Primórdios do rock nacional
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Nora Ney
Primórdios do rock'n'roll brasileiro
(Mário Pazcheco)
24 mai. / 1955, nos estúdios da Continental. Nora Ney (Iracema de Sousa Ferreira, 20 mar. / 1922 - 28 out. / 2003) grava "Ronda das horas", uma versão fox-trot para o então incendiário Rock around the clock, e dois anos depois, Agostinho dos Santos (25 abr. / 1932 - 12 jul. / 1973, Paris-França. Causa: acidente aéreo) faria o mesmo com "Até logo, jacaré", outra versão de Bill Haley (See you later, aligator). Por incrível que pareça, o rock brasileiro cujos caminhos foram abertos por Bill Haley e Elvis Presley, pasmem, tem quase a idade do norte-americano. Dessa forma, não demoraram aportar também por aqui Chuck Berry, Little Richard, Bo Diddley, Fats Domino, e muitos outros.
Rock'n'roll em Copacabana, composto por Miguel Gustavo; e gravado por Cauby Peixoto! - talvez seja o primeiro rock composto no Brasil. Outro compacto pioneiro foi Enrolando rock, com Betinho e seu conjunto. A letra tinha uma estrutura simples: quando a gente esquenta e o calor aumenta / rock and roll avança, a gente entra na dança / quando o rock enrola eu pulo feito bola / e fico que não posso parar.
Pouco tempo depois, Betinho seguiu o caminho religioso de Little Richard, trocando a guitarra pela bíblia e rock and roll pela vida de pastor evangélico.
Bolão
Responsável pelo sax na banda que acompanhava Celly Campello, foi um dos que melhor se deram na adaptação de músico de estúdio para a transição do rock and roll, pulando de grandes orquestras para os bailes de rock. Nascido Isidoro Longano na cidade de São Paulo em 15 mar. / 1925, o clarinetista, flautista e saxofonista Bolão estudou com Leonardo Mauro, João Dias Carrasqueira e Nelson Aires. Sua carreira profissional começou na orquestra de Fernando Arantes Brasil, em 1944. Em 1949 integrou a orquestra de Georges Henry na boate Excelsior e tocou na Rádio Tupi, ambas em São Paulo. De 1950 a 1953, foi membro do conjunto Robledo. Foi no primeiro ano com esse grupo que Bolão teve sua música registrada em disco pela primeira vez. Na ocasião acompanharam o cantor Caco Velho em uma gravação da Continental. De 1954 a 1958, fez parte da orquestra de Sílvio Mazzuca, apresentando-se na Rádio Bandeirantes, em São Paulo, além de eventuais shows e bailes. Foi então que aos poucos partiu para o rock'n'roll. Em 1959 e 1960, Bolão tocou em vários cinemas do Estado de São Paulo junto com Osmar Milani. Ainda em 1960, ele formou Bolão e Seu Conjunto de Rock e depois Bolão e Seu Conjunto, tocando em boates, bailes e eventos até 1963. Voltou então ao velho filão. De 1964 a 1968 tocou na orquestra de Pocho e de 1967 a 1974 também participou da orquestra da TV Tupi. De 1958 até 1975, Bolão sempre foi muito procurado por artistas nacionais e gringos para acompanhá-los em shows. Além de integrar a banda de Nelson Aires, ele também foi músico de estúdio. Entre 1958 e 1972, Bolão gravou oito LPs em gravadoras diferentes. Na RGE Fermata, ele atendia pelo nome de Bob Longano; na RGE, ele era Edward Long; e na RCA, Edward era líder da banda Crazy Cat's. Foi assim que viveu um músico de verdade.
Fonte: Pop Rock A História 1 - Editora Caras.
Carlos Imperial
"Há um detalhe importante sobre Neil Sedaka. Ele era compositor, autor, só. Tinha estourado com a versão que Celly Campello gravou aqui. E ele, uma vez, veio ao Brasil - e ninguém sabia que ele estava aqui. Aí nós fizemos um contato e ele foi na minha casa e mostrava suas músicas e eu percebi que ele cantava muito bem. Então, fui na RCA, falei com o Ramalho Neto, usei a minha influência, e gravamos um disco - ele cantando. Ninguém acredita nisso e há quem até desminta, mas é verdade. O próprio Ramalho Neto vai desmentir isso. Mas nós gravamos e o disco saiu, antes, aqui no Brasil. Aí nós mandamos pra lá, pros Estados Unidos. Um sucesso completo, o Sedaka cantando: estourou nas paradas. (...)
"Eu tenho muita coisa pra contar, você vê que eu fui uma pessoa importante, essencial, pro desenlance da história do rock no Brasil". Carlos Imperial em entrevista a Júlio Hungria; Rock, a história e a glória. N.º17.
Celly assina o contrato em 1958; Celly e Neil Sedaka
Celly Campello
Já aos 15 anos (nascida em São Paulo em 18 jun. / 1942) grava "Estúpido Cupido" (versão de Fred Jorge para Stupid Cupid, dos americanos Neil Sedaka e Howard Greenfield) que vende mais de 100 mil cópias, entre 1959-60, oito anos mais tarde este LP ainda voltaria às lojas reeditado pela Odeon. Em 1971 - pela Continental - e finalmente em 1976.
Segundo a revista Contigo, a Record chamou Celly Campello para fazer par com Roberto Carlos, no programa Jovem Guarda, só que ela recusou o convite, fazendo pouco do seu apresentador.
Em 1976, Celly e Tony Campello foram a Poços de Caldas, gravar aquela novela da Globo, Estúpido Cupido. Estavam de volta ao mesmo salão onde tinham ido dar um show em 1959. Cantaram durante a gravação as mesmas músicas daquela época. No fim, o prefeito de Poços fez um discurso emocionado, lembrando que tinha visto nosso show em 1959, quando era um garoto... Em dezembro desse mesmo ano, Celly Campelo terminava o ano vitoriosa em todas as paradas de sucesso seu disco, vendia quase 50 mil cópias por semana!
Vinte anos depois, tomou conhecimento de que havia contraído um câncer de mama. Fez uma cirurgia e um tratamento de quimioterapia, concluindo-se que estava curada. Dois anos depois, a doença voltou em uma costela e atingiu a pleura. Operada pela segunda vez, ocasião em que perdeu uma costela, fez novo tratamento quimioterápico. Morreria a 4 mar. / 2003, depois de duas semanas internadas no Hospital Samaritano, em Campinas.
"Não me arrependi. Tudo tem seu tempo, mas acho que curto mais o lado de cá. Não pretendo voltar mas não posso dizer que seja definitivo. Hoje em dia, com os filhos crescidos, trabalho como voluntária para instituições de caridade, aprendo a pintar" Celly Campello a Ligia Sanches em entrevista publicada na Folha de S. Paulo - 28 nov. / 1982.
"Se eu fosse mais esperta, teria me transformado na Xuxa dos anos 60".
"Uma moça que sabe usar com grande tarimba seu afiado aparelho vocal". (Tom Jobim).
Filmografia
"Jeca Tatu (1959), de Milton Amaral;
"Zé do Periquito", (1960), produção de Mazzaropi e Ismar Porto.
"Ritmo alucinante". (1976), ao lado de Rita Lee, Erasmo Carlos, Raul Seixas (com quem cantou no "Almoço das estrelas") e Tony Campello.
Demetrius
Cita Kalil Gibran - "a vida não volta para trás" (...) "Tudo valeu mas minha carreira é uma página virada. Ganhei muitos troféus mas acho rídiculo expor. Hoje prefiro mostrar os troféus de campeão de vendas".
Demetrius aos 21 anos cantando e compondo, quase quatro milhões de discos vendidos, teve que descobrir outras profissões nos anos 80, trabalhar de corretor de imóveis e numa loja de material para esportes náuticos. Site oficial: Demetrius.
Fred Jorge (Fuede Jorge Jabur)
Um paulista assinava a maioria das versões gravadas no Brasil e foi o grande estrategista desta tentativa de se importar o rock para o território nacional. Ainda em 1959, o programa Crush em hi-fi que era dirigido por Fred Jorge, passa a ser comandando por Tony e Celly Campello, o programa ia ao ar todas as terças-feiras, na TV Record. Em 14 jun. / 1961, no auge do programa, uma manchete de jornal e de muitas revistas quebrava o coração de milhões de brasileiros apaixonados pela cantora "Celly Campelo deixa a vida artística para se casar"... A atração ficou no ar até 1962.
Nora Ney & Jorge Goulart
O casal era afinado na música e no engajamento político. Declararam-se comunistas e ousaram ao ser os primeiros brasileiros a fazer shows na União Soviética, percorreram ainda a China e países do leste europeu. Em 1964, quando do golpe militar, ambos acabaram cassados da Rádio Nacional. Por causa de sua posição de esquerda e de apoio ao presidente Jango, passaram os primeiros oito anos da ditadura exilados.
Na sua loja de discos, Ronnie Cord segura o "Di Giorgio" e seu irmão Norman do trio Os Cords se defende
Ronnie Cord
Além de Rua Augusta Ronnie fez diversas versões como a conhecida Biquiní de bolinha amarelinha ("It bitsy teenie yellow polka that bikini", música que Neil Sedaka tornou famosa em todo o globo e foi seu primeiro sucesso).
Em 1966, Ronnie Cord representou o Brasil no Primeiro Festival da Canção Internacional realizado em Mar del Plata, Argentina. O único cantor e representante brasileiro a tomar parte no certame. Os Cords gravaram "Meu bem", "Monday, monday" e "Senta no vento" e outras.
Filho do maestro Hervê Cordovil, Ronnie Cord cujo nome verdadeiro era Ronald Cordovil em depoimento em 1984, declarou "que estava em outra" e não tinha intenções de relembrar o passado, quando convidado à prestar depoimento sobre sua carreira.
Internado no final de 1985, com cancêr no pulmão, morreria a 6 de janeiro de 1986 no hospital da Beneficência Portuguesa, na zona centro de São Paulo, no ano em que completaria 43 anos. Deixou 3 LPs e uma dezena de 78 rotações, misturando versões de canções americanas (aprendera a língua desde menino com o tio Renê Cordovil que foi funcionário da Rádio Panamericana no Rio) e italianas, além de poucas músicas realizadas em português.
"Rua Augusta" foi apontada por muitos roqueiros nacionais como o nosso primeiro hino, imortalizada no vinil pelos Mutantes figuraria também nas apresentações ao vivo de Erasmo Carlos. Quando "Rua Augusta" foi gravada, em 1964, teve problemas com a censura, segundo Tony Campello, "Os militares já começavam a fazer das suas e mandaram tirar uma parte da canção". O pedaço censurado: Comigo não tem mais esse negócio de farda / não paro o meu carro nem se for na esquina / tirei o maior grosso da menina. Láureos tempos heróicos que não voltam mais então: Ai, ai, Johnny / Ai, ai, Alfredo / Quem é da nossa gang / Não tem medo...
José Ricardo
Morreu na terça-feira 11 mai. / 1999, de causas não reveladas o cantor José Ricardo, aos 60 anos. Um dos ídolos da jovem guarda, ele nas últimas décadas fazia shows em cidades do interior. José Ricardo também foi o protetor das cantoras Linda e Dircinha Batista. Rainhas do rádio entre as décadas de 30 e 50, elas caíram em depressão quando a carreira entrou em declínio. Em 1985, o cantor precisou invadir o apartamento das irmãs. Encontrou Linda com feridas pelo corpo. Dircinha sofria de crises de histeria. E Odete a irmã mais velha, estava em depressão. José Ricardo providenciou a internação das irmãs em uma clínica para idosos no Rio de Janeiro. Três anos depois Linda morreu de embolia pulmonar. Em 1995, Odete também faleceu. Pouco antes de morrer, José Ricardo fez uma visita a Dircinha. Agora, aos 76 anos, ela está sozinha
Sérgio Murilo Moreira Rosa, (2 ago. / 1941 - 19 fev. / 1992)
Carioca, começa precocemente a carreira artística aos 8 anos, como apresentador infantil da TV Rio. Poucos anos depois ganha prêmios como cantor em programas de rádio, participando do elenco do programa Trem da Alegria, da Rádio Tamoio. Em 1958 estréia no cinema, com o filme Alegria de Viver, e no ano seguinte canta na Rádio Nacional. É contratado pela Columbia, que lança Menino triste e Mudou muito. Em seguida, graças a outros sucessos como "Broto legal", "Rock de morte" e "Marcianita" de Marcone & Alderete, dupla argentina vertida por Fernando César (regravada mais tarde por Caetano Veloso ao lado dos Mutantes e sucesso atual da novela das 7), surge o primeiro LP, Sergio Murilo.
Em 1961, lhe é concedido pela "Revista do Rock" (editada por Janet Adib), em dobradinha com a rainha de então, Celly Campello, a faixa e o cetro de Rei do Rock. Primeiro roqueiro brasileiro a mexer os quadris diante de uma câmera de tevê, Sérgio Murilo se orgulhava de ter sido um pioneiro do rock pauleira nacional, com a música "Lúcifer", que lhe valeu muitas críticas no seu lançamento no distante 1965, ainda apresentaria o programa "Alô Brotos" com Sônia Delfino na extinta TV Tupi.
Em 1978, morando uns tempos no Peru, grava para o mercado latino-americano uma versão em ritmo de discoteca de "Eu sou a mosca" que pousou na sua sopa ("Una mosca en la sopa"), composição de Raul Seixas. Em 1989, depois de onze anos sem gravar, ele lança dois discos que não fazem sucesso. Rei do rock uma coletânea de antigas canções, e Sérgio Murilo, com músicas inéditas. Nos seus últimos dias, o rei do rock da turma de 61, ainda treinava a voz e trabalhava como advogado. Morreu de atrofia cerebral e insuficiência renal, no Rio de Janeiro aos 50 anos.
Tony Campello, irmão de Celly, fuma hollywood
Tony Campello (o pai do rock nacional inspirado em Little Richard!)
Hélio Alencar, apresentador do programa "Parada de sucessos", da Rádio Nacional de São Paulo. Trocou o nome de Sérgio para Tony. Tudo planejado para serem lançados com se não fossem brasileiros. Nos estertores dos anos 50, Tony cantou Boogie do Bebê, a estratégia deu ceroto: Tony e Celly rapidamente estavam na capa da "Revista do Radio". Hoje. Num apartamento em São Paulo, Tony Campello guarda cerca de 500 discos de 78 rotações e 2.500 LPs. Há muito trabalhando como propdutor de discos, acredita que a Jovem Guarda só tenha sido útil para forçar o aparecimento de gente nova. E não se arrepende de ter caído fora do circuito logo no início: "Eu não era da corte do 'Rei'. Acho que nos cumprimentamos umas três vezes. Por timidez e falta de espírito de vassalagem, e também por não fazer média com a produção. Tony conta que de 1972-82, passou maus bocados, antes dos sucessos de cantores sertanejos, como Sérgio Reis, Leo Canhoto e Robertinho.
"Sou um rock'n'roller em potencial. Mas sou de Taubaté, cresci entre parquinhos e circos. Comecei a me interessar por música em 1955, vim para São Paulo e gravei o primeiro disco com Celly. Posso dizer que, como cantor, chutei bola dentro, fora, de escanteio e fiz gol. Em 1970 acabaram as oportunidades em rádio, tevê e disco. Então a saída para mim foi apresentações em circo durante dois anos. Conheci o outro lado do Roquete Pinto, do Astros do disco. Posso sentir saudades daquela vida de cantor, mas não falta. Fui radical profissionalmente e estou satisfeito como produtor".
O rock brasileiro nasceu sob a influência do rock norte-americano dos anos 50, especialmente de suas formas mais simples, brancas e comerciais. Foi a época de ouro de Tony e Celly Campello, Demetrius (Rock do Saci), Carlos Gonzaga (Diana) Sérgio Reis, o saudoso, Wilson Miranda; o alemão, George Freedman (Adivinhão), Sérgio Murilo, Baby Santiago (Bata Baby), Meire Pavão (O que eu faço do latim) e muitos outros cantores e conjuntos, quase todos já caídos no esquecimento do público. Eles introduziram o gênero no mercado mas, infelizmente em versos sem muita criatividade. A essa altura, o próprio rock americano decaíra, dando lugar a uma enxurrada de modas passageiras - twist, hully-gully, surf - ação publicitária dos maiorais das gravadoras e seus badfingers. Desde os anos 60 suas versões em português eram ingênuas paródias do highschool-rock e os "primeiros grandes astros" do rock estrangeiro a visitar o país foram The Platters, Brenda Lee, Paul Anka, Johnny Restivo, Bobby Ridell, Fabina e Frank Avalon, todos trazidos pela TV Record. Em 1967, acontece a incendiária visita dos comportados Herman's Hermits que abalam o sudeste e o sul do país. Na década de 70, "avistaram" a chegada de todos os grandes grupos desta década até Led Zeppelin (cujo empresário Peter Grant esteve entre nós). Nos anos 80, o acontecimeno do "Rock in Rio" o maior festival do gênero no mundo, serviu para aguçar a memória e a conscientização de que para fazer rock tem que estar no mesmo pé ou som de palco de igualdade.
Gravaram pelo selo Young da Fermata
Regianni, (era uma Filha de Maria num convento de freiras quando recebeu um convite de Miguel Vaccaro Neto para fazer um teste no selo); Demetrius, Nick Savoia, (por ter passado alguns anos nos Estados Unidos chegou a esnobar Miguel Vaccaro Neto, quando este lhe pediu para fazer um teste no selo); Hamilton di Giorgio, The Rebels, The Avalons, Dori Edson, The Beverlys e Antonio Cláudio (que mais tarde gravaria como Danny Dallas).
— Foi uma audácia inimaginável, sair do colégio para gravar um rock and roll! (Reggianni).
A preservação da memória do rock nacional
Foi executada, ainda no início de 1985, com a captura de depoimentos dos pioneiros do ritmo, conduzidos por Carlos Alberto Pavão Neto para o Museu da Imagem e do Som. Pavão Neto ainda atuaria em outras mídias, recuperando matrizes como é o caso do LP Censurar ninguém se atreve.
Dois anos depois, em julho de 1987, Paulo Cesar de Azevedo e Vladimir Sacchetta, com apoio da Basf, lançaria um cassete de 55 minutos, numa antologia sonora com vários depoimentos e músicas recortadas (trechos) ainda acompanharia esta edição um livreto com ilustrações do desenhista Angeli, com personagens da revista Chiclete com Banana.
Indicação de leitura: Rock Brasileiro 1955 - 65, de Albert Pavão.