1979: UM BEATLE EM INTERLAGOS

1979

 

Com o fechamento das revistas musicais, a Somtrês não só cobria artistas como Rolling Stones, Made in Brazil e Beatles, mas também abordava discretamente a nova onda do heavy metal inglês. Diante da falta de informações, começamos a buscar conteúdo em jornais como Correio Braziliense e O Globo.

UM BEATLE EM INTERLAGOS

George Harrison: “Eu não sou macaco de zoológico”

A viagem de George Harrison deveria ser promocional e ele aproveitaria a oportunidade para assistir à corrida de Fórmula 1 em Interlagos. Sem explicações, a WEA cancelou o programa. Mas Harrison desembarcou no Rio de Janeiro numa quarta-feira abafada, às 16h. Mal colocou os pés no Aeroporto do Galeão, foi delirantemente aclamado por uma multidão de cotovelos, olhos esgazeados e gritinhos exumados à histeria da década anterior. O ex-Beatle voltou como um relâmpago às páginas do romance de H. G. Wells, O Homem Invisível: “Que inveja de Griffin, o homem que desaparecia na luz...” Apenas uma fã, Catarina Cunha, entre centenas de adolescentes que o esperavam, conseguiu furar o cerco policial, ganhou um beijo e um autógrafo. Harrison conseguiu escafeder-se. Mais tarde concedeu uma coletiva na sede da gravadora. 

O artista vivia um momento particularmente positivo: casado com Olivia Arias, ele curtia o filho do casal, Dhany de seis meses e fundava a produtora Hand Made (A História de Brian). Nas entrevistas, ele usava a sua viagem inicial pelo LSD como figura de linguagem para explicar sua opção pelo retiro.

“Viajamos umas 12 horas. Senti quando saí do meu corpo e vi com clareza esta coisa do ego. Na nossa vida tudo tem a ver com ele, e só então entendi que a gente perde muito tempo se preocupando com isso. O ego é como você falar do terno de uma pessoa e não de quem o usa”.

 

Em São Paulo

Antes mesmo da própria gravadora de George Harrison confirmar sua vinda, os sócios do Beatles Cavern Club de São Paulo já sabiam a data de sua chegada, informados diretamente por Emerson Fittipaldi, amigo do roqueiro. Saber onde encontrá-lo também não foi difícil, bastou rastrear os hotéis cinco estrelas utilizados pela gravadora WEA e dar uma busca nas listas de reservas de cada um. Assim, descobriu-se o registro de um industrial inglês cujo nome era um trocadilho de George Harrison; ardil já utilizado pelo ex-Beatle nos créditos do disco Family Friends, de Ravi Shankar.

Uma conhecida máxima na Fórmula 1 diz que “chegar é uma coisa, passar é outra”. Para a ânsia lunática dos beatlemaníacos paulistanos, o aproach ao cantor não foi tão diferente, a perseguição foi indócil e quase frustrante: o inglês esquivava-se de tudo relacionado à sua ex-banda. Mas fanático que é fanático não desiste fácil. Depois de subornar guardas de segurança, perseguir o carro do ídolo pelas ruas de São Paulo e filmá-lo à distância, os garotos mudaram de estratégia: trocaram as camisetas do Cavern Club por roupas comuns e substituíram os discos dos Beatles que levavam nas mãos por álbuns solo de George — assim conseguiram, finalmente, bater um papo com ele.

No sábado, 3 de fevereiro, George chegou cedo ao autódromo para acompanhar as tomadas de tempo para o GP Brasil. Sempre acompanhado do ex-piloto Jackie Stewart e do piloto Rupert Keegan, ficou a maior parte do tempo assistindo ao treino no palanque da Copersucar, armado no miolo do autódromo. "Só pude aproveitar um pouco nos últimos três dias, pois, antes, simplesmente não tive paz", desabafou Harrison.

 

João Luiz de Albuquerque/Manchete — Quer dizer que os Beatles nunca mais tocarão juntos?

 

GEORGE — Não creio que isso vá acontecer. Seria como reunir os Irmãos Marx outra vez. Ou o Gordo e o Magro...

Foi uma das várias perguntas que George respondeu rodeado por repórteres e pelas belas mulheres que o procuravam. Apesar de tudo, o sucesso marcou, mas ficou para trás e ele agora quer ser apenas um homem como os outros. 

 "Me senti como se estivesse diante de Deus"

— José Emílio Rondeau.

Eu cresci, da mesma maneira que minha geração, a anterior e algumas seguintes, admirando esse cara que está agora à minha frente. Junto com John Lennon, Paul McCartney e Ringo Starr, George Harrison formava a mais importante banda de rock de todos os tempos — e até mais que isso: juntos, eles viraram o mundo ao avesso e passaram a representar tudo o que um adolescente queria. Eu tinha apenas 13 anos — e me lembro de como os Beatles estavam ligados a todas as coisas: contestação, psicodelia, cabelos longos, a gíria, a ascensão da guitarra, o rock. Os Beatles eram Deus e o Mundo.

E hoje, aos 22 anos, eu estou diante de um daqueles quatro deuses, falando com ele um sonho real. Aos 37 anos, George Harrison é agora um homem maduro, sereno e simples, que cuida sozinho de seu jardim, vive com a mulher e o filho de 6 meses, que gosta de música clássica indiana e de corridas de automóveis — foi para assistir ao Grande Prêmio de Fórmula 1 que ele acabou vindo ao Brasil, de surpresa, quando ninguém mais acreditava que viesse.

Falar com ele foi como falar com minha própria adolescência. Ou como rever um velho amigo que nunca conhecera pessoalmente. Voltar aos tempos dos Beatles... no fim da entrevista, George decidiu atender aos fãs que há horas esperavam para vê-lo. Cercado por guardas de segurança da gravadora WEA, teve que correr até o carro que ia levá-lo ao aeroporto, enquanto as meninas gritavam, socavam o capô, atiravam-se à frente. Quando finalmente conseguiu partir, fiquei vendo a poeira do Galaxie, com um nó na garganta.

 

“Os Beatles fizeram como os grandes campeões; se aposentaram na hora certa”.

 

POPVocê, que era em primeiro lugar um guitarrista, agora está diversificando seus interesses, produzindo filmes, ligando-se a corridas. Como ocorreu essa mudança?

 

GEORGE HARRISON — Bem, em primeiro lugar, eu sou um jardineiro. Passo a maior parte de meu tempo, hoje, plantando: só em novembro, plantei mais de 50 mil mudas. Em segundo lugar, eu sou um compositor; em terceiro, um guitarrista; e em quarto, um cantor. Essa é mais ou menos a ordem. Em minha vida, tudo aconteceu mais ou menos como num trampolim: tocar guitarra levou-me para a música, a música levou-me para os Beatles, os Beatles foram um trampolim para os discos, aí me envolvi com gente de cinema. Resolvi produzir o filme do Monty Python, porque sou um fã deles, e quando os antigos financiadores se afastaram, eu entrei. Quanto às corridas, bem, eu gosto delas desde os 12 anos de idade, mas antes não podia ir a nenhuma, por causa da popularidade dos Beatles. Hoje posso, e vou.

 

POPQuando você lançou seu primeiro disco individual, All Things Must Pass (relançado agora no Brasil pela Odeon), houve uma grande reação positiva. Depois, na excursão de 74, as críticas foram totalmente negativas. Isso o afetou?

 

GEORGE — Tudo na vida é um ciclo: você sabe, depois tem que descer. Não é nada bom quando te criticam tanto, mas ajuda: ou você enlouquece e se mata, ou se fortalece. Além disso, naquela excursão eu perdi a voz.

"Eu não quero, nunca mais, ser famoso como fui antes”.

 

POPE quanto a John?

 

GEORGE — Acho que John não pega na guitarra há uns três anos. Ele vive no Japão e em Nova York, tomando conta de seu bebê, Sean. Eu tenho um filho de seis meses, e é muito melhor ficar com ele, em casa, do que estar dizendo todas essas besteiras sobre os Beatles. Com todo o respeito que tenho pelos Beatles: aquilo foi bom para aquele tempo, mas... sabe, algumas pessoas, como Paul, têm necessidade de estar na televisão, nas paradas. Eu não.

 

POPVocê não acha importante mostrar sua música?

 

GEORGE — Eu acho importante, quando você faz um disco, as pessoas saberem que ele existe. Seria uma vergonha se ninguém soubesse. Mas ser famoso, não. Te deixa maluco. Seria muito bom que todo mundo que quer ser famoso pudesse sê-lo, por uma semana, pra sentir como é duro?

 

POPA transição difícil?

 

GEORGE — Foi fácil. Uma das razões da separação foi que todos nós escrevíamos um monte de músicas e gravávamos só três ou quatro. Era como ter prisão de ventre. Com o All Things Must Pass, então, banheiro: o disco tinha dezoito músicas, um alívio. Aliás, o disco de ouro que ganhei por ele está pendurado exatamente no meu banheiro. Trabalhar sozinho, então, foi fácil, já que eu tinha músicas.

“Olhe, nós já estávamos cheios de tanta Yoko...”.

 

POPQuando começaram as más vibrações entre os Beatles?

 

GEORGE — Em 1967, quando John se juntou a Yoko. Antes de tudo era muito bom, tudo. Havia turbulências, claro, passamos por coisas que ninguém imagina. Aí, durante o filme Let it Be, as coisas estavam péssimas. Eu deixei a banda durante as filmagens, já estávamos cheios de tanta Yoko. Ela estava tentando entrar para os Beatles, então Paul arrumou Linda para se apoiar. Foi demais pra mim, elas estavam em todos os lugares. Levei Eric Clapton para tocar conosco em While My Guitar Gently Weeps porque, tendo alguém olhando, John e Paul teriam que tocar direito: os dois faziam tantas músicas que, quando chegava a minha vez, eles sempre tentavam estragá-la. Era como lidar com crianças, sabe? As pessoas pensavam que tudo era um mar de rosas. Mas nós vivíamos num inferno.

 

POP — Qual sua reação quando o empresário Brian Epstein morreu?

 

GEORGE — Me senti muito triste. Foi como se alguém tivesse tirado nosso chão. Não sabíamos para onde olhar, nem pra onde ir. Até aquela época, nós não organizávamos nada, não sabíamos nada de negócios. Brian fazia tudo, era como um juiz, um guia.

 

POPOs Beatles são considerados o início de tudo o que hoje é chamado rock. Você concorda com isso?

 

GEORGE — De certa forma, sim. Somos parte da história, embora em relação a todas as modificações da época nós tenhamos sido vítimas das circunstâncias tanto quanto os demais. Os Beatles foram importantes, sim, mas não éramos a resposta para os problemas do mundo. Fomos a melhor banda: até hoje não há nada igual. Mas o resto era bobagem, e havia tantas pressões... Sabe, foi importante que nós nos separássemos: um dia os Beatles cairiam. E é melhor fazer como Muhammad Ali: ganhar o campeonato e se aposentar, como Jackie Stewart fez na Fórmula 1. Os Beatles, então, foram assim: nós ganhamos todo os campeonatos e depois nos aposentamos. Antes que começássemos a cair.

“Naquele tempo, viver um ano era como viver vinte anos”.

 

POPPor que vocês deixaram de se apresentar ao vivo tão cedo, em 1966 ainda?

 

GEORGE — Porque nossa vida era muito concentrada. Um ano era como vinte anos. O tempo todo havia pressões, imprensa, o público, voando de um lado para outro, tumultos em cada cidade. Um ano, para cada um de nós, era uma vida. E, por volta de 1965, 66, eu, por exemplo, me sentia como se já tivesse vivido trezentos anos!

“Foi uma experiência incrível sair de meu próprio corpo”.

 

POPComo foi que você começou a se interessar por assuntos espirituais?

 

GEORGE — Bem, um dia, eu, John e nossas esposas fomos jantar. E John colocou ácido em nosso café. Nós não sabíamos o que era aquilo, e ele nos disse: "Aconselho que vocês não saiam". Depois, pensando que ele nos estava convidando para uma orgia em sua casa, saímos. Acabamos entrando numa discoteca chamada Ad Lib — e uma porção de coisas incríveis começaram a acontecer. Parecia que estávamos na pré-estreia de alguma coisa, achamos que o elevador estava em chamas (havia apenas uma luz vermelha), e quando saímos dele estávamos todos gritando. Foi incrível. E depois dessa experiência de deixar meu próprio corpo, de ver meu ego, passei a procurar alguma coisa mais real. Então me liguei em música clássica indiana, fui à Índia, passei algum tempo com Maharishi Mahesh Yogi, em Bangor, para me encontrar.

 

POPVoltando ao Monty Python: como você começou a trabalhar com eles?

 

GEORGE — Eles são meus velhos amigos. Eric Idle, um deles, escreveu comigo o roteiro para o filme dos Rutles, uma paródia dos Beatles feita pelo Monty Python, no qual até eu trabalhei. Os Rutles foram uma liberação, pra mim, uma piada com os Beatles. E tudo deve ter um lado engraçado.

 

POP Você, que representou o rock de toda uma geração, como vê o rock dos anos 80?

 

GEORGE — Deverá ser bom. Mas, sinceramente, não presto muita atenção à música que predomina hoje. Gosto de algumas coisas, como Elton John e Ry Cooder. Mas quando quero me sentir bem, ouço música clássica indiana, que tem suas raízes no espírito.

 

O Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 foi vencido por uma dobradinha da Ligier, com dois franceses à frente: Jacques Laffite e Patrick Depailler (o anfitrião e amigo do músico, Emerson Fittipaldi, chegou num melancólico 11º lugar).

 


 “Eu proponho 1979 como o ano zero da cultura brasileira. Não há consumo, só dispersão. Eu acho que o Brasil terá novos partidos políticos com facilidade.

“Foi dado o corte epistemológico, eles têm que ver. No livro corre a estória dentro da história, dando como síntese o que chamo de heustorya. Guimarães Rosa escreveu a estória e não incorpora a história.” (Glauber Rocha)

 

JANEIRO

Revogação do AI-5.

Ivan Cardoso, fotógrafo, registrou o encontro histórico entre Glauber Rocha, Hélio Oiticica e Roberto Gerchman no apartamento de Daniel Más, no Rio de Janeiro, no final de 1978. O evento, que foi uma ocasião importante para a cultura brasileira, foi publicado como uma reportagem especial na revista Vogue.

21

JANEIRO
Domingo

"O redator distorceu minhas palavras, fez uma matéria escandalosa porque eu propus uma coisa óbvia como a lua: o general Figueiredo nomear um intelectual para o Ministério da Educação e Cultura. São ignorantes, não sabem sequer que o De Gaulle nomeou o André Malraux. Distorceram e disseram que eu estava para trás, que era um corrupto, cobra mandada que recebia dinheiro do governo, uma coisa inteiramente absurda, irresponsável. Eu ia escrever uma carta, mas deixei pra lá. quer dizer, a revista diz que é minha amiga, eu converso numa boa o cara vai lá e faz uma coisa dessas. Felizmente o Paulo Francis escreveu um artigo me defendendo, esculhambando essa desonestidade. Você não pode discordar de nada."
(Glauber Rocha in Jornal de Brasília).

OBITUÁRIO

02

FEVEREIRO
Sexta-feira

Sid Vicious (nome artístico de John Simon Ritchie-Beverly, Londres, 10 de Maio de 1957 — Nova Iorque, 2 de Fevereiro de 1979). Pela manhã, Sid Vicious é posto em liberdade. 

No início da noite é achado morto em seu apartamento no Greenwich Village. Ele foi um músico inglês, conhecido por tratar-se de um ícone da cultura punk, baixista da banda Sex Pistols.

Antes de se juntar à banda Sex Pistols, Sid Vicious foi baterista do Siouxsie and the Banshees e também atuou como vocalista na banda The Flowers of Romance.

FEVEREIRO

George Harrison, durante uma passagem pelo Brasil, expressa sua preocupação com a devastação da floresta amazônica. Antes mesmo de sua gravadora confirmar sua vinda, os sócios do Beatles Cavern Club em São Paulo já sabiam da data de chegada do ex-beatle, graças a uma conversa com Emerson Fittipaldi, amigo de Harrison. Eles descobriram onde ele estava hospedado em hotéis de cinco estrelas utilizados pela gravadora WEA, e até encontraram um registro de um industrial inglês que era um trocadilho com o nome de Harrison.

No entanto, ao tentarem se aproximar de George, os fãs não tiveram sucesso, pois ele evitava qualquer associação com os Beatles. Persistentes, os beatlemaníacos subornaram seguranças, perseguiram seu carro pelas ruas de São Paulo e filmaram-no à distância. Por fim, trocaram suas camisetas do Cavern Club por roupas comuns e os discos dos Beatles por álbuns solo de George, o que lhes permitiu finalmente conversar com ele. 

 

MARÇO

MOTÖRHEAD — OVERKILL 

A história do Motörhead, liderado por Lemmy Kilmister, vai além de sua figura icônica, envolvendo também a potência de seus integrantes, Eddie Fast Clarke e Philthy Animal Taylor. O power trio, formado nos anos 70 e 80, tornou-se um símbolo do rock e heavy metal, com uma sonoridade visceral e intensa, especialmente destacada no álbum Overkill.

Esse disco, considerado um marco da década de 1970, é descrito como uma raiz maldita que influenciou o surgimento de gêneros como Speed Metal, Thrash Metal e Death Metal. Gravado na Bronze Records, Overkill apresentou músicas épicas, consolidando o Motörhead como um ícone do heavy metal britânico, mesmo sem apoio da mídia.

A faixa título do álbum é um exemplo de sua brutalidade sonora, destacando a agressividade da bateria de Taylor, que se tornava um padrão para a música pesada. Outras canções como "Stay Clean," "Damage Case," e "Metropolis" se tornaram hinos fundamentais, mostrando que o Motörhead não tinha como objetivo vender milhões de discos, mas sim eternizar sua contribuição à cultura metálica, rock e punk. A resenha é uma homenagem a Taylor, o baterista enérgico e influente, lembrando que a verdadeira essência da vida está em buscar a felicidade e evitar a mesmice.
— Lucas Araújo Alves 

 21

MARÇO

Quinta-feira

Nasce Ava Patrya Yndia Yracema Gaitán Rocha, filha de Glauber e Paula. Glauber apresenta, para a TV Tupi, um projeto para a realização de um programa diário de entrevistas.

27

MARÇO

Terça-feira

Eric Clapton se casa com Patti Boyd.

 

27 

ABRIL

Sexta-feira

O Dia em que Ozzy Osbourne foi demitido do Black Sabbath!

 

“Foi o Bill quem me contou que eu estava fora. Isso aconteceu em 27 de abril de 1979 — uma sexta-feira à tarde. Estávamos ensaiando em LA, e eu estava fora de mim, mas isso era o normal. Era óbvio que o Bill tinha sido enviado pelos outros, porque ele não era o tipo de pessoa que demitiria alguém. Não consigo me lembrar exatamente do que ele disse. Nunca falamos sobre isso. Mas, no fim das contas, a razão era que o Tony achava que eu era um bêbado viciado em cocaína e uma perda de tempo para a banda. Para ser sincero, parecia que ele estava finalmente se vingando de eu ter saído antes. E não foi uma surpresa completa: eu já sentia, no estúdio, que o Tony estava tentando me provocar, fazendo-me regravar várias músicas, mesmo quando o primeiro take estava bom. Não deixei isso afetar minha amizade com o Bill.”

 

19

MAIO

Sábado

Eric Clapton fez uma festa em sua casa em Surrey para comemorar seu recente casamento com Patti Boyd. Clapton montou um pequeno palco no jardim e, conforme a noite avançava, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr acabaram tocando juntos com Clapton, Ginger Baker e Mick Jagger. A banda de estrelas passou por antigas músicas de Little Richard e Eddie Cochran.

 

11

JUNHO

Segunda-feira

Rio de Janeiro. Lançamento do curta Di-Glauber e Cabeças cortadas, mas a exibição do curta é logo proibida pela filha do pintor. Além do Pasquim e do Correio Braziliense, passa a escrever regularmente para a Folha de S. Paulo, o Jornal do Brasil e Enfim. Fernando Barbosa Lima o convida para participar do programa de TV Abertura

 

05

JULHO

Quinta-feira

O Teatro Sesc Garagem é inaugurado com a apresentação do espetáculo A Capital da Esperança, uma criação coletiva do grupo Carroças, dirigida por Humberto Pedrancini. Chico Expedito é o escolhido para ser o diretor do teatro. 

QUADRINHOS

Os heróis da Marvel voltaram a ser publicados pela editora Abril. Quim, o vizinho parrudo pegou emprestado os três primeiros números da revistinha Heróis da TV. Tempos depois, eu vi os exemplares na casa do Danny e perguntei como ele adquiriu, "Troquei com Quinzinho!", foi a sua resposta. Teria soado como receptação ou furto? Isso contribuiu para eu mergulhar de vez no rock.

AGOSTO

No Brasil, as sessões comemorativas dos dez anos do festival de Woodstock exibiam as mesmas cópias que as pessoas curtiram na estreia do filme em 1970,

15

AGOSTO

Quarta-feira

In Through the Out Door, gravado no Polar Studios em Estocolmo no final de 1978 e início de 1979, marcou uma nova fase para o Led Zeppelin, que buscava se concentrar longe de dificuldades pessoais e logísticas. No estúdio avançado, propriedade do ABBA, a banda enfrentou desconforto com o frio, mas o isolamento ajudou a focar no álbum. Equipamentos de ponta e o engenheiro Leif Mases permitiram explorar novas sonoridades, incluindo o uso de sintetizadores, dando ao álbum uma característica distinta. A capa enigmática, que retrata um bar vazio e um “cliente” invisível, simboliza o momento de transição da banda e reflete o tom introspectivo do disco.

★ 

Amarelo Maverick

Carlos Alberto era motorista da Viplan. Seu Maverick amarelo jamais abandonava a garagem. Eterna regulagem de combustível e problemas no carburador. Quando decolava, carregava a UVA toda!

Na mesma, QE 34, Mazinho, bancário, dirigia o seu Maverick — este dourado. Parava na esquina e todos entravam. Rolava bem alto no coração “I'm Gonna Crawl”, do recente lançado In Through The Out Door.

 15

SETEMBRO

Sábado

Annik Honoré conhece Ian Curtis no final de um concerto de Joy Division, altura em que trabalhava na Embaixada da Bélgica em Londres, e manteve um caso com o músico até à sua morte em 1980.

★ Arnaldo Baptista, Sérgio Dias, Walter Franco e Guilherme Arantes foram alguns dos músicos paulistas que migraram para o Rio de Janeiro. 

★ Walter Franco lança Respire Fundo, pela CBS, um disco gravado em oito meses, com mais de duzentos músicos. Neste disco estão algumas de suas canções de maior sucesso até hoje, a própria "Respire Fundo" e "Coração Tranquilo".

 

Enterrar o Festival

Terminado o filme A Idade da Terra, Glauber vem a Brasília para divulgar o semanário carioca Enfim, para o qual ele escreve e conversar com o general Golbery.

Glauber, instala-se no Eron Hotel e por casualidade, quase conversa com o presidente Figueiredo, durante a inauguração da exposição do pintor Waldomiro de Deus. Glauber ia chegando no saguão do hotel, quando o presidente e sua comitiva abandonavam o Salão Ouro do Eron. 

Deitado por horas na banheira do HFA, Glauber fala alto em tupi-guarani e faz discursos antimilitares. Quando o pneumologista solicita uma nova radiografia do tórax para outra avaliação. Um desesperado Glauber Rocha repete insistentemente que vai morrer…

Fernando Lemos tem que pedir ajuda a Eduardo Mascarenhas, amigo e analista de Glauber, para convencer os psiquiatras do HFA, que não querem soltá-lo. O argumento de Mascarenhas: “Ele está liberado para expressar livremente o seu inconsciente o tempo todo." 

 

O antropólogo francês Jean Rouch, que havia hospedado Glauber durante seu exílio, se aproxima. Cumprimentam-se em francês, mas Glauber rapidamente o acusa de ser um "espião francês" e um "colonizador", alertando que o Brasil não aceita espiões. Rouch, surpreso, ri amarelo diante da explosão de Glauber.

No tumulto, seguranças tentam conter Glauber, que se recusa a calar. Ele se apresenta como "o maior cineasta do mundo, melhor que Godard e Eisenstein". Enquanto isso, o diretor do hotel tenta acalmar a situação, mas Glauber insiste que está apenas dando uma coletiva de imprensa.

Do lado de fora, Glauber consegue atrair mais atenção e declara que pedirá intervenção dos ministros da Educação e da Justiça para a crise cultural no Brasil, reafirmando que veio para enterrar o festival. Naquele dia, provoca outro alvoroço no Aeroporto de Brasília ao pagar sua passagem para o Rio de Janeiro com um cheque simples, que o gerente precisa endossar pessoalmente.

Glauber parte para o Rio de Janeiro sem saber que pode estar lidando com um tumor maligno pulmonar. Ignorando a necessidade de uma segunda radiografia, ele se automedica e adota uma dieta restritiva, enquanto enfrenta problemas de pulmão e uma tosse persistente, acreditando ter sinusite e bico-de-papagaio.

25

SETEMBRO

 

Deus (ou o Diabo?) Mata o Festival 

 

Terça-feira, tarde típica do cerrado, 38 graus. O 12º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, segue o seu clima de mundanismo normal, e se depender dos concorrentes não entrará para a história. O evento havia sido transferido de julho para setembro, com a explicação oficial do diretor da Fundação Cultural, Ruy 

Pereira da Silva, de que não há hospedagem para todos os artistas e convidados, em julho. A apatia e frieza são totais, apesar das sessões da mostra competitiva serem abertas ao grande público.

Institucionaliza-se o Hotel Nacional, como o único capaz de receber os artistas, tendo o mesmo tornando-se um verdadeiro quartel-general de estrelas nacionais que àquela altura, quase deserto, sequer dava sinais de que ali hospedavam os convidados.

O quegê está reunido na piscina. Glauber Rocha que acabara de receber alta do Hospital das Forças Armadas, chega de supetão, com os cabelos desalinhados, calça pra lá da cintura, sacola de papel na mão e sandálias gastas, ele não havia sido sequer convidado pelo festival e instigantemente surpreende quando resolve quebrar o marasmo: — “Vocês querem uma entrevista?” E Glauber começa a metralhar, a pleno pulmões, berra para o grupo de artistas que conversam e tomam uísque à beira da piscina do Hotel Nacional e ouvem tudo: — “Este é o primeiro escândalo do Festival. Eu vim à Brasília para fazer este escândalo. O Festival morreu aqui, hoje. Este Festival desmoraliza toda a cultura brasileira. Os maiores cineastas não estão aqui. Os cineastas têm que ir hoje e pedir a demissão do senhor Ruy Pereira, se eles tiverem vergonha na cara. Ele censura muito mais que a censura. Foi ele que censurou os filmes independentes. Estamos em um governo de Abertura. Estou revoltado diante de tudo isso. O diretor da Embrafilme não deveria permitir isso. Estes filmes curtas-metragens são muito ruins. É a canalha intelectual. O júri do Festival é um júri policial que não entende nada de cinema, dirigido por agentes da CIA. É uma vergonha. A Fundação é formada por uma canalha intelectual. É uma vergonha. Estes cineastas prostituídos que tomam dinheiro da Embrafilme para filmar a bunda da Sônia Braga. (Dama da Lotação).

Esses cineastas são traidores do cinema brasileiro. Mas o Festival morreu aqui. É um mangue!”

É a primeira voz que se levanta em público, contra o festival que agoniza. Está decretada a falência do festival, que segundo Glauber, virara um prostíbulo da pornochanchada. A seu ver, os cineastas desfrutam das benesses do Hotel Nacional e lançam mão do dinheiro público para filmar o traseiro da Sônia Braga. 

Hotel Nacional, ao localizar Harry Stone, agente da Motion Picture e desafeto convicto seu, o baiano parte para a confrontação perseguindo-o aos berros, e mesmo o iankz entrando no elevador para o apartamento, Glauber fica gritando na porta do hotel: “Entreguista, traidor do cinema brasileiro.” 

"Harry Stone dá uísque para os críticos e influi na orientação da indústria cinematográfica brasileira." (Glauber Rocha)

E nisto, o antropólogo e documentarista francês Jean Rouch se aproxima. Rouch havia hospedado Glauber durante seu exílio na França. Cumprimentam-se em francês, mas, de repente, Glauber com o dedo em riste na direção de Rouch, grita: "Você é um espião francês. Tu est un espion! Eu vou te entregar para o serviço de informações. Vous êtes um agent du Quai d´Orsay." 

"Vous êtes um colonizateur! Está espionando o Nordeste brasileiro.” 

Jean Rouch ri amarelo, sem entender nada. Glauber mistura francês e baianês. 

“Não ria! Eu te conheço. Você sempre espiona os povos do Terceiro Mundo. Você só pode aparecer em um festival como este de pornochanchada. “Cinique! Cinique! Um festival de corrupção, de prostituição. O Brasil de Figueiredo não aceita espiões.” 

Condenada a desorganização do festival e afirmado que o mesmo está infiltrado de agentes externos, o tumulto está armado, o cineasta é contido por seguranças do hotel, que tentam 

impedi-lo de berrar com um outro estrangeiro que entra para defender o compatriota, a aglomeração adensa-se e acaba no meio do saguão. Um dos diretores do Hotel Nacional tenta serenar os ânimos: “Eu peço ao senhor um pouco de calma.” E Glauber: “Senhor zorra nenhuma. Aqui quem está falando é Glauber Rocha, o maior cineasta do mundo, muito melhor do que Godard e Eisenstein.” 

O diretor do hotel tenta intervir e Glauber responde: — “Não há confusão nenhuma. Estou apenas dando uma entrevista coletiva aos meus amigos jornalistas. Eu fui jornalista por mais de dez anos na Bahia.”

O segurança do Hotel Nacional, acompanha Glauber, que pergunta já no meio do hotel: 

— “O senhor é segurança?” E o segurança: — “Sou!” 

— “Então comece a interrogar aquele espião francês ali. Senão eu saio do Brasil agora. Estão boicotando a Abertura de Figueiredo. Estou revoltado diante de tudo isto.” 

Já do lado de fora Glauber consegue mais audiência para o seu comício e diz que pedirá aos ministros da Educação e da Justiça, intervenção na crise da cultura do país e arrasa com o júri do festival dizendo que ele é policial e composto por incompetentes que não entendem nada de cinema e repete: “Eu vim ao Brasil para enterrar o festival.”

 

27

SETEMBRO
Quinta-feira

No Correio Braziliense no primeiro parágrafo de um artigo de meia página ele adverte:

A cultura brazyleyra está com kanzer. Toritoma Maligno. Carcinoma Embriogênico. 

Melonena pulverizantyz. Metástase: os efeitos destrutivos possuíram órgãos, membros e almas dos artistas, dos burocratas que se ocupam de produzir, realizar e distribuir cultura no Brazyl. A televisão está contaminada pelos enlatados promocionais do FBI e da CIA (órgãos de segurança yankz).

E nesse mesmo dia Glauber provoca outro rebuliço no Aeroporto de Brasília, paga uma passagem para o Rio de Janeiro, via TransBrasil, com um cheque simples, o gerente da empresa tem de comparecer ao balcão e endossar pessoalmente o cheque de Glauber que pôde assim viajar.

Glauber segue para o Rio de Janeiro, sem saber do diagnóstico de um possível tumor maligno pulmonar, uma vez que não realizou a segunda radiografia e entra num processo de automedicação e dieta. Tem problemas de pulmão e fuma muito, uma tosse que não acaba. Os médicos decidem que deve parar de fumar e logicamente ele não para... Acha que tem um foco de sinusite e bico-de-papagaio.

Para Glauber, Brasília é o Eldorado, aquilo que os espanhóis e outros visionários perseguiam, a lendária cidade do futuro democrático mundial. Aqui ninguém o ameaça, o cobra ou questiona: — Está usando droga ou não? Isso não interessa a ninguém, a força do poder e o carisma de Glauber passam por cima disso tudo.

Em setembro, na quarta e sua última vez na Capital, Glauber enterra o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro…

 

— Até Golbery Queria Saber o Que Glauber Estava Dizendo

Quim Andrade

 

O cinéfilo Lácio Urias, deu o toque: — “Você precisa conhecer o Quim Andrade, o primo-irmão do Glauber e produtor executivo de A Idade da Terra...”

“Talvez o Glauber tenha até ajudado na Abertura, foi uma coisa que o Jango tinha falado, e aí o grande problema do Glauber com o Miguel Arraes. Essa reunião que eles tiveram lá na Europa, eles tinham tirado uma posição de apoiar essa abertura lenta e gradual, e como o Glauber saiu na frente e deu aquela entrevista e não foi bem recebida no Brasil, eles recuaram, o Gabeira, o Miguel Arraes e o Glauber ficaram sozinhos. Então, ele não podia recuar mais no que havia dito, e ele passou a agir dessa forma, a botar na boca dos militares as coisas que ele queria que os militares fizessem.

“E inclusive para tentar se livrar da situação em que ele caiu, se os militares não fizessem a Abertura, o Glauber estava lascado, ele teria sido... Glauber tinha de lutar por essa Abertura, então ele teve de passar para o lado dos militares para obrigá-los a abrirem para ele poder respirar. Para ele não ser um traidor, ele teve de vestir a camisa de uma luta especial, tendo sido colocado nela pelo Miguel Arraes e o pessoal que saiu fora, e ele teve que ir e tocar o barco sozinho de uma história que todo mundo estava dentro dessa história. Inicialmente era para todos fazerem parte dessa postura que o Glauber teve, como eles recuaram e o Glauber já tinha dado a declaração, não teve como voltar atrás, teve de seguir em frente e botar as palavras…

“Reis Velloso era o intermediário que abria muito espaço para o Glauber, o ministro era amigo do Glauber, foi casado com a Regina Rosemburgo, que era amiga de Glauber. Então dessa amizade abria-se de fato um espaço real no Planalto, na capital, e o Glauber botava as coisas — os militares precisavam do Glauber; o Golbery precisava do Glauber, de alguém da oposição apoiando a Abertura lenta e gradual, porque as pessoas queriam que houvesse uma coisa radical, uma mudança radical: — “Vamos acabar com o governo militar e implantar hoje um outro sistema.

“O Glauber ficou como o único porta-voz dos militares e ele não podia agir de outra forma, porque ele tinha entrado numa armadilha, ele tinha ódio do Miguel Arraes por causa disso, porque o Miguel Arraes o botou nessa armadilha, ele tentou falar mal do Miguel Arraes, dizia que ele era o homem que negociava o petróleo lá nas Arábias e vendia petróleo para o Brasil, por isso ficou rico, mas não deu certo. 

“Glauber teve de passar para o lado dos militares, e a esquerda o tratava como louco.

“Esse foi o problema: se ele voltasse atrás, aí sim ele seria chamado de louco. 

“Entendeu o problema? Não tinha como voltar, ele tomou um caminho e o seguiu...” (A Idade da Terra)

 

“Golbery e Glauber conversavam muito!” 

Alexandre Garcia 

 

Em Brasília, Glauber Rocha costumava jantar e deixar seu endereço e telefone com o jornalista Alexandre Garcia.

“Eu conheci Glauber pessoalmente no Palácio do Planalto. Eu era subsecretário de Imprensa da Presidência da República e deve ter sido no meio do ano de 1979.

O Glauber foi lá para procurar o ministro Golbery, e eu fui recebê-lo na recepção. Conversamos bastante, e ele me disse que era fã do ministro Golbery, que gostava muito de conversar com ele. Não era a primeira vez que Glauber tinha ido lá, depois ele foi mais duas ou três vezes ao Palácio. Eu ouvi do ministro Golbery elogios ao Glauber, dizendo que gostava muito dele, que era um homem muito inquieto, muito inquisidor, muito curioso, muito interessante, muito inteligente. Essa admiração era mútua, pelo que eu percebi.

“Eu tive algum relacionamento com o Glauber, porque duas ou três vezes a gente jantou junto em Brasília, conversando sobre questões nacionais, cinema, Golbery, e notei também que o Glauber era um sujeito que admirava o Golbery e que, se a gente quiser entrar no campo político, eu poderia até dizer que o Glauber via no Golbery uma espécie de caminho da Abertura. Ele não estava admirando governo militar ou admirando governo não-democrático, ele estava ali admirando uma pessoa tão inteligente quanto ele, tão inquisidora quanto ele, tão parecida com ele, cada um no seu campo.

“Era um encontro de dois semelhantes, e ele via que o Golbery poderia ser um caminho, como foi efetivamente, que resultou na devolução do poder aos civis. Acho que ninguém pode criticar Glauber por ter procurado Golbery, porque ele procurou no intuito de buscar caminhos para a Abertura, para a devolução do poder aos civis e também para mostrar a arte dele, mostrar o que ele fazia, mostrar a criatividade dele, e era bem recebido, o que era uma coisa rara na época.

“Golbery e Glauber conversavam muito pessoalmente, frente a frente.

“Glauber subia lá para o quarto andar, ia para o gabinete do Golbery, entrava no gabinete do Golbery, só quem estava lá dentro era o Golbery, portanto eles conversavam. Eu nunca vi Glauber ficar do lado de fora da porta, e se houver alguma dúvida, é só perguntar para a dona Lurdinha, que era secretária do ministro Golbery, ou para o Juquinha Mamede, que era o chefe de gabinete.” (Alexandre Garcia)

 

1979

No Mundo dos Inválidos 

 

Crescendo ao lado de uma birosca e a grana corria solta se somada compraria um apartamento e quem não queria um apartamento pequeno no Guará 1, ou ainda quem sabe uma loja comercial? Taxistas disputam as cervejas no palitinho, jogam cartas, dominó, sinuca e muita grana corre. Nadam na grana, no conhaque, no cigarro e, o famoso carteado atraía jogadores que varam a noite apostando. Nunca faltou grana, uma fartura, uma fortuna. E Fernando, o representante comercial deixou de fazer a ronda com o carro zero da empresa e entrou nessa vida boêmia, também deixou a mulher, mãe de seus filhos. Assim era o nicho o meu lero, o dia-a-dia e o sustento. Em conluio com o dono da birosca, Fernando repassava notas fiscais de almoço para a empresa emitidas pelo bar. Um dia, o coordenador da empresa de produtos de limpeza veio até o bar e perguntou? Vocês servem almoço? O dono do bar não hesitou: — Aqui a gente compra uma carninha e frita e serve o tira-gosto com farinha. Eu ficava com o estômago pregado de fome ao vê-los mastigando aqueles bifes de fígado, acompanhei calado a prosa. Quinzinho chegou na hora do almoço vociferando contra a empresa alegando que ele arriscara a própria vida várias vezes sobrevoando a Amazônia numa avião teco-teco representando a linha de barbeadores da Gillette, espuma e o escambau. A vida ali não passava de um jogo, o ardiloso dono da birosca desferiu um golpe mortal ao detalhar ao supervisor uma coleção impressionante de 

fatos do cotidiano do representante comercial, desde a sua rotina aos mais sagrados detalhes familiares e lógico as observações que ele fazia da empresa, para o dono da birosca ele conquistara o rei inimigo. Fiquei deprimido com aquilo, eu tinha que procurar uma saída, mas como com uma das solas dos sapatos dos meus pés furados? Eu não iria longe. Veio a crise de 1979, o começo da reabertura política, a explosão do preço do barril de petróleo, cantava-se em letras o nome de Khomeini. A Sociedade de habitação elevou absurdamente os boletos dos apartamentos e das lojas, o abundante dinheiro jamais foi visto de novo. Os proprietários pediram as lojas e os apartamentos para renegociarem novos contratos. E, muitos choraram e perderam suas casas e terminariam a vida pagando aluguel. Aquilo era o meu fantasma, e eu só queria um bife de fígado frito e uma foto da Jane Fonda para me excitar. O que seria de mim? Naquele sistema infame, naquela educação defasada e sem saber o que era mercado de trabalho?

 

No Golzinho, no Asfalto

 

No futebol de rua, o peladeiro chega meia hora antes das 9 horas na manhã de domingo para ter uma chance na primeira partida e, eventualmente, ter outra numa próxima. O objetivo é ganhar a primeira e deslanchar (ficar em campo). A primeira sempre será de 3 gols. No futebol de rua não tem chapéu (eles te matam), no máximo uma caneta. O jogo é viril e rápido; com o ombro, eles te empurram pra fora do asfalto. E batem, e batem e tentam entrar com bola e tudo. A única coisa que pode salvar o peladeiro é a sua malícia, agilidade e estática. Nunca saía do golzinho! A bola rolava todo domingo de manhã e atraía um contingente de peladeiros ávidos e robustos. A tradicional pelada rolava na ponta do Conj. E da QE 34. Correspondia a um clássico: Alexandre, Onísio e seu irmão Carlinhos, Bailarina, Sérgio Zulu, Boinha, Boguinha, Mecenas, Tonico, Geraldo Serralheiro, Donizetti e agregados de ocasião — a maioria em excelente forma física, oriundo dos Bombeiros, da Marinha ou do Exército (os Catarinas, soldados vindos do Sul que serviam no DF). Junta-se ao bolo, gente que puxou um breve tempo de cana e um monte de adolescentes. A ordem é bater da canela pra cima. E o pau torava. Os touros arrancavam tudo pela frente ou ao lado. 

 

Futebol, porrada, adrenalina, entradas ríspidas e meiões rasgados, para delírio da torcida. Todo domingo, até o meio-dia, a bola de futsal rolava sobre o asfalto quente. Naquele domingo, pouco antes do meio-dia, a bola voou e caiu, morta, no jardim da casa em frente. O morador, que não eramuito mais velho que os jovens jogadores, pegou uma machadinha de jardim e fez um buraco na bola. Ninguém disse nada; cada um seguiu seu caminho para casa. Talvez o histórico da rua pesasse na decisão da rapaziada. Lembrou-se do dia em que o morador do sobrado no fim da conjunto tirou a vida do pai que jogava bola com seus filhos. Desde então, ninguém mais gritou: Gol! Racha! Levanta!

Senti um frio na barriga e não contei a história do homem mau que, com suas mãos imensas, apertou a bola até que seu coração explodisse em meio a um enxame de craques. Seu nome? Conhecido como ‘Açougueiro! Ele deveria estar cortando o excesso de sua galha. A aparência de sua mulher chamava atenção; esguia como uma árvore, boca vermelha — de boneca — e calças justas que delineiam suas pernas, dos tornozelos até a fronteira das nádegas. Ela passava a maior parte do tempo com o vizinho, da mesma idade, o que despertava o interesse de toda a quadra. Quem se atreveria a se meter com ‘O Açougueiro’ e seus cabelos desgrenhados de maluco? No mínimo, aquela bola partida ao meio, diante de nós, humilhados e encolhidos, era uma prova cabal do que aquele homem era capaz.

Frente ao beco do Conj. C da QE 34, tanto a casa ímpar como a par eram chefiadas por sádicos. Nem sabíamos o que era sadismo ou violência doméstica. A tristeza estampava a face das mães e seus filhos. A mim, cabia a missão de recuperar a bola quando invadia esses jardins. Eu esticava a mão pedindo a bola de volta. Certa vez ouvi: ‘Meu pai vai te dar um tiro.’ Eu sumia e ia jogar bola em outros conjuntos. Assim era o futebol de rua nos tempos da ditadura.  

Não se sabe em qual campeonato de futebol aqui no DF, batizado de Candangão, foi que o popular Toninho (Antônio Carlos), flamenguista da QE 32, saiu na capa do Caderno de Esportes em meia foto! ‘Toninho, como você conseguiu?’; “Na hora que vi os fotógrafos, fiquei de joelhos no gramado e comecei a atravessá-lo como pagando uma promessa”. Para mim, essa foi a grande aula de mídia. Eles da QE 32, eram ótimos nisso. 

O Totó (Toninho) também era o relações públicas do Sindicato do Reggae nos anos 80... Ele ia nas rádios e nos jornais para distribuir os cartazes dos Tributos a Bob Marley... O mesmo pegava o seu camelo sentido W3 Sul e Norte com a mochila recheada de cartazes e colava nas paradas de ônibus... 

 

“Cantareli”, “Lampião” e Paulo Vítor, Ídolos da QE 32

 

Vindo da caatinga, um dia Lampião apareceu na QE 32, além do inseparável chapéu de couro, assim como Carlitos, ele trazia debaixo do braço, um inseparável amigo, um cachorrinho. Logo, ocupou um beco na esquina do comércio, depois, passou a dormir dentro do bar em cima da mesa de sinuca. O que poucos sabiam era que carregava um facão escondido. Às vezes, as suas lágrimas caíam descontroladamente pelo rosto e ele prometia executar alguma vingança. Ao que o povo pedia: ‘Cabra, deixe disto’. Longe do torpor do álcool, de cabelo cortado, em certos domingos, ele ia à igreja para confessar os seus pecados. Seu nome se perdeu com a certidão, uma recordação é que ele tinha sido barbeiro e por um bom tempo, ele rodou por entre as QEs 32/34, onde montou um churrasquinho. Para devolver-lhe a valentia bastava imitar o guinchado de um gato.

Dos goleiros de futebol do Guará num tempo em que inexistiam as praças, ainda nos lembramos de Duzinho. O dono de bar que trocava o avental pelo uniforme negro e protegia a meta do 32 Esporte Clube, fazendo ponte no chão de terra batida. Um goleirogorducho, porém, ágil ricocheteando a bola num tirambaço à queima roupa. O uniforme sempre todo de preto era em homenagem ao lendário Aranha Negra, o guarda-redes russo.

O campo de terra da QE 32, não seguia as dimensões oficiais e dividia o bloco B, mais antigo, do bloco A em construção. A pelada aos sábados congregava os moradores com os trabalhadores da construtora. Na reserva do 32 Esporte Clube, o jovem Waltinho, chamado de Índio, que apesar da baixa estatura era um ótimo goleiro e até Nardelli pegava no gol. Da QE 34, especialistas na defesa do arco, Chico, um dos filhos do professor de Prática Integradas do Lar, no Centrão, escola pública entre as QEs 17 e 19; da mesma quadra também agarravam Caim, Gaspar, guarda-valas no futebol de salão; Cócó e Zé Otávio, de elevada estatura. 

O goleiro profissional mais famoso do Guará, foi Paulo Vitor, tri-campeão carioca entre 1983-84-85 pelo Fluminense. Os meninos se aglomeravam na casa de esquina do ‘M’ da QE 32, para pegar autógrafos. Mas, o mais folclórico dos nossos goleiros, foi o cearense ‘Cantareli’, um morador que desfilava pelas quadras do Guará, vestindo o uniforme rubro negro completo, com luvas e uma bola debaixo do braço. ‘Cantareli’ vivia a efervescência do título mundial de 1981, conquistado pelo Flamengo. O goleiro cover traçava uma trave imaginária, colocava a bola na marca da cal, se colocava debaixo e desafiava qualquer passante a bater o pênalti. Na maioria das vezes ‘Cantareli’ defendia o tiro. 

 Falei da camarilha do Zach, Alberto, Sérgio Zulu, e dos falecidos Mecenas, Arnaldo Neguinho, os irmãos Clóvis e Cláudio Mola e não citei o Anísio Maia que começou a contracultura no Guará com sua biblioteca em meados dos anos 70. Não esqueço da heustória do cemitério onde ele rodava pelas lápides nas tardes de segunda a sexta em cima da moto.

 

Um Homem Bebe Cerveja no Covil da Esperança

 

Os caras eram doidos. Um laboratório total de loucura, um estabelecimento bruto, porém respeitador. Assim era o Bar Esperança do Vicente Sabino, barman e craque de futebol do Gama, que já nos deixou. No Vicente, aprendi tudo. Eles separavam o caderno de cultura do jornal para mim. Se não fosse por eles, teria perdido muita coisa. ‘Guarda pro livro’, dizia Natálio Sorrentino, um paulista gente fina, educado, camarada, que também nos deixou. Dos malandros do morro, como o saudoso Joel que dirigia Kombi escolar e o apelidaram carinhosamente, o motorista de ‘Anciã’. No balcão, tínhamos Paulão no contrabaixo imaginário, louco sem perder a grandeza. Tinha Cosme, Valdique, Teixeira, Garrincha (que já se foram) e o eletricista João Queimado. Palitinho, o pintor e ganhador da loteria. Tinha Nego Bill, Vicente Garapa, Jacinto, os finados Jairão Cabeção, compadre Zé Milton, Jair Mecânico e os sobreviventes Zé do Caixote, Almir, Elias e mais gente e outros que moravam no conjunto de prédios apelidados de Serra Pelada. 

 Primo Pobre, Primo Rico

As portas de enrolar das lojas eram vazadas, para proteção alinhavam-se as pilhas de engradados vazios e os cheios de cerveja, lá atrás na porta do banheiro. De noite, eles usavam ganchos para subtrair ou urinar. Pela manhã, riamos das tentativas e ligava-se o rádio no Gogó das 7.

No final da noite, os maços de cigarros eram rigorosamente guardados ao lado dos pacotes num armário. Era necessária a papelada para o bar continuar aberto, agora alugado pela imobiliária precisou de um registro, Bar Esperança PT, a sigla significa ‘ponto de tráfego’, mas era desafiadora — toda a intelligentsia boemia do Guará, de bicheiros a jornalista ou jogadores de futebol passavam por aquela porta.

Os promotores de bebidas usavam motos. Tínhamos que prestar atenção nos ajudantes de caminhão que na troca dos engradados, poderiam voltar com uma grade cheia. E chegou ao nosso paladar, um novo aperitivo, Chave de Ouro.

A ordem número um é embriagar o cliente. Mirão da 32, dava fogo homérico nos caras, não tinha dia e o sábado era o dia mais terrível, e por não fazermos nada no domingo ainda aguentávamos a ressaca moral dos caras.

Primo, grande conhecedor do que havia de melhor do malte escocês. Além de bêbado chato, arranhador de viola, tinha o hábito de insurgir no bar, entre conversas, lhe foi oferecido um uísque, mas com uma condição: só se for 12 anos, mas caso não tenha pode ser de 8. Acontece que Mirão colocou a Chave de Ouro em uma garrafa de Chivas Regal, já esperando a visita do expert. Não deu outra: on the rocks, o gajo detonou quase que a garrafa toda, estalando a língua a cada sorvida, não sem antes exclamar: um viva ao néctar dos escoceses. Foi a sua última visita, a mais rápida que tive notícia, saiu doidão, dizendo 

aos quatro ventos: gente fina é outra coisa. A última notícia que tivemos dele foi de que estava no Senado, tendo abandonado os otários que passaram a vida lhe pagando ‘escoti. Não sabemos se entrou pelo Trem da Alegria, mas entrou e é fato. Na hora recriminei, por achar que Mirão poderia ter matado o pobre Primo, agora rico.

No canto extremo do balcão, Carolina canta Clara Nunes:

Cabra enxerido

Eu dou cachaça

e finjo que bebo com ele.

 

Se ele fica bebo e dorme,
não tem talvez nem conforme:
vão rodar com a mulé dele.

 

Tosco & Bronco 

 

QE 32 do movimento reggae — se eles eram punks, new wavers — tinha os oldwavers de Taguatinga — nós éramos cosmopolitas, nossa faculdade era em Kingstown e o reggae, o ritmo da cadeia...

Nos anos 80. Na QE 32 do Guará 2, reduto literato de alta qualidade, a Beat generation brilhava em alta incandescente com livros lançados aqui pela primeira vez. No Conj. K, Negão (marido da Cláudia) era um personagem beat de olhos verdes, vizinho chegado de Chico Bueno. Pela entrada de baixo da quadra e, ao cruzar a praça às 4 da matina, na casa da esquina, lá estavam plantados de pijamas elétricos. ‘Vamos entrar?’, a resposta era simples, ‘Podes crer, podes brown! 

O Bar Esperança era o maior reduto de figuras beat tipo Palitinho que ganhou na loteria, o Serginho de Serra Pelada, Zé Olavo, Daniel e por aí... O beat genuíno que me assustou e nos ensinou a viver chamava-se Cécé. ‘Guismarães’ era fã do Corso dos beats, ele falava em Gregory Corso todos os dias; ‘bronco’ mete bronca — uma pena, de Corso saiu 'Gasolina e Lady Vestal. No original, o inglês dele é beat, fácil de entender.

Palitinho deu uma carreira atrás do Zé Olavo gritando: vou matar o seu filho! Não sei o que ele fez e também não sabia que ele era fundista. Quanto mais eu vivo, mais eu escrevo. Tenho horror à história resignada, nunca irei me arrepender de tudo o que eu disse e vivi e é muito chato as pessoas perguntarem: ‘por que vocês não aparecem mais em casa?. Com um pé no passado deixo em dia as heustórias. Quanto mais louca, mais verdadeira a disciplina. Escrevem livros para imprimir verdades, pontos de vista, coisas superadas. Me ajude a me livrar da heustória com elegância.

 

 Terral

Uma conjunção de ideias. Ainda, adolescente, procurava bancas de revistas e nada de revistas usadas. As coleções floresciam longe dos olhares e nem havia tantos consultórios para surrupiar revistas.

Em 1979/80, o Brasil foi invadido por uma ordem americana tipo ‘entrar em forma’. Quem comandava era a Jane Foda digo Fonda, que malhava naqueles colans colados — existiam bicicletas de corrida que eram roubadas quando soltavam do guidom e ia a qualquer lugar e os punguistas pulam e pedalavam para longe. Me lembro da filha de Henry Fonda em Amargo Regresso e de Xanadu. Nessa época, o quente eram paredes espelhadas. Na QE 28 surgiu um bar chamado Terral, dos sócios Carlinhos e de uma rapaziada que ingressou recentemente na federal. Eles eram nascidos em 1960. O bar o Terral durou rápido e acabou. O engraçado era que a rapaziada era da QE 32 e migrou para a QE 28. Dentro do bar existia um mezanino de madeira e, lá em cima, descansava uma bateria. Uma vez vi alguém tocar ‘Have You Seen The Rain?’ — era esse tipo de som que rolava na época. O Terral fechou as portas, e suas chapas imensas de vidro espelho foram vendidas para as academias que agora surgiam com o apelo Fonda. 

 

 Cadáver no Bueiro 

Foi um dia letivo normal. Eu ia para a escola, entre as QEs 34/32. Naquele tempo, por morar na 34 e trabalhar na 32, eu era um dos poucos que podiam circular livremente naquela espécie faixa de Gaza. Caminhando, senti um malcheiroso terrível exalando de um bueiro. 

Na manhã seguinte, a polícia abriu o bueiro e encontrou um cadáver, só de cuecas. A operação é delicada e exige estômago: primeiro jogam-se litros e litros de desinfetante, depois o pobre servidor amarra o corpo pelas axilas e exige para os curiosos se afastem, pois, o braço pode-se partir e voar larva pra todo lado. No dorso, havia manchas verdes e o cabelo havia derretido e se tornado uma máscara de zumbi.

Depois a gente esperava com ansiedade pela matéria no Correio Braziliense — era assim a vida nas QEs 19, 32 e 34, isto sim, o faroeste caboclo.

 

 Brutamontes Castigam os Mais Fracos

Os mais fracos sempre fazem um grande alarde demonstrando rebeldia.

Ainda faltavam 10 quilos para eu ser considerado magro. Osso era mais que apelido, era usado, como no latim escorreito dos seminários, em sua ruidosa forma vocativa:
— E aí, Osso!’

— ‘Osso, meu pai quer a guitarra de volta!’

Então, apesar da pompa linguística, quando Sidney acompanhado de seu tique, me chamava de Osso, eu desditosamente me sentia como um cachorro. E, precipitando, sacava: ‘Eles vão fazer alguma merda’. Engano. Os caras eram gente fina. Protegeram-me, a mim e a minha magreza, por anos. Prova: no conjunto deles, o F, eu podia jogar bola sossegado. 

Posteriormente, melhorei muito. Virei chefe de quadrilha na QE 34 do Guará e adjacências. Mas essas são outras heustórias macabras, brotadas da mente de Mário Pazcheco — que quase mais nada tem a ver com o alegre vacilão daqueles remotos dias, quando assustado atendia apenas por Osso.

Tava diboa no portão da casa dos meus pais, na QE 34, domingo, hora do jogo, daquele jeito, quando gritaram: — Osso!’ 

Aí eu pensei: ‘F***! Qual foi?’. Eles foram econômicos nas palavras: — ‘Nos siga! Nos acompanhe!’. 

Chegamos na porta da casa do Zach e foram dois gritos curtos: ‘Zach, Zach!’ Quando ele abriu a porta, um esquadrão afro-ninja adolescente praticante das artes marciais, invade a casa. Sua mãe, pasma: — ‘O que está acontecendo!?’. — ‘Seu filho é um ma... maconheiro’, afirmou, secamente Sidney, acompanhado pelo seu indefectível tique nervoso. Eu arrumei coragem e retruquei: — ‘Pega leve!’. 

A cabaça guitarra Giannini Stratocaster 1979 creme foi vista saindo pelo vitrô do banheiro. O pelotão de amigosrapidinho se evadiu da cena. No Conj. F, eles dançavam e passavam a guitarra de mão em mão. Era um troféu e eu a isca. Por fim perguntaram: — ‘E aí, Osso?’. Respondi: — ‘Não gosto de rolo. Vocês são ninjas mesmo. Foi cinematográfico’. Eles estão rindo até agora, o triste é que nunca mais nos reencontramos para comentar essas situações. 

Já que o Movimento não tem porta-voz falo eu mesmo. No início dos anos 80, se Zé Marcos tocava Rolling Stones no violão, Pedro Veras tocava The Who. A primeira banda em que eu descolei emprego foi a Rocha do Planalto (eu ainda era menor). Eu a acompanhei em todas as formações e talvez eu tenha agido como produtor e tenha até indicado membros para a formação. Estive no único show fora dos ensaios. Amarildo, Soneca, Zach, Mecenas (desaparecido), no contrabaixo e na bateria, quem passasse pela rua e soubesse tocar.  

 

 LITERATURA

Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada, Prostituída..., livro que causou escândalo em 1979 e foi adaptado ao cinema em 1981, sobre a vida de sexo e drogas da então adolescente alemã Christiane Felscherinow.

A Ilusão das Drogas — Um estudo sobre a maconha, LSD e anfetaminas, de Ivan Schmidt. Casa Publicadora Brasileira.

Fred Maia lança o livro Gota Serena.

Rubem Fonseca lança O Cobrador, o primeiro livro após o barulhoso Feliz Ano Novo, de 1975, que foi recolhido por ordem da censura, sob a alegação de ter conteúdo contrário à "moral e aos bons costumes" de uma gentalha que ele ajudou a fundar e de subir ao poder com sangue e ranger de dentes...

Millôr Fernandes lança Os Orfãos de Jânio.

 

MÚSICA

FEVEREIRO

Álbum George Harrison (1979). 

 

MARÇO

Joey Molland e Tom Evans, convidam vários músicos de estúdio e lançam o novo LP Airwaves com o nome Badfinger. Entre os músicos convidados estão Andy Newmark (baterista, que sempre toca nos LP’s de George Harrison), Nicky Hopkins (tecladista que além de tocar com John Lennon, George e Ringo, é quase que tecladista oficial dos Rolling Stones), Steve Forest na percussão, além de outros menos votados. Logicamente Joey e Tom participam de todas as faixas, variando apenas os músicos de estúdio. Produzido por David Malloy.

 

Walter Franco lança o LP Vela Aberta.

Jards Macalé lança o LP Banquete dos Mendigos

Michael Jackson lança o primoroso Off the Wall.

Emerson, Lake & Palmer broke up.

John Tavener, o músico sofre um acidente vascular cerebral.

Jefferson Starship lança Freedom at Point Zero.

Começam os ensaios do Aborto Elétrico, o pioneiro grupo punk de Brasília, formado por Renato Russo, pelo guitarrista André Pretorius e por pelos irmãos Fê (bateria) e Flávio (baixo) Lemos. Os ensaios aconteciam no apartamento do Fê na Colina, um grupo de quatro prédios onde moravam muitos professores da Universidade de Brasília e que acabou dando o nome de Turma da Colina ao núcleo inicial do que viria a ser a Geração 80 do rock de Brasília.

Walter Smetak Lança seu segundo LP Interregno & o conjunto de microtons: — Tenho procurado diferenciar claramente o fazer som, um meio de despertar novas faculdades da percepção mental, e o fazer música, apenas um acalanto para velhas faculdades da consciência.

— Este é o grande problema da música contemporânea: os músicos geralmente não conhecem eletrônica. E as pessoas que conhecem eletrônica não sabem nada de música.

O guitarrista Pappo, um mito na Argentina, fez um show com a Patrulha em 1979 em São Caetano / São Paulo.

Brian Eno bota um piano preparado com tesouras e parafusos na música "African Night Flight", de David Bowie.

Darby Crash, lança o feroz álbum (G.I.).

O álbum (G.I.), é o único disco completo dos Germs e é considerado um marco do punk hardcore americano. Produzido por Joan Jett, o álbum é feroz e urgente, capturando o som sujo e a energia bruta da banda em faixas como “Lexicon Devil,” “What We Do Is Secret” e “Manimal.” As letras de Crash exploravam temas de alienação e autodestruição, refletindo sua própria luta com o vício e a vida intensa e conturbada que levava. 

O título (G.I.) faz referência a "Germs Incognito," uma brincadeira com a ideia de uma identidade secreta ou misteriosa da banda, que buscava capturar o espírito provocador e subversivo do punk da época. 

 

JULHO

O Livro Guinness dos Recordes declarou Paul McCartney como o compositor musical de maior sucesso da história da música pop mundial de todos os tempos.

McCartney planejou gravar um disco com os Beatles novamente reunidos. Esse álbum, pelo qual a CBS norte-americana pretendia pagar cerca de US$ 12 milhões, não foi gravado por discordâncias entre os integrantes do lendário grupo.

 

OBITUÁRIO

27

SETEMBRO
Quinta-feira 

O guitarrista escocês Jimmy McCulloch, membro dos Wings de 1974 a 1977, foi encontrado morto em seu apartamento no bairro londrino de Maida Vale, vítima de um ataque cardíaco, exacerbadopelo uso de substâncias. Sua morte ocorreu no exato dia em que seu novo grupo, os Dukes, deveria estrear em um clube musical. Como McCulloch estava atrasado para o show, seu irmão Jack foi até sua casa e o encontrou estendido na cama.

Jimmy McCulloch iniciou sua carreira em 1969 com o grupo Thunderclap Newman, apadrinhado por Pete Townshend. Naquele mesmo ano, a banda teve o único hit de sua curta história: o compacto "Something in the Air". Em 1972, McCulloch foi convidado a substituir o guitarrista Les Harvey, que morreu eletrocutado no palco, no grupo Stone The Crows, que contava com a cantora Maggie Bell. O Stone The Crows foi dissolvido um ano depois, e McCulloch enfrentou problemas com alcoolismo até 1974, quando entrou para os Wings, no lugar de Henry McCullough (sem parentesco).

No Wings, McCulloch teve sua habilidade na guitarra amplamente reconhecida, especialmente em álbuns como Venus and Mars e Wings at the Speed of Sound. Ele também contribuiu com composições próprias, como “Medicine Jar” e “Wino Junko”, canções que refletiam suas batalhas pessoais com o abuso de substâncias. Apesar de seu imenso talento, seu estilo de vida acabou afetando sua saúde e sua carreira. McCulloch deixou os Wings em 1977 e continuou a trabalhar com outros grupos esporadicamente, incluindo a ressuscitada Small Faces. Na semana de sua morte, Paul McCartney declarou à imprensa: “Ele era um grande guitarrista e estamos muito tristes com sua morte.”

 

OUTUBRO

A volta do Status Quo com o LP Whatever You Want, que trazia um toque de new wave, foi muito bem recebida, especialmente com várias execuções da balada "Living On An Island". No Brasil, o lançamento de Whatever You Want coincidia com o relançamento de diversos álbuns recentes do grupo pelo selo Vertigo, a preços acessíveis nas lojas de discos. Assim, entramos em 1980 ouvindo muito Status Quo.

 

TELEVISÃO

Estreia o programa Abertura na TV Tupi.

Em Elvis: The Movie, um filme para a televisão dirigido por John Carpenter, Joe Esposito foi interpretado por Joe Mantegna, ao lado de Kurt Russell como Presley.

 

FILMES

Alien, O Oitavo Passageiro, de Ridley Scott.

"Minhas pinturas parecem causar grande impacto em pessoas que são, bem, que são loucas. Um bom número de pessoas pensa como eu. Se elas gostam do meu trabalho elas são criativas ... ou são loucas", disse Giger em 1979, em entrevista à revista Starlog. (H. R. Giger que projetou o monstro e os cenários de ficção científica do filme).

H.O Hélio Oiticica (Ivan Cardoso). É um curta-metragem que explora o processo criativo do artista Hélio Oiticica. O filme combina elementos visuais e sonoros de maneira a criar estados documentais com diferentes intensidades.

À Meia-Noite com Glauber (Ivan Cardoso)

Produzido em 35mm e com duração de 16 minutos, este filme colorido tem montagem de Francisco Moreira. Trata-se de um telecineclipe que explora a obra de Glauber Rocha, Hélio Oiticica, José Mojica Marins e Rogério Sganzerla, utilizando depoimentos capturados na década de 70. Originalmente, o título do filme era À Meia-Luz com Glauber na Zona Proibida.

A princípio, Ivan Cardoso planejava criar um média-metragem que registrasse o encontro entre Glauber Rocha e Hélio Oiticica no apartamento de Daniel Más, no Rio de Janeiro, no final de 1978. Cardoso fez fotos desse encontro, que foram publicadas como uma reportagem especial na edição de janeiro de 1979 da revista Vogue.

Conforme o processo de produção avançava, Ivan percebeu que o documentário precisava ter Glauber Rocha como figura central, enquanto Hélio Oiticica seria seu interlocutor, complementando o texto escrito por Haroldo de Campos especialmente para eles. O diretor declarou: — O filme acabou se transformando em uma reflexão sobre a Estética da Fome, aliada à Estética da Vontade de Comer. Nessa abordagem, incluo Mojica e Sganzerla, por isso há imagens do Zé do Caixão e de O Bandido da Luz Vermelha.

No entanto, ao descobrir que o filme incluía o Zé do Caixão, Dona Lúcia ficou alarmada e exclamou: — Deus me livre, não quero nada com o Zé do Caixão. Se ele colocar o Zé, eu pego o filme e mato ele.

Ivan Cardoso descreveu o projeto como um diálogo virtual com a experimentação no cinema:

— Glauber era, mais do que engajado, um amante da experimentação. Seus filmes são trash, B. Os piores filmes brasileiros, mas, paradoxalmente, são os melhores por serem os piores. É um lado desconhecido de Glauber: o lado pop, trash, experimental e psicodélico.

"Participei de 40 festivais com À Meia-Noite com Glauber e ganhei quatro prêmios, um no Brasil e três no exterior", revelou Ivan Cardoso. 

★ Fassbinder estreia comercialmente no circuito brasileiro com A encruzilhada das bestas humanas, onde um adolescente mata o próprio pai, visível crítica que provoca contradições na Alemanha Ocidental e em outros países onde foi exibido, uma história de parricídio no nosso tempo sem perder a estética.

05

OUTUBRO

Cocaine cowboys (Andy Warhol actor). 

 

Lemmy Que Já Morreu Mais Vezes Do Que Jim Morrison, Não Está Mais Entre Nós!

O LP Bomber da banda britânica Motörhead foi lançado em 27 de outubro de 1979. Este álbum é um dos trabalhos mais icônicos da banda e inclui faixas icônicas como ‘Stone Dead Forever,’ e a faixa-título ‘Bomber.’

Pouco tempo depois Bastos (do Sindicato do Reggae) que já era bancário. E comprava o que via pela frente. Chegou com o Bomber. Eu vi o selo Bronze Records e pensei: progressivo tipo Uriah Heep ou Manfred Mann. Ao ouvir: ‘Que cara dura! Não tocam muito, mas fazem barulho!’ — caímos de quatro —, para nós, roqueiros radicais recém-despertados, achamos o som não muito trabalhado. 

O bom Motörhead era novo para a rapaziada. Para nós um Status Quo rejuvenescido.

Anos mais tarde, quando acendíamos o cachimbo do vovô — sempre alguém citava: ‘Homens mortos não contam mentiras’ era o código —, o tal LP  Bomber’ caiu no gosto da turma e agitou 

‘as festas. Particularmente gostava de ‘Stone Dead Forever’. Dois anos depois, saiu o ‘ao vivo’. Esse par de discos foram a melhor trilha das nossas festas. Até então, eu não curtia muito punk rock. E, Lemmy foi a ponte para a nova onda do heavy metal e o crossover punk que nos aproximou de bandas como Sepultura e Detrito Federal. Ele estará entre nós!

Nem sabíamos que Motörhead era uma droga que entortava a mente — com menos de 40 quilos (emprego nem pensar), meu cabelo começava a incomodar e, baseado em Robert Plant, começamos timidamente a pintar os jeans na altura da pélvis. Nós nem conhecíamos Os Magrelos e desconhecíamos loucura pesada. 

 

30

NOVEMBRO

Sexta-feira

A abertura da viagem

Nesse ano, conheci o primeiro do Pink Floyd, ‘The Piper at the Gates of Dawn’ que veio com um outro, o segundo, o ‘A Saucerful of Secrets’. É impossível esquecer a contracapa deste álbum, marcada pela imagem inesquecível de um sapo saindo da boca de uma figura humana.

 

Pink Floyd Lança o Álbum Duplo The Wall: A Cantata Pop

 

O Pink Floyd lançou seu mais recente álbum, The Wall, um disco duplo gravado no ano passado. Este projeto musical oferece, em suas quatro faces, uma dialética rica o suficiente para refletir os 15 anos de carreira da banda (1965-80) e 

deixar uma marca indelével na história do pop.

É importante lembrar que o quarteto inglês ainda representa o ápice do rock progressivo, um gênero que, na década de 70, levou muitas bandas a territórios pantanosos. Com exceção do próprio Pink Floyd e de alguns grupos raros já extintos, como o King Crimson, o som progressivo revelou-se bastante volátil. O viés eletrônico dos sintetizadores provou ser uma armadilha, destruindo rapidamente as esperanças de criatividade de bandas como Emerson, Lake & Palmer, Yes, Rick Wakeman e Triumvirat, que acabaram caindo no ostracismo.

The Wall não se propõe a ser um disco revolucionário, como foi Ummagumma (1969) ou Dark Side of the Moon (1973). Os membros do grupo estão cientes das limitações de sua arte dentro do rock progressivo e buscam opções concretas para os temas de suas canções.

Fruto do psicodelismo dos anos 60, o Pink Floyd, sob a liderança do multiradiante guitarrista Syd Barrett, estreou com The Piper at the Gates of Dawn, cuja letra era marcada pelo surrealismo e novas decodificações da linguagem roqueira. Durante um bom tempo, a banda desbravou terrenos musicais nessa linha, abrindo caminho para experimentações fundamentais que enriqueceram o som pop.

Novos Horizontes

O que diferencia o Pink Floyd de outros artistas do rock progressivo é a capacidade de perceber o esgotamento das possibilidades criativas do gênero. Antes mesmo de Dark Side of the Moon chegar às lojas, a banda já tinha acumulado nove álbuns em sua discografia. A partir desse momento, o grupo adota uma abordagem cautelosa, lançando um novo álbum a cada dois anos — uma média bastante modesta para artistas do show business.

Musicalmente, The Wall não acrescenta nada de novo à obra do Pink Floyd. Desde Wish You Were Here (1975), a nova filosofia do grupo já era evidente, e os limites de sua atuação estavam bem definidos. Assim, o quarteto não buscou mais ousadia musical, mas sim a forma esteticamente perfeita, utilizando elementos acumulados ao longo dos anos.

A partir de então, o Pink Floyd revela um poeta: o baixista Roger Waters. Com um agudíssimo senso crítico, ele se torna essencial na produção das letras da banda. Em um rompimento com as paixões tórridas da psicodelia, Waters traduz a semiótica da mensagem, estabelecendo um neo-realismo pop. É sob essa perspectiva que The Wall se destaca como um avanço na carreira da banda, surpreendendo as expectativas.

 

 Visão Crítica

The Wall pode ser visto como um trabalho conceitual em forma de cantata pop, onde o texto assume o protagonismo. Nunca antes havia tanto foco nas letras dos discos do Floyd. Com 75 minutos de gravação, dois terços desse tempo são dominados pelas letras de Waters.

Não se trata de um rock óbvio, com um espírito contestatório à moda punk; as letras trazem um humor depressivo e situações casuísticas, como em "Mother". 

A canção explora questões profundas e angustiosas:

Mãe, você acha que eles vão soltar a bomba?

Mãe, você acha que eles vão gostar dessa canção?

Mãe, você acha que eles vão tentar me destruir?

Mãe, eu deveria erguer o muro?

Mãe, eu deveria me candidatar à presidência?

Mãe, eu deveria confiar no governo?

Mãe, eles vão me colocar na linha de tiro?

Ou tudo isso é só perda de tempo?

Shhh... agora, silêncio, meu bem, não chore

Mamãe vai transformar todos os seus pesadelos em realidade

Mamãe vai plantar todos os seus medos dentro de você

Mamãe vai manter você bem aqui, debaixo de tuas asas

Ela não vai deixar você voar, mas talvez deixe você cantar

Mamãe vai manter o bebê aquecido e seguro

Oh, meu bem, oh, meu bem

Oh, meu bem, é claro que mamãe vai ajudar a erguer o muro

Mãe, você acha que ela é boa o bastante para mim?

Mãe, você acha que ela pode ser um perigo para mim?

Mãe, será que ela vai despedaçar seu garotinho?

Mãe, será que ela vai partir meu coração?

Shhh... agora, silêncio, meu bem, não chore

Mamãe vai examinar todas as suas namoradas

Mamãe não vai deixar ninguém sujo chegar perto

Mamãe vai esperar acordada até você voltar

Mamãe sempre vai descobrir onde você esteve

Mamãe vai manter o bebê limpo e saudável 

Oh, meu bem, oh, meu bem

Oh, meu bem, você sempre será um bebê para mim

Mãe… precisava ser tão alto?

 

 Arquitetos do som cósmico

Esse clima permeia outros pontos altos de The Wall, como "Another Brick in the Wall" (em três partes), "Comfortably Numb", "Nobody Home", "The Trial" e "The Show Must Go On". 

Sob o ponto de vista instrumental, o álbum é irretocável. O profissionalismo da produção, a cargo de Waters, do guitarrista David Gilmour, do produtor Bob Ezrin (conhecido por seu ecletismo, que lhe permite trabalhar com artistas como Alice Cooper e Kiss) e do engenheiro de som James Guthrie, garante que o mosaico sonoro seja estruturado com a necessária meticulosidade.

Baladas, rock de médio peso e alguns acessos agudos de esquizofrenia roqueira se sucedem, entrelaçados a efeitos sonoros utilizados com moderação, sintetizadores dispostos de maneira apropriada e uma orquestra arranjada com precisão por Ezrin e Michael Kamen.

The Wall dominou o topo das paradas em ambos os lados do Atlântico anglo-saxão. Nos shows, a banda recorre a uma superprodução no estilo Cecil B. de Mille. Um exemplo é a presença de um avião bombardeiro com asas de aproximadamente cinco metros, preso a um cabo de aço, que faz voos rasantes e solta fumaça sobre a plateia. A figura materna, quando o grupo canta "Mother", é representada por um boneco de nove metros de altura e 63 metros de extensão, construído com 340 tijolos de cartolina.

As regalias que seu status proporciona permitem ao Pink Floyd manter uma invejável saúde criativa, utilizando-se de artefatos com raízes profundas no rock eletrônico progressivo. Embora não apresente mais experimentação ou vanguardismo, a banda compensa isso com a excepcional qualidade de seu rock — algo que, ao contrário do que muitos pensam, há muito deixou de ser abundante no mercado pop.

 

03

DEZEMBRO

Segunda-Feira

 

The Who: Luto, Renascimento, Documentário, Trilha para as Telas e a Tragédia de Cincinnati, Ohio

Em 1979, o The Who viveu um ano de renascimento, mas também de tragédia e luto. Após a morte do baterista Keith Moon em 1978, a banda buscou reconectar-se com o público. O documentário The Kids Are Alright, lançado em julho, celebrou a trajetória do grupo, equilibrando seu legado de conquistas com o peso da perda. Ao mesmo tempo, a trilha sonora e o filme Quadrophenia, lançados no mesmo ano, revitalizaram a subcultura mod britânica e aproximaram a banda de uma nova geração de fãs. No entanto, o ano também foi marcado pela tragédia de Cincinnati, em 3 de dezembro de 1979, quando 11 pessoas perderam a vida durante um show devido ao pânico causado pela desorganização do evento, deixando uma cicatriz profunda na banda e em seus seguidores. Apesar dos desafios, 1979 se tornou um marco de reafirmação para o The Who, consolidando seu legado e assegurando seu lugar na história do rock para as gerações futuras.

Os dois álbuns duplos contendo as trilhas sonoras da dobradinha cinematográfica do Who que dentro em breve estará nas telas brasileiras oferecem uma visão bastante interessante da obra do quarteto. Isto porque The Kids are Alright registra o grupo nas regiões em que se movimenta mais à vontade, ou seja, no palco, diante de uma multidão extasiada, enquanto que Quadrophenia retrata um dos momentos mais inspirados de Pete Townshend como compositor, experimentando com equilíbrio, fusões entre o rock pesado e elementos sinfônicos. De certa forma, The Kids Are Alright pode ser encarado como uma espécie de antologia do Who em concerto. Ao longo de suas 4 faces temos nada menos de 19 faixas, entre as quais diversos dos maiores sucessos da banda. “My Generation”, por exemplo, abre o desfile numa gravação realizada para o programa The Smother Brothers, da TV americana. Na sequência do primeiro lado surgem ainda “I Can’t Explain”, “Happy Jack”, “I Can See For Miles” e “Magic Bus”, todas elas exemplos de capacidade de Townshend em colocar letras objetivas e profundamente críticas em rocks visceralmente inovadores.

Contudo, é na face B que o ouvinte começa a deparar-se com o Who da fase Woodstock, onde a integração entre os 4 músicos atingia seu ápice. Quem assistiu ao filme que documenta o festival provavelmente guarda da apresentação do conjunto as melhores recordações roqueiras. Particularmente em “Summertime Blues” a perfeita integração entre guitarra esquizofrênica de Townshend, a bateria enfurecida de Moon e o contrabaixo de John Entwistle caiam feito luva como base para o desempenho vocal rico de Roger Daltrey.

No álbum duplo é exatamente num excerto de Tommy gravado durante o festival e numa interpretação antológica para “Young Man Blues” de peso idêntico àquela incluída em Live At Leeds que levam o melhor aos ouvintes. Já em regiões mais recentes “Won’t Get Fooled Again”, um dos mais violentos comentários políticos já escritos pelo guitarrista afetou em nada a energia do Who.

Assim Quadrophenia, por sua vez, surge em versão algo diversa daquela apresentada originalmente num outro álbum duplo em 1973. John Entwistle, a figura que se dedicara no início da década passada a recolher cuidadosamente uma série de canções gravadas ao longo da carreira do grupo, mas nunca aproveitadas em disco, lançando-as no excelente Odds & Sods (Restos, coisas variadas ou coisas sobrando), cuidou de trancar-se num estúdio e remixar a ópera original. O resultado agora é um Quadrophenia sintetizado em apenas com trabalho instrumental de colorido mais atual. O espírito da obra de Townshend, no entanto, foi mantido: a ópera procura retratar a vida dos mods, filhos do operariado inglês que agitavam em meados dos anos 60. E os Who, obviamente, foram mods radicais.

No outro disco do álbum duplo estão reunidos desde canções dos High Numbers (a épica “Zoot Suit”) até uma série de sucessos rhythm and blues daquela época curtidos entre os mods, como a quentíssima “Night Train”, de James Brown, “Green Onions”, de Booker T. & The M.G.'s, “He’s So Fine”.

 

ARTES

Franz Weissmann expõe no Instituto dos Arquitetos do Brasil, Rio de Janeiro.

 

FINS DE DEZEMBRO

Made in Brazil

O ano de 1979 chegou ao fim com uma temporada de duas semanas no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, onde o Made in Brazil se apresentou ao lado de Celso, Naná e do guitarrista norte-americano Breck Heffner. A banda contou com Nelson Pavão na bateria, Oswaldo no baixo, e os vocais de Caio Flavio, Lucinha e Juju. Um destaque à parte foi a performance de Eloá, uma Striper que encantou o público ao se despir durante o show.

Para encerrar o ano com chave de ouro, Oswaldo organizou o Rock Jeans, um festival de rock que ocorreu por duas semanas no Playcenter, também em São Paulo, reunindo grandes nomes do rock da época. O Made in Brazil fez quatro apresentações, aproveitando a companhia de oito ritmistas da Escola de Samba Mocidade Alegre da Casa Verde nas músicas "Banheiro" e "Sympathy for the Devil". Nesses shows, a banda também contou novamente com o talento de Celso e "Babalu" nas guitarras, trazendo de volta a energia característica de suas performances.

 

Gibsons do Espaço na Patrulha

 


Walter Baillot (ex-Cães & Gatos) e Dudu Chermont dominavam as Gibsons da lendária Patrulha do Espaço no ano de 1979. O registro dessa era icônica foi capturado pelas lentes de Grace Lagôa, eternizando o brilho e a energia da dupla em pleno auge do rock brasileiro.

★ A mal alimentada e corajosa mídia musical do período anuncia em poucas linhas o “Unziôtru” como um grupo promessa, ainda sem nome e contrato — expoentes da “brazilian new wave” — formado por dois ex-mutantes, e, como participante especial mais tarde chegou outro ex-mutantes, Ruy Motta, bateria juntando-se a Arnaldo, teclados, Antonio Pedro, contrabaixo e Lulu Santos, guitarra. Anteriormente o grupo acabou marcando 4 shows na Funarte, no Rio de Janeiro. Os shows valeram mais por seu conteúdo histórico do que por outra coisa. Há uma versão que durante o show Arnaldo apresentou apenas pequenos fragmentos no piano tocando boogie-woogie enquanto Lulu canta algumas coisas do seu repertório inicial. Após esses quatro espetáculos o grupo se dissolve sem novas apresentações. 

Márcio Bahia, voltando para 1979, o que você se lembra dos shows do Unziôtru com o Arnaldo Baptista? O Rui Motta chegou a assumir o seu lugar?

Márcio Bahia: — Rapaz, faz tanto tempo... Mas acredito que ele tenha tocado sim depois de mim. Foi uma experiência muito divertida, o repertório era ótimo de tocar. Nossa estreia foi no finado Apaloosa, em Copacabana, um espaço que tinha uma programação dedicada exclusivamente ao rock. A banda era formada pelo Arnaldo, Lulu, Antonio Pedro e eu. Grande abraço, obrigado por trazer essa lembrança que guardo com muito carinho!

 

ARTES

Carlos Vergara realiza, com Ruth Freihof, a programação visual da capa do disco Saudades do Brasil, de Elis Regina; com o cenógrafo Marcos Flaksman cria o cenário do show homônimo. No mesmo ano, assina a concepção visual da capa do disco Elis.

Luís Sacilotto, Concreção 7959.

 

Oiticica — Um Breve Depoimento de Almandrade

Em julho de 1979, durante o Festival de Inverno da Universidade Católica do Recife, Hélio Oiticica foi convidado para apresentar suas experiências com “parangolé” e realizar uma retrospectiva de sua obra por meio de slides. O autor do depoimento estava também presente, exibindo sua pequena mostra “Manias de Narciso,” que impressionou Oiticica.

Oiticica buscava um público marginal, afastado de influências acadêmicas, acreditando que a marginalidade proporciona liberdade criativa. Em uma noite, ele e alguns amigos exploraram a periferia do Recife em busca de uma escola de samba, conversando sobre arte e sua relação com movimentos como a Tropicália. Para Oiticica, arte era uma experiência cotidiana de resistência contra opressões sociais, estéticas e políticas.

Durante a projeção de slides, foram mostradas imagens que refletiam a intensa conversa da noite anterior, abrangendo temas como arte concreta, neo-concreta e ambiental. A trajetória de Oiticica na arte brasileira refletia uma tensão entre criação e vivência. O depoimento lembra que, quase oito meses depois, Oiticica faleceu em um apartamento, após um derrame cerebral, deixando uma marca de sua presença discreta, porém brilhante, no festival.

Almandrade (Artista plástico, poeta e arquiteto)

 

TEATRO

Em 1979, recém-chegado do exílio, Zé Celso tomou um ácido, foi até o final do espaço do Oficina, derrubou a parede e encontrou o estacionamento do grupo SS, que havia tomado o quarteirão e queria também o terreno do teatro. "Talvez a coisa mais fantástica seja a luta com o capital vídeo-financeiro, encarnado num outro artista, Silvio Santos. Uma coisa espetacular, cultural."

A Vingança do Carapanã Atômico — Tudo começou em 1979, com esta peça de Pedro Anísio. Inicialmente, Aloísio Batata seria o flautista da banda que acompanharia a peça. Acabou intérprete do personagem Macunaíma.

A peça Os Sete Trabalhos de Estive, é um dos grandes sucessos de Ary Pára-raios na distante temporada de 1979, com direção de Hugo Rodas e atores do grupo XPTO.

 

31

DEZEMBRO
Segunda-feira

O Esquadrão da Vida sai pela primeira vez às ruas da capital do Brasil. Desde então, muita coisa se passou. Desejamos a todos um ano novo cheio de novas descobertas e de muita coragem, com alegria sempre! Parabéns para nós! Não é fácil ver o mundo de cabeça pra baixo, mas com certeza vale a pena! Um beijo bem grande!” 

(Esquadrão da Vida)

 Guará, O Pai da Bomba

Tem situações em que ela é bem-vinda.Tiago Rabelo

Dezembro, na QE 7, colado no sucesso da novela, surgiu o restaurante Marrom Glacê, cujo prato chefe era um sanduíche gigante batizado de bomba atômica. As paredes internas do restaurante sob uma delirante estética hippie estampavam, carros, estradas e o inevitável pôr do sol. Lá fora, fazia fila para o pedido.

 

Receita do Sucesso

Passados mais de 40 anos, a bomba é uma das especialidades culinárias do Guará, seus inúmeros locais de vendas, são pontos de encontro para um só desejo: matar a gula.

O segredo é ter todos os ingredientes de um sanduíche tradicional e ainda assim caber em uma bocada. Ser saboroso e ainda assim de baixo custo. Se for assim o sucesso será garantido.

A receita é pesada: pão de hambúrguer, carne bovina, queijo tipo muçarela, salsicha, ovo, presunto e salada. Tudo isso, pode ser acompanhado do combo: refrigerante cola em copo com 300ml e batata frita.

O próprio ‘inventor’ Marcelo Poli reconhece que ‘a bomba deve ser degustada somente às vezes, por uma questão de saúde.’

 O atual arsenal das bombas

O antigo Marrom Glacê, para não ser mais associado à novela, mudou seu nome para Bomba Grill, continua sendo um dos preferidos dos fãs da bomba. No Guará 1 e 2, já são mais de 10 lanchonetes especializadas, entre elas: Alô Bomba, Disk Bomba, Big Bombas, X-Bombas. No Consei, Biga’s, na QE 40, Horácio Burger. Não importa o nome, o sanduíche continua bombando. 

 — Você já Fez Bundalelê?

 'Essa atitude dos jovens brasilienses talvez se deva à energia acumulada, gerando necessidade de expansão, e à necessidade de se sentirem fortes, demonstrando uma criação onde não tiveram permissão para serem fracos. Corredores querem mostrar coragem.’ — Eduardo Leal Neto, estudante de psicologia.

Pedalava quase meia hora e com a bicicleta monark aos pés fincava os pneus no balão André Luiz, na QE 16.  Apinhado de gente que acabara de assistir ao futebol e não embarca nos domingos do Fantástico’, o show da vida.. Jovens boçais de 15 a 25 anos, torcendo por um capotamento, atropelamento em massa. A curva da morte fervilhava de fusquinhas zero-km, opalas, caravans, galaxies 500, belinas, dodjões, mavericks e motos. Intrépidos motoristas disfarçados reinavam: alguns carros atravessavam a rotatória. O melhor quadro da noite, era quando uma bunda branca colava no vidro e suspirávamos. Era o encontro da lâmina do toureiro com o sangue de boi. Babávamos mais do que se estivéssemos no Bobódro. Para não perder o clima, o pobre do buzu fazia a curva em 2 rodas e avançava sobre as pessoas como se o mar vermelho fosse aberto.

O aviso do primeiro racha foi pichado nos muros. Na noite de estreia, a polícia foi rechaçada por paus e pedras. Para o racha seguinte, a polícia retornou reforçada.

Durava até a meia-noite. No auge da diversão, o camburão aparecia e dissipava a muvuca. No dia seguinte, líamos a Guerra dos Pegas, no Correio Braziliense, era 12 de novembro de 1979, fruto da mente criativa de Mário Eugênio, implacável algoz dos maconheiros. Aos 15 anos, a maior transgressão era exibir uma calcinha vermelha na janela do banco de trás. — Nunca fez bundalelê? Era um dos comentários sarcásticos. Nos sentíamos fazendo parte de algum organismo vivo, quando líamos a matéria e refletia que estávamos lá. Mas, o espírito de James Dean castiga. Um dia alguém perderia a vida, como ele perdeu a dele. As duas mobiletes na curva adjacente, uma manga da blusa enroscou no guidom da outra mobilete na curva (que era mais larga e longa) do balão. As mobiletes descontroladas avançaram sobre a muvuca e capotaram. Boi, o jovem motoqueiro foi atirado no terminal de ônibus do Guará I.

 

1979/89: Uma Década de Pegas nas Ruas e Tapas na Pantera

 'Em Taguatinga tínhamos nosso viaduto para os pegas, onde tudo ficava mais emocionante quando chegavam as veraneios vascaínas, o bundalelê agitava a praça do DI. Quem viveu viu!’ 

‘O apelido de Boi era pela força, devia ter menos de 24 anos quando perdeu a vida em 1989, logo depois o movimento de pegas foi para o balão da entrada de Taguatinga, enquanto os profissionais fugiam da exposição contornando o balão do aeroporto e esticando marchas até o Gilberto Salomão. Boi, era um trabalhador querido do pessoal da QI 10, trabalhou na loja de adesivos, Degradê, com o também finado e querido Rubão, baterista da Skaravelho, andava com a juventude que fazia o Arraiá do ToKo Cru Pegando Fogo. Época dos Demônios da 10 e das melhores festas juninas do Guará, junto com a festa da QI 22. O organizador da festa, da QI 10, Paixão, perderia a vida no começo dos anos 90, no Salto do Corumbá.’ (Tiago Rabelo)

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