Raul Faz a Terra parar! (1977)
- Details
- Hits: 7695
HITPOP — Fale sobre seu novo disco.
Raul — “O Dia Em Que A Terra Parou” são momentos, é um estágio dentro da vida. Foi um sonho que eu tive. De repente, acordei e fiquei chateado. No meu sonho, a concepção do disco estava prontinha, a capa, todas as faixas, o disco todo feito. Eu acordei sem querer – aí, consegui dormir de novo pra continuar o sonho e fiquei num estado em que eu não sabia o que era sonho ou realidade. Aí pintou essa música, O Dia Em Que A Terra Parou.
HITPOP — Com esse disco, você continua na linha do rock?
Raul — Eu não colocaria assim: é de rock. Não tem ritmo. Eu não sou cantor. Eu não sei rotular. Eu acho que este é um disco de momento, muito bonito, sabe? Não, você não sabe... Claro que você não sabe! Um disco tipo “vamos botar a impressão digital aqui”. É a diferença fundamental entre ele e os anteriores. Além do que, eu não sou mais a mesma pessoa que era há dois minutos. É tudo mentira o que eu disse a você agora mesmo. É tudo mentira, mas mentira mesmo.
Estou botando minha maluquez na direção de coisas mais objetivas e concretas mesmo.
HITPOP — Mas você falou em sonho...
Raul — É o seguinte: “O Dia Em Que A Terra Parou” é um sonho que eu quero que se torne realidade. Antes de morrer eu quero um minuto só, um segundo que seja, pra viver nesse mundo que eu penso. Esse mundo de maluco beleza... Eu sou muito maluco, mas um maluco careta. Eu sou muito mais maluco que meu pai. “O Dia Em Que A Terra Parou” é o que eu quero viver num minuto d aminha vida. Depois, estou satisfeito.
HITPOP — Por que você passou tanto tempo fora dos palcos?
Raul — Foi um afastamento necessário. Eu sou um cientista. Você sabia que eu sou formado em filosofia? Sou professor de filosofia pura, com epistemologia e tudo. Eu vim para o Rio só pra tratar de metafísica, já pensou? Fiquei e botei no baú, do baú tirei essa metafísica toda que tai nas faixas de disco. Então, o que eu tenho que dizer está aí, está no disco mesmo. Eu despareci por que estava cozinhando este disco. Eu sou cientista (...) texto truncado...
HITPOP — E o público?
Raul — Me irrita. Sabe por quê? Público é um troço engraçadamente antagônico, engraçadamente triste, porque paga para se divertir ou pedir explicação de uma coisa. Por isso que não vou a show nenhum. Eu fico em casa, estou comigo e sei o que estou fazendo. Tudo bem. Agora, a pessoa pagar para se divertir é porque existe a não-diversão...
HITPOP — Mas quando as pessoas vão assistir Raul Seixas, elas vão esperando alguma coisa mais que diversão...
Raul — Não. Eles vão mendigando. Mas acontece que não existem caminhos, cada um cria o seu próprio. Eu fico ali naquela, no palco, só olhando, achando engraçado e pensando — “Pô, tanta gente só pra me ver cantar”. É engraçado, né?
HITPOP — Você não acha que as pessoas que vão a um teatro esperam doa rtista, cada vez mais, uma coisa diferente do que uma simples diversão?
Raul — Na minha opinião particular, eles não pedem: a coisa já está sendo feita, está no ar, você está sentindo o cheiro, como uma coisa nova. Você não pode acender cigarro com cinzeiro. Você não pode tocar contrabaixo como violão. O novo já está aí na sua frente. Aquele negócio do Krishnamurti: “Só pode ver o novo quem tem olho novo”. Agora tem isso aqui que é muito bonito: “Até essa época Krishnamurti tinha uma verdade a descobrir. Já em 1922, ele tomou a consciência de que não devia conhecer esse fim, mas ser esse fim”. A busca da verdade, então, seria se transformar na verdade. Quando se procura a verdade, a gente traz o reflexo dela sobre o rosto. Quando a gente se torna a verdade, não a reflete mais. Isso é bonito demais.
HITPOP — lançado o disco, quais são os seus planos?
Raul — Pretendo fazer shows em São Paulo (no Teatro Bandeirantes*), em dezembro, e no Rio de Janeiro (Teatro Tereza Raquel**), em janeiro.
HITPOP — Por que você ficou esses quatro anos fora dos palcos?
Raul— Não, eu não estava fora.Tenho 32 anos de televisão em cima de mim. Desde que nasci tinha uma grande câmera de televisão em cima de mim, me filmando o dia inteiro. Nunca parava. E ela está agora mesmo, aqui, filmando essa nossa cena fantástica. Eu não estou fora do palco — estou afastado preparando mais um chiclete, mais uma bomba científica pra jogar e ver a reação. Enquanto essa tempestade arrebenta lá fora, eu quero ver as pessoas entrarem e olhar para os olhos delas. Eu gosto de inverter, de bota r o microfone ao contrário. Lógico: por que sempre eu no palco? Na Bahia eu consegui que todo mundo subisse no palco e desci pra platéia, para assistir o show do público. Fiquei sozinho vendo todo mundo cantar. Foi o maior barato.
HITPOP — Faz tempo que você não faz televisão, não é?
Raul — Eu gosto muito de fazer televisão porque é tipo laboratório. É tipo fazer bomba e jogar. Adoro fazer televisão.
HITPOP — Dizem que você curte surf. É verdade?
Raul — Eu adoro surfista. Eu to com 32 anos e sou de uma geração tipo sanduíche – de um lado o pós-guerra, de outro o surf. Pranchas, parafina, corpo dourado... Eu fico com vergonha de passar parafina nos cabelos, mas deixa eles lá. Eu deixo você ser, ele4s me deixam ser. Isso é respeito. É deixar eles surfarem, deixar eu aqui dentro de casa criando cientificamente minhas bombas e jogando pra fora. Eles têm todo o meu respeito. Eu adoro meu pai, acho ele o maior barato.
Direto do jornalzinho HITPOP da revista POP em 1977! Sem data e o nome do entrevistador. Em contrapartida preservada a essência e adicionada outras informações...
*Novembro Dia 22 – Show de lançamento do álbum O Dia Em Que A Terra Parou, no Teatro Bandeirantes, em São Paulo.
**Janeiro – Dias 18 a 22 – Show de lançamento do disco O Dia Em Que A Terra Parou no Teatro Tereza Raquel, Rio.
***Fonte: Gente do Século Raul Seixas biografia, Editora Três
Pesquisa, texto e edição: Regina Echeverria