1976: O Exílio Interior de Arnaldo Baptista

0 O Abrigo

Arnaldo olhava para a televisão como se ela fosse uma entidade viva. Sentado no chão do subsolo da casa na Rua Pelotas, nº 497, ele murmurava frases em um idioma estranho, algo entre russo e um dialeto inventado. Seus amigos, os antigos companheiros de rock da Pompéia, tentavam chamá-lo de volta à realidade.

— Arnaldo! Sou eu! Fulano!

Mas ele não os reconhecia. Seu olhar atravessava as pessoas, perdido em alguma frequência que só ele conseguia captar. Havia algo em sua expressão que misturava alheamento e convicção. Como se estivesse em outro mundo, como se tudo ao seu redor fosse uma cena de um filme em preto e branco.

 

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No subsolo daquela casa, ele passava dias, acumulando sacos de lixo nos cantos da sala, vestindo um sobretudo gasto, cercado por velas acesas sobre amplificadores. O cheiro era insuportável, mas ele não parecia notar. A música continuava pulsando em sua mente. O Kiss era a banda que ele idolatrava, e agora, mais do que nunca, ele se via como um rockstar solitário, sem plateia.

Foi ali que nasceu o conto "O Abrigo". No meio do caos, entre a febre criativa e a loucura iminente, Arnaldo transformava sua dor em arte.

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A coluna Let It Rock, de Ezequiel Neves, anunciava com entusiasmo:

"Arnaldo Baptista, fundador dos Mutantes, agora atende por um novo nome: Billy Cheese. Ele trocou os teclados pela bateria — nada menos que uma imponente Ludwig Silver Sparkle com dois bumbos, para ser mais exato — e está mandando ver completamente sozinho, com solos capazes de enlouquecer o bairro de Higienópolis."

Os vizinhos não estavam tão entusiasmados quanto o jornalista. Mas Arnaldo não se importava. Ele explicava o novo nome com a naturalidade de quem traduzia um sonho:

— Billy Shears, do Sgt. Pepper's, e Leslie West, do West, Bruce & Laing. O Leslie é meio gordão-de-queijo, e canta numa letra: "meu coração é cheio de cheese e não há lugar para escondê-lo." Que coisa, né? Gozado...

Quanto aos Mutantes, ele foi categórico:

— De agora em diante, só toco bateria. Fim de papo.

E tocava. Tocava como se sua vida dependesse disso.

No dia 27 de maio de 1976, uma quinta-feira triste, Arnaldo perdeu o pai. César Dias Baptista morreu em São Paulo, pouco antes de completar 63 anos. Jornalista, escritor, poeta, cantor lírico na juventude, diretor de uma secretaria de Estado. Um homem que sempre fora reverenciado pelos filhos.

Arnaldo sentiu a perda como um golpe na alma. Afastou-se ainda mais da música. Ou talvez, afundou-se nela.

Em agosto daquele ano, outra tempestade se armava. Rita Lee, grávida de dois meses, foi presa sob acusação de posse de drogas. Os policiais do DEIC bateram à porta da casa na Rua Pelotas com um mandado de busca. Ela, que já havia parado com tudo, até mesmo com cigarros comuns, tentou argumentar:

— Se vocês tivessem passado aqui uns meses atrás, teriam achado bem mais de um quilo. Mas agora não tem mais nada...

Não adiantou. Ela foi levada para a Penitenciária Feminina.

Ao saber da prisão, Arnaldo teve uma ideia inusitada. Dirigiu-se a uma delegacia portando um enorme cigarro de maconha. Sua intenção era clara: ser preso também. Mas os policiais, notando seu estado confuso, explicaram que ele não ficaria na mesma cela que Rita. Sem entender direito, ele acabou liberado.

Dias depois, apareceu na penitenciária para vê-la. Aproximou-se das grades, com o olhar perdido.

— De quem é o seu filho? — perguntou.

Rita suspirou.

— Você não conhece...

Arnaldo hesitou.

— Eu posso ser o pai do seu filho, se você quiser... Se não tiver ninguém...

Rita foi firme:

— Cai fora, Arnaldo! Meu filho tem pai, sim.

Ele permaneceu em silêncio. A realidade se impôs. Era tarde demais para declarações de amor.

Arnaldo seguiria. De um jeito ou de outro. Mas aquele 1976 ficaria marcado para sempre.

Meses depois, em outubro, Rita subia ao palco do Ginásio do Palmeiras com o Tutti Frutti. O show Entradas e Bandeiras marcava o início de uma nova fase. 

(mário pazcheco)

"Era comum nas bandas dos anos 60, não? Um membro extremamente talentoso que acabava se perdendo no LSD e em problemas de saúde mental." (bunny-lator)

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