Livro revela bandas desconhecidas do rock nacional

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Livro revela histórias de bandas desconhecidas do rock nacional

Ricardo Schott, Jornal do Brasil 


 

08 set. / 2009 - Rio de Janeiro - Nos anos 60, o rock nacional parecia ter três vias, que às vezes se cruzavam em camarins de shows. A mais visível era a das bandas jovemguardistas, como Renato & Seus Blue Caps e Os Incríveis, onipresentes na televisão e no coração do povo. No meio, havia os Mutantes, banda com prestígio inabalável e vendagem razoável. A vertente que funcionava como pano de fundo no período é a que interessa ao pesquisador carioca Nelio Rodrigues, autor do recém-lançado Histórias perdidas do rock brasileiro – Vol. 1. 
 

Rodrigues, também autor de Os Rolling Stones no Brasil e coautor de Sexo, drogas e Rolling Stones, ao lado do jornalista José Emílio Rondeau, prefere focar-se em bandas pouco conhecidas do Rio como Os Selvagens, Analfabitles, Red Snakes, Faia, The Bubbles (que depois viraria A Bolha), Equipe Mercado, Karma e Módulo 1000, que ajudaram a pavimentar alguns dos primeiros cenários subterrâneos do rock nacional. 

– Foram bandas como Bubbles e Analfabitles que criaram a noção de um som da pesada mesmo, com a aparelhagem na frente do palco, impondo respeito – relata Rodrigues, que lança Histórias perdidas na Bienal do Livro, no Espaço Letras de Niterói, dia 17, às 18h. – As bandas da Jovem Guarda usavam equipamentos pífios. Eram guitarras e amplificadores ruins. Os grupos novos até emprestavam equipamento para elas. Conjuntos como The Bubbles já tinham uma preocupação com iluminação e cenário que essas bandas mais populares não tinham. 

Entre os fatores que contavam para que tais bandas estivessem na frente, diz Rodrigues, era o interesse por informações novas – que eram conseguidas economizando mesadas para comprar revistas e discos importados. 

– Em 1967 uma banda americana veio tocar aqui e trouxe um equipamento para light show, que fazia aquela iluminação psicodélica que chamavam de “luz bolha“ – recorda. – Grupos como o Soma e The Bubbles compraram essa máquina. Eram essas bandas que tinham acesso a esse tipo de informação. 

Além do interesse por novidades, a ousadia contava, e muito. Eram formações afastadas do iê-iê-iê que tocava no rádio e geralmente contratadas de heroicos selos independentes – como o Top Tape, que lançou a estreia acid-rock do Módulo 1000, Não fale com paredes, de 1970, hoje reeditada até na Europa, e o inacreditável Orange, uma releitura cabocla da Apple dos Beatles, que chegou a lançar compactos do The Cougars e de Serguei. O que as ajudava a ganhar liberdade para ousar no palco e no estúdio. 

– Num show do Sound Factory, uma menina simplesmente tirou a camisa perto do palco e começou a dançar – relata. – Já os Selvagens conseguiram se apresentam num festival no Pavilhão de São Cristóvão para o qual não estavam programados. Foram lá com os equipamentos e se enfiaram no palco, sem pedir licença. Acabaram tocando. Nas apresentações do Módulo 1000, a banda falava para o público se sentar, porque o som viria do chão. 

De tanto insistir, algumas bandas até arrombavam as portas do primeiro time do pop a seu modo. Foi o caso do Faia, que teve como baterista Luiz Moreno (que depois tocaria n'O Terço), acompanhou Zé Rodrix na primeira gravação de Casa no campo, em 1971, e foi levado por Raul Seixas para testes na Philips, hoje Universal. Ou o Red Snakes, grupo do Grajaú que lançou em 1969 o LP Trying to be someone, repleto de composições próprias, pelo selo Equipe, e acabou abrindo vários shows para Wilson Simonal. 

– Também fazíamos muita coisa com a Gal Costa e com Antonio Adolfo e a Brazuca – recorda o vocalista Alvaro Rodrigues, que hoje, ainda envolvido com música, atende pelo nome de Mattuzalém e conduz projetos ligados ao rockabilly pela noite carioca. – Fazer rock era uma barra pesada. Arrumar equipamento era difícil. Lembro que conseguíamos alguns com um coroa que era a cara do Sherlock Holmes. 

As drogas também fazem parte do livro – e surgem em histórias como a da banda Karma, um dos raros exemplos de grupo de rock a gravar disco por uma multinacional (em 1972, pela RCA, atual Sony Music). O guitarrista do grupo passou a sofrer sequelas do uso de LSD, como explica Rodrigues. O lado anedótico do uso das substâncias ilícitas fica com a banda The Bubbles. 

– Eram os doidões da época. Quando eles subiam no palco, jogavam baganas (restos de cigarros de maconha) para eles. Os músicos fumavam embaixo do palco e ficava um roadie com um spray disfarçando o cheiro – relata. 

Aos 57 anos, nascido em Recife mas criado na Zona Sul carioca, Rodrigues começou a se interessar por rock desde cedo – mas, biólogo de formação, só abraçou a pesquisa e as letras há menos de 10 anos, quando foi convidado pela editora Ampersand para escrever Os Rolling Stones no Brasil. Para o livro novo, além de escrever material inédito, resgatou textos seus que estavam na rede. 

– O rock como fenômeno de massas é atrasado no Brasil. Só passou a ganhar mídia nos anos 80. Antes era uma vida de guerreiro, tanto que muitos desistiam e iam estudar – lembra Rodrigues, que promete no segundo volume das Histórias perdidas biografias de bandas como Os Lobos, Vímana e Veludo. – Mas é uma pena que, mesmo quando se fala dos anos 60 e 70, só exista espaço para Rita Lee, Raul Seixas, Mutantes. Muitos discos dessa época são melhores do que Raulzito e os Panteras, estreia do Raul Seixas (1967), por exemplo.  
 
 

 

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