULHO DE 2024
Fanfarra para um Homem Comum, de Aaron Copland
Começamos com a majestosa "Fanfarra para um Homem Comum" de Aaron Copland, uma peça que, com sua clareza e simplicidade, celebra a nobreza do ser humano comum. A fanfarra se desdobra em uma série de acordes poderosos e rítmicos, elevando o espírito do ouvinte e preparando-o para a jornada que se segue, tornando-se uma ode à coragem e à resiliência do espírito humano. Composta em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, a obra é um tributo aos heróis anônimos. A fanfarra ecoou pelo teatro como um chamado às armas, uma celebração da força interior que reside em cada indivíduo. Sobre a obra, com sua simplicidade majestosa, podemos fazer uma referência à filosofia da inefabilidade de Vladimir Jankélévitch, em que observou na música a expressão capaz de capturar emoções que palavras não conseguem descrever.
Rhapsody in Blue, de George Gershwin, obra de 1924
A "Rhapsody in Blue", em arranjo inédito para 2 pianos, comissionado pela renomada pianista e solista Virginia Hogan, ao compositor norte americano John Wallace, foi o ápice da noite. Gershwin, com sua habilidade inata de mesclar o clássico com o jazz, criou uma obra-prima que transcende o tempo. “As mãos da Virginia deslizaram pelas teclas do piano, dando vida à melodia envolvente e ritmos sincopados. A estreia mundial do novo arranjo foi uma celebração da inovação e do legado duradouro de Gershwin. A peça, com sua fusão de estilos, exemplifica a noção Jankélévitch de música como um fenômeno que transcende barreiras culturais e temporais, evocando o inexprimível através de suas harmonias e ritmos. A obra nos leva a um mundo de exuberância e inovação, onde o jazz e a música clássica se encontram em uma tapeçaria de som que é ao mesmo tempo familiar e surpreendente. "Rhapsody in Blue"de Gershwin é um testemunho da inefabilidade da criatividade humana, uma peça que desafia categorizações e transcende gêneros.
Adágio para Cordas, de Samuel Barber
Segue-se o "Adágio para Cordas" de Samuel Barber, uma obra de beleza dolorosa e profunda emoção. As notas lentas e sustentadas do adágio parecem suspender o tempo, criando um espaço onde a tristeza e a esperança coexistem em perfeita harmonia. Esta peça é um lembrete poderoso da capacidade da música de expressar o que as palavras não podem, de tocar as cordas mais íntimas do nosso ser. A peça é uma meditação musical, um momento de introspecção profunda. Composta em 1936, ela é conhecida por sua beleza melancólica e profunda expressividade. Sob a regência de Mariana Menezes, a orquestra trouxe à vida a intensidade emocional da obra, cada nota ressoando como um suspiro do coração. Este adágio é um perfeito exemplo da música como veículo para o inefável, traduzindo em sons as emoções mais profundas e complexas que palavras falham em capturar.
Bachianas Brasileiras No. 8, de Heitor Villa-Lobos
Por fim, somos transportados ao mundo exuberante e multifacetado de Heitor Villa-Lobos com a "Bachianas Brasileiras No. 8, uma obra que funde as influências de Bach com a inventividade do compositor brasileiro. Villa-Lobos nos convida a explorar a interseção entre tradição e inovação, entre o familiar e o exótico, revelando a inefabilidade da cultura e da identidade. A genialidade do maestro e compositor, fundiu elementos da música barroca de Bach com o folclore brasileiro, criando uma obra que é ao mesmo tempo erudita e profundamente enraizada na terra (Brasil). A interpretação foi um mergulho nas cores e ritmos dessa celebração da identidade cultural que pode unir culturas e nações. Suas obras repletas de complexidade e beleza, ressoa com a ideia de Jankélévitch de que a música é uma arte que sugere mais do que afirma, uma dança entre o dito e o indizível.
SOBRE OS ARTISTAS
Virginia Hogan
Nascida no Brasil e naturalizada estadunidense, Virginia Hogan iniciou seus estudos musicais na infância sob a tutela do renomado pianista Arnaldo Estrella. Sua estreia profissional aos 16 anos, sob a regência de Isaac Karabtchevsky, marcou o início de uma brilhante carreira. Virginia Hogan recebeu seu diploma de bacharel em piano, com louvor pelo Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro aos dezessete anos. Venceu uma competição nacional de piano e recebeu uma bolsa integral para estudos de mestrado na Alemanha. Fez mestrado em performance pianística na Universidade Karl Marx na Alemanha e cursos pós graduação no Horschule fur Musik em Viena e na Arizona State University nos EUA.
Virginia é uma artista Steinway que escolhe e inaugura pianos Steinway de concerto há mais de trinta anos pelo mundo. Ela tem se apresentado em importantes salas nos cinco continentes, incluindo o Carnegie Hall em Nova York, como também atuou no programa acadêmico para pessoas com deficiência visual. Sua versatilidade e expressividade ao piano lhe renderam elogios tanto do público quanto da crítica especializada. Além de suas performances solo, Virginia tem colaborado com diversas orquestras de renome e participado de festivais internacionais. Seu trabalho inclui a gravação de obras de compositores brasileiros e americanos, contribuindo para a difusão e valorização da música clássica desses países. Participou de programas de rádio em Joanesburgo e Moçambique. Eleita pela imprensa americana em 1993 como a Mulher do Ano, Virginia é uma artista dedicada, cuja paixão pela música se reflete em cada apresentação.
Boaz Sharon e Virginia Hogan são pianistas conhecidos por suas contribuições ao mundo da música - Foto de Bruno Guedes - acervo OSTNCS
Boaz Sharon
O pianista Boaz Sharon é Diretor Artístico do Tanglewood Summer Piano Program e ex-chefe do Departamento de Música da Universidade de Boston. É artista Steinway & Sons convidado para banca de concursos de piano em todos os continentes. Boaz é vencedor de vários prêmios americanos e internacionais de piano e é palestrante frequente em diversas universidades dos Estados Unidos.
Foto de Bruno Guedes - acervo OSTNCS
Mariana Menezes
A Maestra Mariana Menezes é formada sob a orientação de mestres como Riccardo Muti e Giancarlo Guerrero, Desde 2021, tem sido a alma da Orquestra Filarmônica de Goiás, encantando plateias por onde passa. Sua trajetória é um compêndio de conquistas, tendo já dirigido a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), a Orquestra do Teatro Municipal de São Paulo e a Orquestra Sinfônica Brasileira.
Foto de Bruno Guedes - acervo OSTNCS
Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro (OSTNCS)
Fundada em março de 1979, pelo maestro e compositor Claudio Santoro, a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro (OSTNCS) é uma das principais instituições do gênero no Brasil. Em sua trajetória de 45 anos de existência, realizou inúmeros de concertos, temporadas de ópera e ballet, acompanhou artistas nacionais e internacionais, participou de gravações, turnês nacionais e internacionais. Após a morte do maestro Santoro, em 1989, o Teatro Nacional foi renomeado, e também em homenagem ao compositor, a orquestra foi denominada Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro. Há quase 10 anos sem sua sede, os músicos da orquestra e seu público cativo aguardam ansiosos que a reforma do Teatro Nacional Claudio Santoro saia do papel para retornar ao ambiente mais adequado para suas atividades, ensaios e concertos. Já tendo passado por outros ambientes temporários, nas duas últimas temporadas a OSTNCS vem realizando suas atividades na Sala Plínio Marcos. Entre os maestros que passaram por lá, podemos destacar as atuações de Claudio Santoro, Emilio De César, Silvio Barbato, Ira Levin e Elena Herrera, entre outros; seu atual regente titular é o maestro Cláudio Cohen.
*Citações:
Martin Buber (1878 - 1965) foi um filósofo judeu-austríaco e israelense conhecido por sua filosofia do diálogo, uma forma de existencialismo centrada na distinção entre a relação Eu-Tu e a relação Eu-Isso. Nascido em Viena, Buber veio de uma família de judeus praticantes, mas rompeu com o costume judaico para prosseguir estudos seculares de filosofia. Buber produziu escritos sobre o sionismo e trabalhou extensivamente com vários órgãos dentro do movimento sionista ao longo de um período de quase 50 anos, abrangendo seu tempo na Europa e no Oriente Próximo. Em 1923, Buber escreveu seu famoso ensaio sobre a existência, Ich und Du (mais tarde traduzido para o inglês como I and Thou), e em 1925 começou a traduzir a Bíblia Hebraica para a língua alemã refletindo os padrões da língua hebraica. Buber foi indicado dez vezes ao Prêmio Nobel de Literatura e sete vezes ao Prêmio Nobel da Paz.
Vladimir Jankélévitch foi um filósofo e musicólogo francês-judeu, nascido em 31 de agosto de 1903 e falecido em 6 de junho de 1985. Era filho de pais judeus ucranianos, que emigraram para a França. Em 1922 começou a estudar filosofia na École normale supérieure de Paris, sob a orientação do professor Bergson. Em 1924 ele completou sua tese DES (diplôme d'études supérieures, equivalente a uma tese de mestrado) sobre Le Traité: la dialectique. Ennéade I 3 de Plotin sob a direção de Émile Bréhier. De 1927 a 1932 lecionou no Institut Français de Praga, onde escreveu seu doutorado sobre Schelling. Regressou a França em 1933, onde lecionou no Lycée du Parc em Lyon e em muitas universidades, incluindo Toulouse e Lille. Em 1941 juntou-se à Resistência Francesa. Após a guerra, em 1951, foi nomeado para a cátedra de Filosofia Moral na Sorbonne (Paris I depois de 1971), onde lecionou até 1978. Em maio de 1968, foi um dos poucos professores franceses a participar dos protestos estudantis. A extrema sutileza de seu pensamento é evidente ao longo de suas obras, onde às menores gradações são atribuídas grande importância.
Texto: Gabriela Anacleto Ribeiro (jornalista, pesquisadora do Laboratório de Política, comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP LABÔ | Grupo de Pesquisa Judaísmo Contemporâneo: Literatura e Filosofia judaica)
Assessoria de imprensa: Marizan Fontinele
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