Uma Melancolia Blues: Ao Som de Faremos Uma Noitada Excelente (1987)

Recado

Uma melancolia blues

Estou aqui sentado à beira do caminho, ouvindo Faremos Uma Noitada Excelente.
Fernando Naporano

Uma tristeza trajada em vestes saudosistas assola meus 20 dedos. Uma tristeza, de certa forma melancólica, que me remete a certos dias de sonho. Hoje, abandonei a esperança e não tenho nenhuma fantasia que me agrade. Tenho vivido de restos, de vislumbres arrancados ao acaso e de imagens loiras que se desfazem no black and white.

Ao perceber que estava abaixo de cão e que meu próximo passo seria o centro da Terra, resolvi, antes de afundar de vez, reencontrar a trilha sonora ideal para minha solidão: a única música de Arnaldo Dias Baptista.

Como desabafou um dia Antonin Artaud: “Não tenho feito outra coisa, senão recuperar-me.” Nestes últimos meses, tratei minhas cicatrizes com os dois LPs de Arnaldo, que, assim como tantos outros grandes poetas, tem uma obra pequena, porém imensa, pois cada canção traduz um mergulho em determinados estados de alma.

Insolitamente, andei imaginando as sobras de estúdio e os (possíveis) registros ao vivo daqueles anos lilases — tão diferentes do oportunismo, da pasteurização, do sectarismo e da repressão que militam nesta década horrorosa, cercada de modismos, de gurus mórbidos, de panelinhas de vã-guarda e de uma profunda falta de tradição.

O milagre de minha sensação materializou-se. Meio que inesperadamente, recebi o LP Faremos Uma Noitada Excelente, gravado no Teatro São Pedro, em maio de 1978. Assisti a esse show com perplexidade. Ouvi seis fragmentos nove anos depois e me bateu uma saudade terrível. Tudo era muito bonito. Ainda não havia a síndrome de yuppização, muito menos o endeusamento provinciano que, atualmente, a mídia promove de certos nominhos. Naquela época, os nomes eram poucos, mas significativos. Arnaldo era um dos mais, senão o mais importante artífice dos anos 70. Algo mágico e sinistro, sentimental e feroz, apático e alucinado. Recordo-me vagamente de nossos eventuais encontros e breves diálogos à base de loucura.

No início dos anos 80, me mandei do Brasil. Soube, em 1982, que ele sofrera um grave acidente. Achei normal, pois, assim como os gênios, Arnaldo amava a tal ponto que, para a paixão confundir-se com a morte, o caminho era muito curto.

Quando regressei, em 1983, reencontrei-o no lançamento de um livro. Nem paixão, nem morte. Ele parecia alegre e inconsciente. Uma criança, como sempre foi, mas uma criança muito transformada. Obviamente, ele não me reconheceu.

Não fiz nada para remexer sua memória e optei pelo silêncio. Fiquei sabendo que ele foi auxiliado (ressuscitado, dizem) por um grupo de meninas que se revezavam em penitências para reaproximá-lo da vida. Achei isso bonito, mas, por outro lado, fiquei chateado ao saber que ele estava sendo tratado como um doente, com alimentação e cigarros controlados. E fiquei ainda mais grilado quando esses fatos se tornaram públicos, até mesmo com uma grande matéria na revista Manchete (julho de 1983).

Desde então, não mais escutei nada a respeito de sua vida particular. Há poucos dias, soube, através de Luiz Carlos Calanca — o heróico criador do selo Baratos Afins (que debutou com Singin’ Alone, seu segundo LP) —, que ele está muito bem e que, na próxima semana, já estará à disposição dos fãs.

(Atenção: não é um disco para ser encarado sob os critérios de qualidade técnica, e sim emocional.)

O LP Disco Voador, gravado no final de 1986. Não ouvi, mas adorei. Já está garantido mais um bálsamo para a morte e renascimento dessa coisa chamada paixão.

(InO Estado de S. Paulo, 7 de outubro de 1987)

★ Cogitou-se a possibilidade de regravar o LP Disco Voador em estúdio, mas o artista recusou a ideia.

“Na esteira do movimento Respeita as Mina, o livro ainda corrige, por tabela, mais uma injustiça histórica ao retratar Lucinha Barbosa, companheira do eterno mutante Arnaldo Baptista. Na autobiografia de Rita Lee, Lucinha é descrita com ironia cruel como ‘a fã que parecia Rita Lee’ e reduzida à figura de uma groupie que estava na porta do hospital e, na ausência da família, adotou Arnaldo – versão reforçada pelo documentário Lóki (embora o filme tente reconhecer o comprometimento de Lucinha com a recuperação de seu grande amor).

“Até a publicação de Ondas Tropicais, Lucinha era vista como a dedicada fã sem história e sem vontade própria, que teria simplesmente surgido para ‘sequestrar’ Arnaldo Baptista para sua vida. O livro mostra que não foi bem assim. Lucinha já transitava há anos pelo universo da música hippie e descolada paulistana e era amiga de Arnaldo e Sônia. Mística e influente no meio, circulava com figuras como Jaques Kaleidoscópio, DJ referência do rock alternativo nos anos 70, e chegou a ser uma espécie de guru informal para Sônia, apresentando-lhe novos sons, novas cenas e novas formas de pensar.

“Tampouco foi Lucinha quem cuidou sozinha de Arnaldo após seu acidente. Sônia, filha de médico, montou um grupo de amigas para acompanhar o músico durante o coma. Esse grupo incluía, além de Lucinha e Sônia, Vera (irmã de Lucinha), a artesã Suzana Braga, Carmen Sylvia (cunhada de Dinho, baterista dos Mutantes) e a fotógrafa Grace Lagôa. Todas eram fãs de Arnaldo, assim como eu, provavelmente você que está lendo, e também nomes como Beck, David Byrne e Sean Lennon, só para citar alguns.

“Resumo da história: Arnaldo foi resgatado por um grupo de amigas e saiu do coma, como ele mesmo descreve, ‘na cama da minha menina’ – com quem é casado até hoje”.

(Jota Wagner, in https://musicnonstop.uol.com.br/sonia-abreu-passa-vida-seus-52-anos-de-carreira-como-dj-a-limpo-em-biografia-leia-entrevista-com-a-pioneira/)

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