1988: ARNALDO E A PATRULHA DO ESPAÇO: ELO PERDIDO (PARTE 8)
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1988
LP
Elo Perdido
Elo Perdido é mais um trabalho grandioso e histórico da banda seminal Arnaldo e a Patrulha do Espaço, em seu o único álbum de estúdio com a formação Arnaldo Baptista, Kokinho, Júnior e John Flavin. Suas faixas são impecáveis, e o legado da banda consolida a história do rock brasileiro.
Nos sebos, circulavam rumores sobre o lançamento de mais um álbum de Arnaldo e a Patrulha do Espaço — uma das fitas gravadas em agosto de 1977 no Estúdio Vice-Versa — que permanecia sob a guarda de Arnaldo. Os direitos dessa fita foram adquiridos pelo baterista e produtor Júnior, que me comunicou por carta o lançamento e o título do disco: Elo Perdido.
Após uma semana de expectativas e ansiedade, em um belo dia de dezembro de 1988, recebi de presente uma cópia do álbum. Com o disco em mãos, uma estranha sensação de familiaridade tomou conta de mim. As fotos e as músicas pareciam ecos de algo já vivido. Permaneci ali, imóvel, contemplando cada detalhe em um silêncio profundo, como se reencontrasse antigas memórias.
"Sunshine," a faixa mais longa do álbum, foi escolhida para abrir o lado A. Com uma melodia típica de Arnaldo, a canção explora um de seus temas preferidos: ‘Quero ver o nascer do sol / Antes do último comercial.’ Esses versos evidenciam a sutileza refinada de uma balada bluesy, despojada e repleta de talento, que se deve à impecável atuação da banda: Júnior nos pratos, peles e bumbos; Kokinho nos graves; Flavin (ex-Secos & Molhados) na guitarra blues; e Arnaldo ao piano-bar, servindo doses de humor e fina ironia.
"Sunshine" é uma obra gloriosa, uma daquelas canções cósmico-fantásticas, um rock'n'roll/pop-drop que celebra o nascer do sol e o brilho intenso, com olhos fixos no alvorecer quase epifânico do dia. De forma irônica, Arnaldo avisa: "Sei que o mundo está superpopulado / Mas não há ninguém no meu quintal." Nesse momento, a guitarra de Flavin lamenta suavemente, quase como um complemento emocional.
Curiosamente, durante a gravação, houve uma pausa abrupta para discutir a forma correta do termo "superpopulado." Optou-se por mantê-lo, já que transmitia coesão e intensidade ao significado de excesso populacional. Resolvido o impasse, a banda pôde retomar a gravação, consolidando a faixa como um dos momentos mais brilhantes do álbum.
A Patrulha mantém o ritmo hard e sujo, mergulhando em "Sexy Sua", uma faixa definitivamente própria, um rockão onde baby está mais sexy que a musa da nouvelle vague. Reafirmando a fé, precocemente enterrada, no bom e velho rock’n’roll, Arnaldo surge como o articulador que une guitarra, contrabaixo e bateria, transformando-os na base que dá corpo e vigor musical à canção.
O piano, por sua vez, assume a função de criar e lapidar as linhas musicais, com a elegância do toque sutil das notas “arnaldianas,” que cortam o ar como flashes de películas protagonizadas por Brigitte Bardot.
Em um momento de pura inspiração, escrevi o parágrafo abaixo e, para minha surpresa, o revisor Roberto Gicello passou a encará-lo com seriedade. No auge do paroxismo criativo, acabei cunhando as "notas arnaldianas", batizando-as em homenagem ao próprio músico!
"Corta Jaca" não é uma referência ao clássico tema de Chiquinha Gonzaga, mas sim uma gíria para tempos difíceis. A expressão dá nome a uma das ideias originais que destacam a proposta inovadora da Patrulha do Espaço na época (1977). A banda mostrava-se à frente de seu tempo, enfrentando com ousadia os desafios de criar música apenas com talento, enquanto lidava com bolsos vazios, em um cenário dominado pela invasão do punk inglês e o dilúvio da disco music americana.
A disco music monopolizava as pistas de dança e as rádios, impulsionada por filmes como Os Embalos de Sábado à Noite. Revistas da época promoviam incansavelmente o "som chicoteque," alimentado pela pressão de um mercado nacional carente e eternamente dependente das novidades americanas. Nesse contexto, tanto a MPB quanto o rock brasileiro sofriam para manter seu espaço. Por isso, "cortar jaca na cidade" era duro. E a pergunta ecoava: onde está o nosso rock’n’roll?
A Patrulha aperta o acelerador e mergulha fundo nas raízes do rock, optando por um som autêntico, corajoso e vibrante. Essa abordagem reforça a ideia de um rock nacional com identidade e qualidade próprias, trazendo letras e temas de grande apelo popular. Além disso, ousaram investir na autopromoção — algo completamente inovador na época, quando viver exclusivamente de tocar rock era praticamente impossível.
"The Irishman who isn't Scottish"
O Lado A se encerra com um blues melancólico e sonolento, onde o órgão emula com precisão a sonoridade clássica das décadas de 1940 e 1950, a era dourada do rhythm and blues. Trata-se de um exercício deliciosamente preguiçoso, em um andamento lento, com John Flavin ("o irlandês que não é escocês") vibrando as cordas com maestria. Enquanto isso, Arnaldo, em algum lugar da Europa, aguarda ansiosamente pelo "Trem," contando os minutos para finalmente voltar para casa, ou seja, para o Brasil.
Depois de cruzar estradas, pegando carona atrás de um "Raio de Sol," quando o tecladista ainda demonstrava um bom coração, a Patrulha retorna ao universo do blues com "Um Pouco Assustador." A faixa revive o espírito dos blues imortalizados por Janis Joplin, lembrando clássicos como "One Good Man" e "Ball and Chain." Afinal, todos os blues têm algo em comum: aquele ar selvagem e eletrizante que Janis tão bem representava.
A atmosfera de "Um Pouco Assustador" é carregada de intensidade e sensualidade, refletida nos versos: "São jatos de energia retilíneos emitidos, e eu curto pacas." A descrição remete, quase explicitamente, à liberação de uma tensão incontrolável, uma busca sensata e poética por uma paranoia excitante que pouco ecoa por aí.
Essa viagem sonora destroça noções de limites e dissolve a percepção do tempo, enquanto as cordas da guitarra deslizam em glissandos poderosos. O resultado é uma experiência inigualável — desesperadora e ao mesmo tempo fascinante. Arnaldo, em sua provocação característica, lança uma ameaça à queima-roupa ao ouvinte: "Mas me diz uma coisa: essa música não excita você?" Uma pergunta que dispara o gatilho de múltiplas emoções e interpretações.
Em uma súplica envolvente, composta por retalhos de um amor ofuscado e sedutor, ele implora: "Fique comigo." Em seguida, mergulha ainda mais fundo, chegando ao ultimato irresistível: "Apague as luzes e vamos deitar." É a malícia refinada de quem compôs e gravou o melhor rock'n'roll no país do samba, transbordando autenticidade e ousadia.
Aplausos aos músicos e à caprichada capa criada pela Equipe Stampa, enriquecida pelas diversas fotos de Grace Lagôa e pelo belo encarte, que complementam e elevam o trabalho original e apaixonado de Elo Perdido, considerado o fóssil do rock nacional, lançado pela Vinil Urbano. Arnaldo e a Patrulha do Espaço ainda possuem algumas músicas inéditas, como "Mamãe da Rua" (“Foi um dos primeiros rocks que tocávamos apenas como banda ao vivo, ainda no período em que o Arnaldo fazia parte, mas sem a sua presença específica nesse momento.” — (Rolando Castello Júnior) O funk "O Meu Barato". A versão de ensaio de "Jesus Come Back to Earth" e takes ao vivo inéditos de Faremos Uma Noitada Excelente... Encontrar e lançar esse material seria, sem dúvida, um verdadeiro milagre!
Elo Perdido recebeu ótimas críticas em publicações como as revistas Animal e Bizz. No entanto, a mais destacada foi publicada no jornal O Globo. O álbum alcançou a marca de 600 cópias vendidas, superando o anterior, Faremos Uma Noitada Excelente..., que teve uma tiragem limitada de apenas 500 cópias, já esgotadas.