Eric Clapton a autobiografia (trecho)


Eric Clapton a autobiografia

claptomania

Paul, Clapton, George & Ringo

 

Trecho


Por mais que eu achasse que amava Pattie naquela época, a verdade é que a única coisa sem a qual não conseguia viver era o álcool. Isso tornou minha necessidade ou capacidade de me comprometer com qualquer coisa, inclusive casamento, bastante inconseqüente, e de qualquer modo era só uma questão de tempo antes de a norma “nenhuma mulher na estrada” ser invocada, e eu já estar de novo à solta e na correria. Pattie foi comigo para Albuquerque, Novo México, depois El Paso, e dali a todos os shows até chegarmos a San Antonio, no Texas.

A cada apresentação eu a trazia ao palco e cantava Wonderful Tonight para ela. Mas depois do show de San Antonio, disse que ela tinha que voltar para a Inglaterra.

Era a vez de apenas homens de novo; eu já estava farto de felicidade doméstica. Ela não ficou nada feliz com isso, e claro que, mal foi embora, eu voltei às atividades de sempre.

Uma das primeiras coisas que Pattie fez quando voltou à Inglaterra foi começar a organizar uma festa para todos os nossos amigos ingleses para celebrar nosso casamento. Foi marcada para 19 de maio, sábado, quando havia um intervalo na minha agenda da turnê, e teve lugar no jardim de Hurtwood, onde foi armada uma tenda enorme. Os convidados foram avisados para chegar “por volta das 15 horas” e informados de que não precisavam trazer presentes se não quisessem. “Se você estiver livre”, escrevemos nos convites, “tente vir, vai ser divertido.” A festa não tinha um formato definido. Esperava-se que as pessoas chegassem quando quisessem, vestindo o que lhes agradasse, e se divertissem.

Pelo que lembro, a primeira pessoa a aparecer foi Lonnie Donegan, que chegou cedíssimo, por volta das dez da manhã, seguido por Georgie Fame logo após. Eu não tinha idéia do que fazer com eles, e acabamos indo para um pequeno quarto no andar de cima, onde Georgie começou a aprontar baseados. Fiquei por lá a maior parte do dia me chapando e ficando cada vez mais paranóico à medida que as pessoas chegavam.

Eu não tinha a menor ideia de como ser anfitrião e não conseguia dar conta; assim, em vez de ficar por lá para receber todo mundo e oferecer drinques, me escondi. Em algum momento no começo da noite finalmente desci até a tenda para encontrar uma festa enorme em andamento, com centenas de pessoas, desde todos os meus amigos músicos famosos até os donos da mercearia e do açougue e todo o pessoal de Ripley circulando, batendo papo, comendo e bebendo, e transando nos arbustos. De fato, parecia o tipo de festa a que eu gostaria de ir.

Um palco havia sido montado na tenda, e a idéia era de que a banda consistiria de qualquer um que ficasse a fim de subir e tocar. Uma sucessão em ótimos músicos participou da jam session que teve lugar mais tarde, inclusive Georgie e Lonnie, Jeff Beck, Bill Wyman, Mick Jagger, Jack Bruce e Denny Laine. Lembro que a mulher de Denny, Jo Jo, subiu para cantar, e depois não conseguíamos tirá-la dali, de modo que quem estava na mesa de mixagem tinha que desligar qualquer microfone que ela pegasse, enquanto ela ia de um para outro.

George, Paul e Ringo também tocaram, faltando apenas John, que depois telefonou para dizer que também teria ido lá se tivesse sabido. Jamais saberei como isso aconteceu; basta dizer que não tive muito a ver com os convites; mas perdeu-se uma grande oportunidade de reagrupar os Beatles para uma última apresentação.

Pattie também cometeu o erro de ceder nosso quarto para Mick Jagger, que estava no início de seu romance com Jerry Hall, de modo que não pudemos ir para a cama, o que achei completamente ridículo. Assim, decidi atacar uma amiga de Pattie chamada Belinda, pois estava convencido de que ela estaria disponível para mim a qualquer momento. Me escondi em um armário com a intenção de partir para cima dela quando desse, mas em vez disso caí no sono e acordei mais tarde naquele dia para encontrar uma desordem que levaria duas semanas para ser arrumada.

Entre os convidados dessa festa maravilhosa estava minha mãe Pat, que se tornou parte de minha vida outra vez após a morte de meu meio-irmão Brian. A perda dele causou grande tensão no casamento com Mac, que começou a se desgastar gradativamente.

Para fugir de tudo, ela voltou para Ripley, onde, à medida que reatava lentamente todas as amizades de infância, decidiu ficar.

De início morou com Rose, até eu comprar uma casinha na rua comercial da aldeia, bem ao lado de um restaurante chamado Toby Jug. No princípio eu estava bastante amedrontado com Pat. Ela tinha pavio curto, e nosso relacionamento era propenso a ser tempestuoso. Eu tinha estado tão pouco com ela em minha vida que a maior parte do que sabia dela era por fontes externas, e jamais soube ao certo o que era verdade.

Entretanto, àquela altura da vida, tomei a decisão de que não importava e de que, em vez de ficar atiçando as coisas constantemente, eu simplesmente deveria aprender a me dar com ela e me divertir. Gostei da superfície que vi, pois ela era muito parecida comigo, especialmente quanto às coisas que nos faziam rir, de modo que decidi que deveríamos usar Ripley e seu cenário social como um meio para voltarmos a nos familiarizar.

Ela gostava de bebida; assim, íamos aos pubs beber e socializar, usando a companhia dos outros para conhecermos um ao outro de novo. Pode não ter sido uma abordagem muito direta do relacionamento, porque não passei muito tempo a sós com ela, mas funcionou muito bem, e o fato é que, como um alcoólatra, eu não estava bem o bastante para saber lidar com coisas mais profundas.

Pouco depois de seu retorno, Pat travou amizade com Sid Perrin, um amigo de infância, homem carismático, bonito, não na linha Errol Flynn, mas mais para W. C. Fields. Sid era extremamente popular e benquisto, uma espécie de herói em Ripley por suas proezas como bom jogador de críquete e futebol, mas acima de tudo como cantor.

Tinha voz de tenor no estilo de Mario Lanza, um tantinho melodramática, quase uma caricatura de voz, mas na verdade conseguia executar uma canção muito bem, com grande dose de emoção.

Era muito gregário e adorava ser o centro das atenções, embora apenas em pequena escala, pois, tendo oportunidade de subir em um palco – o que eu lhe proporcionava de vez em quando, por exemplo, quando fazíamos shows locais, como no Guildford Civic Hall –, ele amarelava. Entretanto, eu seu ambiente, no pub da aldeia ou no clube de críquete, ele brilhava, e Pat adorava-o. Isso também me deixava feliz, pois sempre o venerei como herói, e saí bastante com eles.

O desenvolvimento da relação com minha mãe também foi enormemente auxiliado pelo fato de Pattie e ela se darem realmente bem e se tornarem amigas de verdade. Como eu, elas também compartilhavam um senso de humor irreverente, que às vezes podia ser sarcástico e cruel, embora sem malícia real. Essa forma de humor era um traço de Ripley, e vários de meus amigos dos tempos de garoto, como Guy, Gordon e Stuart, eram ligeiros e espertos nessa área.

Davam respostas rápidas e cortantes, que envolviam muita provocação, e, se você soubesse se portar nessas situações, então era aceito.

Desde que havia começado a desenvolver um pouco de vida doméstica com Pattie e o povo de Ripley, meu humor inglês estava a toda, e infelizmente era o aspecto em que eu não combinava com minha banda. Eles vinham todos de Oklahoma, e seu humor era muito diferente.

Embora também fosse muito seco, era provinciano e muito voltado para o lance cowboy, tendo a ver com eventos e coisas de lugarejos remotos, ao passo que o nosso era mais de teatro de variedades e piadas bestas. Havia pouca troca de idéias naqueles tempos antes do Monty Python estourar na América. Tudo isso nos atingiu em cheio no início de 1979, quando, devido a compromissos anteriores, George Terry deixou a banda e contratei um guitarrista inglês, Albert Lee.
Albert era um grande guitarrista que eu conhecia desde a época de John Mayall, quando ele tocava na banda de Chris Farlowe. Minha avaliação dele naquele tempo foi de que era um músico brilhante, mas vinha de uma orientação mais de jazz ou rockabilly, de modo que eu podia admirá-lo sem pensar nele como um rival. Ele foi tocar no Head, Hands & Feet, e ao longo dos anos nos tornamos bons amigos, e de vez em quando, se um de nós tinha que desistir de um show por algum motivo, substituíamos um ao outro.

Depois ele mudou-se para a América, onde era muito requisitado como músico de estúdio. Quando George saiu, Roger Forrester sugeriu que eu trouxesse um guitarrista inglês para a banda, em vez de sempre tocar com americanos, e recomendou Albert como um possível substituto. Achei uma grande idéia, embora, conhecendo Roger, ele provavelmente já tivesse arquitetado tudo há séculos.

Quando me juntei a Albert, fizemos um vínculo imediato pelo humor, compartilhando do amor por Python e Spike Milligan.

Em certa medida a música tornou-se incidental, pois o estilo que fazemos, blues e R&B, provém de uma fonte tão forte que jamais seria ameaçado pela diferença de nossas influências. Formamos um arremedo de duo chamado Duck Brothers, e passávamos nossas horas de folga na estrada entretidos a tocar melodias em um par de raros apitos Acme Bakelite que havíamos achado e tinham um belo tom.

Infelizmente, isso não pegou nada bem entre os americanos, que não sacaram qual era; também não ajudou em nada o fato de eu e Albert sermos biriteiros, enquanto Carl, Jamie e Dick estavam usando drogas de uma variedade mais reclusiva. Foi o princípio de um racha entre mim e Albert e o resto dos caras.

Na primavera e início do verão de 1979, quando estávamos excursionando pelos Estados Unidos promovendo nosso último álbum, Backless, a divisão aumentou, e tornando-se uma acentuada sensação ruim. Havia muita paranóia no ar, remanescente da dissolução dos Dominos, e não passávamos tempo suficiente uns com os outros de cara limpa para podermos superar esses sentimentos.

carl
Carl Radle


Simplesmente tornou-se fato que eu estava seguindo por um caminho com Albert, tendo o tipo de diversão que tínhamos, enquanto os outros estavam fazendo suas coisas. Chegou ao ponto de mantermos até mesmo escalas de horário diferentes. Quando estávamos no palco era ok, mas todo o resto era um sofrimento. Sem que eu soubesse, Carl Radle havia ficado seriamente viciado em heroína, e minha situação também estava degringolando. Eu bebia no mínimo duas garrafas por dia de qualquer coisa em que conseguisse pôr as mãos. Lá pelo final da turnê, em junho, as coisas tinham chegado a um estado tão ruim que eu sabia que tinha que haver uma mudança; desse modo, com grande apreensão, mandei Roger livrar-se da banda. Ele despediu todo mundo por telegrama, enquanto eu olhava para o outro lado.

Ao longo dos dois anos seguintes, a bebedeira levou-me ao fundo do poço. Infiltrou-se em tudo que eu fazia. Até mesmo minha nova banda nasceu em um pub. Gary Brooker era um velho amigo dos tempos dos Yardbirds, quando era tecladista dos Paramounts.

Excursionamos juntos e nos demos muito bem, e ao longo dos anos eu topava com ele de vez em quando, quando estava com Procol Harum, e desenvolvemos uma amizade e respeito mútuo.

Então, no meio da década de 70, ele começou a tocar em um pub não muito longe de Hurtwood, o Parrot Inn, em Forest Green, duas
ou três vezes por semana, e quando eu estava em casa ia lá algumas vezes para tocar junto.

Isso havia se tornado mais freqüente desde que eu Pattie nos casáramos, e Chris Stainton, o brilhante tecladista de Joe Cocker, também ficou envolvido. Começamos a formar um novo grupo gradativamente, que consistia em mim e Gary, Chris, Albert, Dave Markee no baixo e Henry Spinetti na bateria.

Depois de nos colocarmos à prova diante de uma platéia local no Village Hall de Cranleigh, pegamos a estrada pela Europa e Extremo Oriente, e os concertos no Budokan, Tóquio, foram gravados para o nosso primeiro álbum juntos, lançado em maio sob o título Just One Night. Mas senti falta de Carl, e fiquei tomado de culpa porque certa vez ele havia salvado a minha pele ao mandar aquela fita, e eu tinha dado as costas a ele. Jamais voltei a vê-lo. Em maio de 1980, chegou a mim a notícia de que ele havia morrido de falência dos rins, provocada pelos efeitos do álcool e narcóticos, e no fundo me senti parcialmente responsável.

Quando ouvi sobre Carl, acabáramos de concluir a turnê pelo Reino Unido, nossa primeira em 18 meses, de modo que estive em casa por um período prolongado. Fiquei depressivo e me perdi na bebida.

Meu dia normal tornou-se sentar na frente da tevê responder muito agressivamente a qualquer um que aparecesse na porta ou quisesse que eu fizesse qualquer trabalho. Tornei-me muito negativo a respeito de tudo.

Queria apenas ficar em casa e me embebedar, com Pattie como uma escrava-parceira. Eu bebia quantidades copiosas de Special Brew, que completava com vodca às escondidas, de modo que parecia que estava apenas bebendo cerveja.

Depois usava coca por cima, que era o único momento em que Pattie se juntava a mim, visto que ela gostava de cocaína sem bebida, de modo que esse tornou-se nosso ponto de encontro.

Em alguma hora do dia saímos para ir ao pub juntos, ou ao Windmill, onde ficávamos com o proprietário, ou ao Ship para encontrar os moradores de Ripley. Nem mesmo a presença de Pattie me impedia de tentar alguma coisa com uma das garçonetes, ou de fato com qualquer mulher que entrasse pela porta.

Eu arrebanhava pessoas e as convidava para irem lá em casa, com freqüência completos estranhos. Meu lance favorito era pegar derrelitos, ou “homens da estrada”, como eu preferia chamá-los, pensando que essas eram as pessoas “reais”. Via um deles caminhando pela estrada, parava o carro e pegava. Com freqüência eram doidos furiosos e falavam desatinos, mas eu os levava para casa e Pattie tinha que preparar o jantar para eles. Não demorou muito para ela ter que dizer às pessoas que não me oferecessem bebida quando saíssemos, pois pôde ver que eu estava piorando.

Eu não conseguia tirar Carl da cabeça. A banda fez uma turnê curta pela Escandinávia em setembro e outubro, durante a qual o laudo do legista sobre a morte dele foi publicado. No dia seguinte escrevi uma nota em meu diário: “Escrevi (involuntariamente) uma canção para Carl Dean, e o resultado é que estou bebendo demais e chafurdando na glória de ser aquele que tinha condições de alterar [sic] o destino dele, pelo que dizem [...] será que não ocorre a ninguém que eu estava na linha de frente com ele? Nem li o relatório, então por que eu deveria estar tão magoado e furioso?

Vou dizer por quê – eu amava o cara e o abandonei, e não haverá de passar um dia em que ele não entre em meu coração. [...] se sou culpado, então Deus irá me abater, e todos serão perdoados, até mesmo aqueles que me acalmam e dizem que é tudo um pesadelo... Gravamos a canção lindamente e vai se chamar ‘e.c.c.d.’”. No início de 1981, quando partimos em uma enorme turnê de 57 datas pelos Estados Unidos, minha ingestão de álcool era suplementada por grandes quantidades de Veganin, um sedativo à base de codeína. Eu estava sofrendo de dor nas costas, causada, pensava eu, por um tapão de meu camarada irlandês Joe Kilduff, com quem eu estivera bebendo uns meses antes em uma de minhas visitas a Barberstown Castle. Primeiro eu tomava umas nove pastilhas de cada vez, várias vezes por dia, mas, à medida que a dor piorou, e eu não conseguia dormir, comecei a tomar cada vez mais, até estar engolindo umas 50 por dia.

O desfecho foi que, a 13 de março, sexta-feira, depois de apenas sete compromissos, tive um colapso ao sair do palco em Madison, Wisconsin. Voamos para St. Paul, Minnesota, onde Roger me levou para um hospital às pressas. Fui diagnosticado com cinco úlceras perfuradas, uma do tamanho de uma laranja pequena.

Os médicos disseram a Roger, que queria me levar para a Inglaterra, que eu podia morrer a qualquer momento, visto que uma das úlceras estava pressionando o pâncreas, e estava na iminência de irromper.

Dei baixa imediata no United Hospital, e na manhã seguinte Roger passou o tempo cancelando o resto da turnê, que somava 50 shows. Foi um desastre grande o bastante em termos de seguro para soar o alarme no Lloyds. Mantiveram-me no hospital por cerca de seis semanas, tratando-me com uma droga chamada Tagamet. Lembro que uma das primeiras perguntas que me fizeram foi: “Quanto você está bebendo, pois acreditamos que pode ser esse o seu problema?”. Ao que repliquei: “Não sejam ridículos. Sou inglês. Todos nós bebemos lá, vocês sabem. Faz parte de nosso estilo de vida, e bebemos cerveja forte, não Budweiser”. Então disseram: “Bem, você alguma vez cogitou tentar reduzir?”. E respondi: “Claro”.

O engraçado é que não lembro de ter sentido absolutamente nenhuma falta do álcool enquanto estava no hospital, talvez porque estivesse sob muita medicação.

Também me permitiram fumar no corredor ou do lado de fora. Realmente gostei de me sentir bem de novo e de estar com boa saúde.

Quando finalmente tive alta do hospital, senti-me como se tivesse começado vida nova, pois meu estado físico estava recuperado.

Minha sanidade, entretanto, não havia sido abordada em absoluto.

Os médicos que me trataram curaram as úlceras com drogas e restauraram meu bem-estar geral, mas meu estado mental ainda era o mesmo. Eu era totalmente ignorante sobre o tema do alcoolismo.

Ficava bastante feliz em admitir que era um alcoólatra, mas apenas de maneira jocosa. Não estava preparado para admitir que fosse um problema real. Ainda estava no estágio em que diria: “Não tenho problema. Jamais derramo uma gota”.

Eles abordaram minha situação brandamente, dizendo que seria bom para mim parar de beber em definitivo após deixar o hospital. Assim, fiz acordo com eles no seguinte sentido: “Bem, se eu moderar e reduzir para dois ou três uísques por dia, estará tudo bem?” E eles diziam: “Ótimo”, sem perceber que estavam lidando com um alcoólatra crônico para quem dois ou três uísques eram apenas um desjejum. Quando enfim cheguei em casa, para a satisfação de Pattie fiz uma tentativa fajuta de moderar, mas na real não passava de conversa: “Vamos tomar um cálice de vinho no almoço de hoje em vez de Special Brew”. Uns dois meses depois eu estava de volta às duas garrafas por dia e me lixando para a saúde.

Uma pessoa que inadvertidamente me chocou e meteu algum juízo em mim a respeito da bebida foi Sid Perrin, cuja saúde havia se deteriorado rapidamente ao longo do último ano, para grande aflição de minha mãe. Primeiro ele teve que se submeter a uma colostomia, que o atingiu em cheio. Sua dignidade e respeito próprio foram destruídos por ter que usar a bolsa. A seguir desenvolveu problemas de fígado e rim, todos relacionados à bebida, e de fato perdeu a vontade de viver. Na última ocasião em que o vi, ao visitá-lo no hospital com Pat, estava delirando e falando com pessoas que não estavam no quarto. Jamais tinha visto algo assim antes.

Sid morreu no início de novembro, e, de certa forma, para mim Ripley morreu com ele. Foi o fim dos bons tempos. Tio Adrian e eu ficamos incrivelmente bêbados em seu funeral, e nos comportamos da maneira mais medonha diante de todo mundo, com a desculpa de que era assim que Sid gostaria que nos comportássemos.

Foi imperdoável, e minha mãe ficou roxa de raiva.

Eu estava muito aborrecido pelo falecimento de Sid, e de certo modo aquilo me mostrou para onde eu estava indo. Pensei comigo mesmo: “Não vai demorar muito para esse tipo de coisa acontecer comigo”, mas, em vez de maneirar na bebida, isso me incitou a beber ainda mais em uma tentativa desesperada de tentar obliterar o fato.

Entretanto, a falácia sobre a bebida é que, quando as pessoas dizem que bebem para esquecer, tudo que isso faz é aumentar o problema.

Eu tomava um drinque para banir o problema, e então, como ele não ia embora, tomava outro; assim, o final dos meus dias de bebedeira eram realmente insanos, porque eu era constantemente atiçado pela esperança de que poderia de algum modo chegar a outro estágio. Eu escondia bebida em todo lugar, contrabandeando para dentro e para fora, e ocultando em locais que pensava que ninguém olharia. Em geral eu tinha, por exemplo, meia garrafa de vodca embaixo do tapete dos pedais do carro.

O fundo do poço foi precedido de vários avisos, o primeiro durante um final de semana em visita a alguns amigos no interior.

Havíamos sido convidados a ficar com Bob Pridden, engenheiro de som do Who, casado com Lady Maria Noel, uma das filhas do conde de Gainsborough; eles moravam em uma casa nos domínios de Exton Park, o lar da família em Rutland. Muito fanfarrão e por conseguinte sem ter idéia do que estava assumindo, prometi a Pattie que não beberia durante a viagem. Demos início à jornada e, quando estávamos bem perto do destino, nos perdemos. Avistei uma cabine telefônica e parei para ligar para Bob e pegar as orientações finais.

Enquanto falava com ele, de repente me senti tonto e um pouco cambaleante e caí contra a lateral do quiosque. O sangue logo me voltou à cabeça, me endireitei e concluí a conversa, mas fiquei um pouco perturbado.

Quando chegamos, fomos recebidos por Bob e Maria, que nos mostraram nosso quarto, e a seguir fomos comer alguma coisa.

Notei que não havia nenhuma bebida à vista, e então me ocorreu, pois eu sabia que Bob gostava de tomar um drinque, que eles obviamente haviam sido avisados para esconder ou trancafiar todo o álcool. Lembro de levantar no meio da noite e revistar a casa, abrindo cada armário para tentar encontrar alguma bebida, sem sucesso.

No dia seguinte, Bob saiu para caçar patos; fui com ele e ajudei a carregar as coisas; na hora em que voltamos eu me sentia um pouco
agitado por não ter consumido álcool nenhum. Comecei a sofrer os primeiros sinais da abstinência.

Naquela noite fomos jantar em um restaurante local, o George at Stamford. Era uma ocasião grandiosa, com muita gente fina do condado, e enquanto estávamos sentados no bar antes do jantar, notei que todo mundo estava bebendo água ou suco de laranja, o que me fez pensar que aquelas pessoas também deviam ter recebido o “informe E. C.”. Fomos jantar, e mal eu havia sentado à mesa quando senti a terra revolver-se. Eu estava sentado ereto, mas a sala ficou de lado, e a próxima coisa de que me lembro é que estava entrando em uma ambulância.

Pattie estava comigo, literalmente tremendo de medo, pois não tinha idéia do que havia acontecido. Viemos a saber que eu havia sofrido um ataque epiléptico, provocado por ter cessado minha maciça ingestão de álcool abruptamente e sem supervisão médica.

Fui internado no Wellington Hospital de Londres para exames, onde logo se diagnosticou que eu tinha uma forma de epilepsia tardia, e disseram que ela podia estar latente em meu organismo há anos. Então me deram a medicação adequada, o que foi ótimo, pois era mais um químico com o qual brincar.

Logo depois disso, no final de novembro, voamos para o Japão para uma curta turnê de oito datas, abrindo em Niigata.

Quando chegamos ao hotel em Tóquio uns dias depois, fui para meu quarto e descobri que havia ganhado uma garrafa de saquê com lascas de ouro puro flutuando dentro dela, um presente altissimamente valorizado no Japão.

Bebi de uma assentada, e dentro de poucas horas tive uma séria reação física. Meu corpo ficou coberto de brotoejas da cabeça aos pés, e minha pele começou a descascar.

De algum modo consegui encarar o show e naquela noite mostrei a Roger, e ele reiterou o que vinha dizendo havia meses: “Você é um alcoólatra.” Claro que me recusei a aceitar isso.

Naquele Natal tivemos um monte de gente hospedada em Hurtwood, amigos chegados e familiares de todas as idades. Pedi ao Papai Noel um traje íntimo térmico especial para pescar, e, na noite de Natal, depois que todos foram dormir, decidi abrir meus presentes, podre de bêbado. Lá estava eu, no meio da noite, sentado embaixo da árvore abrindo presentes, o tipo de coisa que um garoto travesso de 5 anos faria. Achei meu precioso traje íntimo térmico verde-cintilante, vesti-o e saí a vagar. Quando voltei a mim, horas depois, estava deitado na adega, com o traje térmico novo, parecendo o sapo Caco, e lanternas iluminavam meu rosto. Era manhã de Natal, e todo mundo havia entrado em pânico porque eu havia desaparecido e ninguém sabia onde eu estava.

Pattie havia ficado especialmente apavorada, pois eu andava propenso a sair de casa no meio da noite, sem roupa, e tentava entrar no carro e ir embora. Ela estava fora de si quando me encontraram na adega, e eu ria e chorava ao mesmo tempo. Foi péssimo, e lembro de ver o medo nos olhos das pessoas que me olhavam. Pattie estava compreensivelmente furiosa. Me levou para cima e me colocou na cama. “Você vai ficar aqui até todo mundo ir embora”, ela falou.

“Vamos aproveitar o Natal sem você”, e saiu do quarto, trancando a porta atrás de si. Ela era muito esperta e sábia, e me manteve dentro do quarto, fornecendo comida e bebida suficientes apenas para me manter sedado. Eu estava tão confuso sobre o que havia acontecido, e tão envergonhado pelo estrago que tinha causado, que não puxei briga. Eu sabia que ela estava certa e que eu tinha que baixar a crista e fazer o que mandassem durante um tempo.

Como se aquilo não fosse ruim o bastante, o fundo do poço apareceu poucos dias depois, quando todos os convidados haviam ido embora. De manhã cedo, usando meu novo traje íntimo térmico, esgueirei-me de casa para ir pescar. Dirigi até o rio Wey para experimentar as águas perto de uma das eclusas. Eu tinha um equipamento novíssimo – duas varas para carpa Hardy e um par de carretilhas Garcia – e montei-o para pescar lúcios. Sou um cara do interior, e sempre me considerei um pescador razoavelmente bom, mas na margem oposta havia uma dupla de pescadores profissionais de carpa com uma barraca e tudo bem arrumado e bonito.

Provavelmente estavam ali há um dia ou dois, e ficaram me observando.

Eu estava bêbado e mal havia conseguido montar meu equipamento quando perdi o equilíbrio e caí em cima de uma das varas, partindo-a no cabo. Os outros pescadores testemunharam a cena, e vi que desviaram o olhar embaraçados.

Ali deu para mim. O último vestígio de respeito próprio havia sido arrancado. Na minha cabeça, ser um bom pescador era o único ponto onde eu ainda tinha certa auto-estima. Guardei tudo de novo, coloquei no porta-mala do carro e dirigi para casa.
Peguei o telefone e liguei para Roger. Quando ele atendeu, eu apenas disse: “Você está certo. Estou encrencado. Preciso de ajuda”, e lembro que na mesma hora tive uma incrível sensação de alívio, misturada com terror, porque finalmente admiti para alguém o que vinha tentando negar para mim mesmo havia muito tempo.

      

 
 arquivos doprópriobol$o
Meu triângulo amoroso infernal com George e Eric  

 

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