GERALDO VANDRÉ: NO BRASIL! NÃO FAÇO NADA!
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Geraldo Vandré: No Brasil! Não faço nada!
Em Brasília, nos idos de 1979, Antonio Carlos Muniz, meu vizinho era contínuo do Banco do Brasil, geralmente no fim do mês ele trazia as últimas novidades discófilas, o jovem contínuo era capaz de trazer os últimos lançamentos do Queen, Led Zeppelin ou Pink Floyd e toneladas de discomusic. Num mês desses, ele nos surpreendeu: trouxe um compacto simples com a foto de Geraldo Vandré contendo Para não dizer que não falei das flores, ou Caminhando, ou Sexta coluna: “comprei antes que recolhessem de novo”. Assim eram aqueles tempos da Reabertura primeiro tiravam a música da programação das rádios e depois retiravam das estantes, felizmente isto não aconteceu novamente com a música de Geraldo Vandré.
Ali fora meu primeiro contato com o autor de uma obra que na cabeça do próprio estava esfacelada – alijada e fadada a ser encarada como precocemente póstuma.
Ainda iluminado ainda pela ótica do gibi de super-herói eu passei a ver Geraldo Vandré como um paladino que mantinha os ideais elevados o tempo todo.
Para Millôr Fernandes, Geraldo Vandré é o autor da nossa Marselhesa. Para mim, toda vez que ouço Caminhando vejo o cartaz das ligas camponesas aquele com a enxada nas costas do retirante.
Em 68, Geraldo Vandré tinha 34 anos e já era um veterano de festivais e gravações. Em 1966, ganhara um festival com Disparada, mas no ano seguinte, fora desclassificado com De como um homem perdeu um cavalo e continuou andando, ou Ventania.
13 dezembro de 1968
O presidente Costa e Silva assina o Ato Institucional N.º 5 (AI-5) e Ato Complementar N.º38, colocando o Congresso em recesso por tempo indeterminado. São presas em todo o país pessoas ligadas à oposição.
Em cadeia nacional de rádio e televisão no mesmo dia às 20h30min, o ministro da justiça, Luiz Antônio da Gama e Silva, anuncia a resposta do governo à sessão do Congresso Nacional: passa a vigorar por tempo indeterminado o AI-5, que possibilita ao governo entre outras medidas, decretar o recesso parlamentar, intervir nos estado sem as limitações previstas na Constituição, cassar mandatos e suspender direitos políticos.
Fugindo da fúria obscurantista ou um quarteto não tão livre
Caminhando criou um ódio ilimitado na classe dos militares de direita e apesar do cerco. Geraldo Vandré conseguiu fugir escondendo-se e, finalmente, sair do país sem que a repressão lhe tocasse um dedo. Hoje sabemos um pouco mais...
Logo após o pronunciamento os militares invadiram a casa de Geraldo Vandré no Rio de Janeiro e posteriormente ele foi expulso do serviço público.
O Quarteto Novo (agora um quinteto com Nelson Ângelo) que acompanhava Vandré acabara de realizar apresentações em Goiânia e Anápolis e a próxima data seria em Brasília, nesse ínterim Nelson Ângelo ficou em Anápolis. E, o grupo se resumiu a Geraldo Azevedo, Naná Vasconcelos, Franklin da Flauta e ao volante seguindo para São Paulo, um nervoso Geraldo Vandré conduzia o nada discreto Impala branco por estradas menores cortando canaviais e cidades menores.
“O Vandré não queria pegar a estrada principal. Foi uma loucura a viagem, durou um dia inteiro, um sufoco. Todo mundo em pânico porque o Vandré não deixava olhar par ao lado. A gente parava para comer e ele não descia do carro!, recorda Naná Vasconcelos: “Vandré não queria nem colocar gasolina no carro, dizia que tínhamos cara de artista e seríamos reconhecidos”.
Quando eu estava exilado em Londres, Geraldo Vandré foi me visitar. Choramos juntos, estava nevando, conversamos um bocado. Caetano Veloso.
A poucos metros de Vandré
Na época dos festivais de cinema de Brasília costumávamos esticar as pernas até a piscina do Hotel Nacional e mesmo no estacionamento encontrávamos atores veteranos do cinema nacional e atores globais cuja finesse de uma pessoa é reconhecida só de se olhar.
Frente à piscina numa mesa estavam o cineasta Wladimir Carvalho também paraibano radicado em Brasília e Ivan “Presença” o livreiro mais tradicional da capital - além dos laços de cultura e laços estendidos desde os tempo da UNE CPC e do Partidão entre eles estava um senhor de longos cabelos grisalhos e bigode grosso, também grisalho. Detalhe: usava óculos escuros! Era o próprio Geraldo Vandré em pessoa! A chance única de conhecer o homem! Escapou como areia por entre os dedos. Geraldo Vandré educadamente solicitou uma ida ao WC! E sumiu! Nunca mais pisou ali!
Trocando em miúdos
Em junho de 2007 a demolição da casa onde o compositor nasceu, localizada no centro de João Pessoa, próximo a Lagoa do Parque Sólon de Lucena, antigo sítio de jesuítas, um dos recantos mais bonitos com belos jardins, e grande espelho d'água cercado por palmeiras imperiais, não existe mais O tempo – sempre ele – e a falta de respeito das autoridades pela sua história e a história da cidade, para sua indiganção: derrubaram-na!
“Nojo, nojo, muito nojo! Eu tenho nojo desse país! Ainda bem que eu “não existo”! Vou morrer no exílio! Continuo exilado dentro do meu próprio país!”.
Já faz algum tempo que Geraldo Vandré se afastou. (Caetano Veloso).
Hoje Vandré é advogado e está aposentado. Vive em São Paulo e concede entrevistas por telefone. Ele ainda estuda música e compõe em território pátrio, também tem parceiros novos e discos tributos, agora quanto a realizar alguma coisa no Brasil sua decisão é irredutível: No Brasil! Não faço nada!
Telefonar para eles? Não tenho tempo! Eles vão querer falar com o “Vandré”, quando, do outro lado da linha, está o Geraldo Pedrosa de Araújo Dias.
Quando os jornalistas pegam no pé do Vandré ele promete que vai fazer um show ao vivo!
Muitos acreditam neste show. Eu também queria acreditar...
Geraldo Vandré como outros artistas seminais ousou destruir a própria imagem para resguardar um mínimo de decência - sua música e postura ideológica foram renegadas e deixadas de lado pelos movimentos musicais (Bossa Nova, Tropicália) um pajé sem nunca encontrar a própria tribo; um exilado pátrio como Glauber Rocha - Geraldo Vandré é contra o uso público de sua obra "não pagam nada para ninguém"
Mário Pazche.com