ENTREVISTA ENSAIADA E GRAVADA COM ARNALDO BAPTISTA EM 1989!
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Arnaldo Baptista e Pacheco Santos em 1989 (arte Barbieri)
Arnaldo Baptista é entrevistado por Pazcheco Santos em 1989
"Tendo em vista a excelente repercussão dada ao documentário, primeiro longa metragem produzido pela produtora Canal Brasil, baseado na vida do ex-mutante Arnaldo Baptista, achei que agora mais do que nunca esta entrevista concedida muitos anos atrás, pela sua relevância, merece aqui ser reproduzida."
22 mar. / 1989 - Lá pelo finalzinho dos anos 80, os jornais noticiavam que Arnaldo Baptista recusava-se a receber visitas. Ele não queria receber nem seu irmão, Sergio Dias Baptista. De tudo, um pouco de verdade.
Não acreditando na veracidade dos fatos e lutando contra a barragem criada pelos parentes e amigos do músico, Pacheco Santos, tentou marcar um encontro.
Como Pacheco e Arnaldo já se correspondiam por carta à alguns meses, Pacheco fez o convite. Arnaldo no entanto impôs algumas condições que Pacheco não pode aceitar. Pacheco inconformado, deixou claro que ele não desistiria tão facilmente e durante uma conversa telefônica um acordo foi acertado.
Setenta e duas horas depois Pacheco e Arnaldo estavam à beira da piscina entre um cigarro e outro gravando esse papo que reproduzo abaixo e que acabou fazendo parte do seu livro chamado "Balada do Louco" publicado em 1991 e infelizmente esgotado.
Através do Arnaldo, o entrevistador ficou sabendo que outros, que como ele, tentaram uma entrevista não tiveram a mesma sorte pois, tratava-se da primeira entrevista que Arnaldo concedia em cinco anos...
A ENTREVISTA
Pacheco: Qual a contribuição da tevê, para a vida das pessoas?
Arnaldo: Depende da forma e da cabeça.
Pacheco: E Os Mutantes contribuíram de que forma para o rock brasileiro?
Arnaldo: Houve uma certa hesitação em conciliar a música nordestina, que era bem latina, influenciada mais pela cultura africana que a de São Paulo, que era totalmente eletrônica mais um pouquinho voltada para New York, então houve a Tropicália, nesse sentido os Mutantes uniram o ritmo latino com a eletrônica do Sul, nascia a Tropicália
Pacheco: Como eram as críticas que o pessoal fazia em relação ao trabalho de vocês?
Arnaldo: Eramos relativamente novos e jovens na época, então sentia-se, por intermédio do empresário e comentários nos bastidores, que havia um movimento contrário à utilização do som de guitarras que a gente utilizou, que na época ainda era separado a Jovem Guarda da Bossa Nova que era um lado meio jazzístico frio mas levado para um lado sambístico, então a gente serviu de intermediário entre a Bossa e o Tropicalismo, a cultura de guitarras.
Pacheco: Nas críticas, o pessoal dava uma força ou malhava?
Arnaldo: Muita gente era contra, e alguns eram a favor.
Pacheco: Como eram os festivais, participar?
Arnaldo: No comecinho, a gente se viu envolvido, pela classificação de uma música que nós não havíamos composto, e a novidade das guitarras. Então o Gilberto Gil comandou, duma certa forma, isso do lado tropicalista. Então o Festival era assim até quando nós começamos a fazê-lo sozinhos depois de algum tempo. Descoberta da nossa parte que o Gil já havia feito. Caminhante Noturno foi a primeira composição nossa concorrendo num festival, depois a gente foi sabendo porque a nossa música atingia o público, e porque não atingia também.
Pacheco: E como era esse público?
Arnaldo: Era um pouquinho variante em relação ao público tropicalista, do público rock’n’roll, jovem guarda. Nós tocamos poucas vezes no programa do Roberto Carlos, então havia uma certa falta de ambientação entre o Tropicalismo e o Roberto Carlos com a Bossa Nova. Existia isso, a gente servia de ponte muitas vezes contrária ao público e esse se dividia a favor ou contra nós. A gente era classificado a respeito disso e sempre terminávamos como melhores intérpretes, uma coisa que a gente chegava perto do líder, nunca na classificação de música.
Pacheco: Qual era a mensagem do Tropicalismo?
Arnaldo: Dependia muito de quem era o tropicalista. Era diferente Gil de Gal Costa, do Caetano Veloso, Torquato Neto, Capinam esse pessoal todo.
Pacheco: No Brasil existia uma música superior à música estrangeira?
Arnaldo: Mas eu não creio atualmente que fosse superior ao que era feito no Exterior: Mamas e Papas, Ventures, etc.
Pacheco: Mas era uma música que já não era tão careta, era uma música que podia tocar no rádio, e que os jovens podiam consumir um produto natural daqui sem contra-indicações.
Arnaldo: É, mas também uma música que não era muito unida. Nós raramente ensaiamos com o Gilberto Gil com o qual tocamos. E nunca ensaiamos com Caetano Veloso, Gal Costa, com todo esse pessoal que tocava no programa “Divino Maravilhoso”.
Pacheco: Mas vocês participaram do Primeiro LP da Gal Costa, “Só”.
Arnaldo: Sim! Mas só cantando com ela. Com a Nana Caymmi igual, também. Então a gente chegava no estúdio e ouvia a fita um dia ou dois, ensaiava e lá gravava, não havia participação na criatividade que envolvesse harmonia, um palpite à respeito de uma parte musical que devia ser mais para um lado envolvente, um lado mais místico, ou outro lado mais sistema, a gente não podia compor, apenas cantava naquela época.
Pacheco: E quais são as boas lembranças desse período?
Arnaldo: Nenhuma que me lembre agora, apenas a eletrônica na música
Pacheco: Vocês aprontavam alguma sacanagem, contra aquele pessoal reacionário?
Arnaldo: Não! Eu pessoalmente não fazia essa diferença tão tangível que era mais exposta no Gil do que no restante das pessoas, eu não era tão crítico a esse ponto, achava que de uma certa forma se a música fosse de Bossa Nova, tropicalista, samba ou jazz, ou rock mesmo, se fosse boa era boa, não fosse boa era ruim. Não me interessava muito; interessava-me o resultado final do entretenimento.
Pacheco: A visão minha e de várias pessoas é a de que os Mutantes eram psicodélicos, alucinados...
Arnaldo: Houve fases, nós durante muito tempo não levamos adiante esse fato Psicodelismo, começamos a levar mais adiante a partir da gravação do LP “Divina Comédia” (1970), então, começou-se a sentir o psicodelismo na música.
Pacheco: De que maneira o psicodelismo interferiu na música do grupo?
Arnaldo: Não tão profundamente, mas no lado criativo que a gente imagina passou a ser mais real um pouco. A música é uma energia meio plasmática e fica impossível dizer que através disso a gente ficou isso, eu acho que é muito rotular esse tipo de visão. Um exemplo clássico disso: hoje fala-se muito de heavy-metal, e na minha época, que comecei com Os Mutantes, isso era tido entre nós músicos como “lenha”. Então é muito diferente outro termo, fala-se em heavy-metal e eu não entendo, pra mim heavy-metal é a orquestra de Glenn Miller. (risos).
Pacheco: Mas voltando no tempo, como foi que você começou a tocar piano?
Arnaldo: É que eu tinha um piano de cauda em casa, minha mãe era pianista, comecei com o conjunto no contrabaixo, até que um dia resolvi colocar o teclado, para, de uma certa forma, abranger o lado agudo também que era mais do Serginho e da Rita, então abrangi esse lado também. Depois de entrar com o teclado, deixei o baixo uma coisa que coloria o palco, mas não era o meu íntimo, tocava muito piano sem tocar no conjunto, então nas gravações fazia alguns apanhados de clichês de órgão, mas eu era mais contrabaixista e passei a ser tecladista.
Pacheco: Qual a sua maior influência nas teclas?
Arnaldo: Jimmy Smith e seu calor sonoro.
Pacheco: Agora aquela pergunta que é obscura e o pessoal ainda não leu por que você abandonou Os Mutantes?
Arnaldo: É tenho a impressão que isto ficou um pouquinho difícil de declarar, por meio de certas formas estou tentando colocar isso adiante na imprensa, mas ainda não consegui. Mas declaro agora foi unicamente devido a amplificação transistorizada, eu queria amplificadores valvulados e eles não quiseram, então abandonei Os Mutantes.
Pacheco: Quais os seus planos musicais para o presente?
Arnaldo: Estão direcionados para o mínimo que é escutado, por todos os seres humanos, e quer dizer em outras palavras que é a máquina som acompanha a máquina ser humano. Um paralelo entre a ciência, tecnologia e nosso corpo também uma máquina de certa forma.
Pacheco: Por que você começou a pintar? Gasta muito tempo com a pintura?
Arnaldo: Foi recentemente, uma coisa de dois anos atrás, mais a fundo, antes eu fazia um quadro ou outro num ano ou menos. Mas foi tarde, comecei com 25 anos creio.
Pacheco: E quantos quadros você tem em média?
Arnaldo: Aqui em casa tenho mais ou menos ao redor de 200 quadros, numa média que não posso dar exata, uns 10% ou 15% pode ter 230 ou 190 alguma coisa assim.
Pacheco: E como é a produção dos quadros, leva muito tempo?
Arnaldo: Não! Cada um depende do apanhado, modo de vista meu, faço o esquete, desenho como vai ser apoiado numa idéia. Senti a necessidade de extravasar esse sentimento atualmente. Por exemplo, estou transando um que ainda não pintei. É a respeito do cigarro, eles produzem monóxido ou dióxido de carbono? Uma coisa que vou expressar a respeito disso com um quadro. Existem muitos tipos de trabalho: a colagem, tinta a óleo, dois tipos de conotação pintura tipo Rafael, tipo Leonardo Da Vinci; não sou profundo no sentido de Bosh, sou mais Da Vinci. Então, têm impressionismo e cubismo tons que envolvem o produto final em colagens etc...
Pacheco: Tem algo de Salvador Dalí?
Arnaldo: Tem muito dele no princípio e tem principalmente um pouquinho mais no meu interior de Maxfield Parrish que é pintor. Dali foi o desbravador do Surrealismo, mas o Parrish foi adiante no lado mais de paisagens de perfeccionismo junto a fotografia. Dali era um pouquinho distante. Mas é difícil pensar isso que envolve Dali e Parrish; ambos são bons no tempo.
Pacheco: E atualmente, na cena musical brasileira, quem você destaca?
Arnaldo: Hermeto Paschoal, gosto do estilo dele.
Pacheco: E da antiga?
Arnaldo: Num pouquinho do passado do Lanny Gordin, tocava guitarra com o Gil e o Caetano. O pai dele é dono da boate Stardust, tem um lado musical íntimo meu que vem de ensaios. Eu respeito o lado público, é muito difícil chegar a um entendimento a respeito do Lanny. Ele é uma pessoa mais de boate, músico que entra e toca, não é nenhum star. Só isso engloba a música dele tipo que não é um cara muito assim Lulu Santos que é um pouquinho demais nesse sentido. Mas haveria um intercâmbio de Lulu e Lanny seria o mais próximo da realidade.
Pacheco: O que você achou daquela declaração que o Lulu fez a seu respeito para a revista Bizz?
Arnaldo: Muito estrela, o que falta no Lanny, mas faltou a ele um pouquinho do Lanny, ser mais íntimo. Um exemplo disso que é uma coisa que eu falo mais como músico o relacionamento que o ser tem com a música: um produto que é resultado dele. Lulu possui uma guitarra perfeita que nunca usa então tem haver com isso, o modo de ser. O Lobão também tem subir no palco mas nunca usou, mas tava lá.
Pacheco: E encerrando qual o título do seu próximo LP?
Arnaldo: Deixe Cama! Os Rolling Stones possuem um LP chamado “Let it Bleed” (“Deixa Sangrar”), já os Beatles tem um outro “Let it Be” (“Deixa Estar”), eu utilizei bed; "Let it Bed" (“Deixa Cama”).
Pacheco: Algum recado em especial par aos leitores?
Arnaldo: Eu li ontem que um intercâmbio entre a música e a ciência, servirá de resultado final que vai trazer soluções contra o apocalipse. Irá chamar-se Após-calipse, essa é a minha impressão.
Pacheco: Por que o final da parceria entre você e Rita Lee Jones?
Arnaldo: A parceria teve um lado meio difícil de extrapolar, é um lado mais íntimo, ela juntou-se a Lúcia Turnbull (que eu aprecio muito), não foi totalmente comigo. Além disso ela possuía um lado artístico meio difícil de acompanhar, mas era bonito/sonhador nesse sentido poético/místico, foi nesse sentido que a parceria desencaminhou, não houve concordância. Um exemplo disso o fato dela gostar da marca Grestch e eu gosto de guitarras Gibson que tem muito haver com guitarras e envolve a composição também.