JANIS JOPLIN PÉROLA NA NOITE CARIOCA

 Pérola na noite carioca  
(Mário PaZcheco)

 

— Você tem de parar! É uma questão de vida ou morte. E, além de parar, você tem de tomar sol, ficar numa praia, num lugar bem longe de todos os seus lugares.
Nunca o tom de voz do médico tinha sido tão sério e ela sentiu isso!

Estava carimbado o passaporte para Janis desembarcar no Rio de Janeiro e passar uma pretensa temporada de muito sol e praia, atendendo a recomendação médica, fazendo tratamento de metadona para largar a heroína. Gary Carey, no livro "Lenny, Janis & Jimi", diz que, em sua vinda ao Rio, “Janis talvez estivesse esperando vodu, a música intoxicante do samba, coloridos trajes de bailes de máscaras e uma legião de nativos que cobiçariam seu corpo; em vez disso, encontrou um estado policial”.

À essa visão misture muita champanhe, “catchaça”, fogo paulista e desentendidos e desencontros -, chacoalhe tudo e, não esqueça das drogas, especialmente heroína e sensações que vão do amor à humilhação, à solidão e ao vazio. Estes sãos alguns dos ingredientes do alucinado e amargo coquetel ingerido por Janis Joplin durante o verão brasileiro, no carnaval de 1970. No Rio de Janeiro ela se meteu em inesquecíveis confusões e passou por aqui, como um cometa, deixando o rastro de aura mágica e loucura que sempre acompanhavam a trajetória da rainha branca do rhythm and blues muito antes do sucesso, rastro até hoje venerado e vasculhado. Trinta e cinco anos depois de sua morte, a lembrança dos  seus dez dias de permanência entre nós permanecem... Sempre para lá de Marrakesch, circulando pela região dos inferninhos de Copacabana, principalmente os situados próximo ao Copacabana Palace, onde estava hospedada.

“Creio que a viagem ao Brasil não foi uma boa experiência para ela. Foi muito maltratada. Não queria frequentar os lugares da moda, e aprontava sempre confusão onde ia. Uma vez fomos ao baile de carnaval do Teatro Municipal, como convidados para o camarote de um milionário. Acho que eles pensavam que a superstar Janis Joplin era mais uma das belezas do cenário hollywoodiano. Quando viram, perguntaram: ‘Quem é essa mendiga? Bota ela pra fora’. Não a deixaram entrar no camarote. Janis ficou arrasada. Fomos para o setor popular do baile. Apesar de ser carnaval, todo mundo reparava na forma excêntrica de vestir e agir dela. Depois de ter tomado uma garrafa de champanhe - pelo gargalo, como de costume -, jogou-a no camarote onde fora barrada. Foi vidro pra todo lado”.

O episódio no Municipal foi bem um resumo dos tumultos que ocorreram com Janis no Rio. Certa vez, continua Ricky Ferreira, ela fez topless na praia, em plena ditadura militar. “Até hoje, me pergunto como ela nunca foi presa aqui”. Em outra ocasião, ela foi à favela da Rocinha. O que foi buscar lá, não é segredo para ninguém. Mas, em se tratando de quem era, tinha de acabar como acabou. Janis Joplin cantou, com toda beleza, numa birosca da favela.

Ricky conta que Janis ficou impressionadíssima com o carnaval carioca. No desfile das escolas, quis atravessar a avenida e quase foi presa. “Vibrou com o carnaval de rua e a batucada. Levei-a a todos os lugares e foi tudo um barato” .

Em uma destas incursões, calhou dela aparecer em um desses inferninhos, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, onde justamente quem fazia o show era  Serguei, que conhecia Janis de outros carnavais em Los Angeles. Ele, ao vê-la na platéia, ficou alucinado e a chamou para subir ao palco e dar uma canja, o dueto Janis-Serguei  durou até amanhecer. Depois do show, após um bucólico e romântico passeio a três pelas areias de Copacabana, Janis teria escrito e desenhado à caneta mensagens de carinho por toda a calça jeans de Serguei, o final não foi mais feliz porque a mãe do roqueiro, ao encontrar a calça, no dia seguinte, mandou lavá-la enquanto ele dormia, assustada com o que parecia sujeira, apagando assim a marca de Joplin.

“Éramos cúmplices, namorados e amantes”, diz Serguei, em entrevista a Manchete. “Chegamos a viver momentos de loucura. Na época, Janis tinha um namorado holandês e transamos a três em plena areia de Copacabana”. Serguei esclarece, entretanto, que não foi namorado de Janis, no sentido de ter um caso mais ou menos duradouro, pois “sabia muito bem que ela não era mulher de um homem só”. Ele, que aparece numa foto beijando Janis na boca, acha muito possível, dentro do contexto, que o fotógrafo Ricky Ferreira tenha tido um namoro com ela. “Quando ela diz em suas cartas que se apaixonou no Brasil por um homem de olhos azuis, acho que possa ser o holandês (o da transa a três na praia). Porque meus olhos azuis são efeito de uma belíssima lente de contato. Mas se existiu alguém que amasse tanto Janis Joplin como eu amei, então esse namorado sou eu”. Serguei.

O mesmo Ricky, então fotógrafo de O Pasquim foi quem  levou Janis ao inferninho, e, fez uma série de fotos exclusivas com Janis, entre elas uma foto tirada na Barra da Tijuca, com Janis Joplin de busto nu, tendo ao fundo a praia e abraçada a uma garrafa cuja marca reflete bem seu espírito: fogo paulista.

Ricky, o fotógrafo, é carioca, quarentão e possui um restaurante na cidade de Araras, interior do Estado do Rio. Falando à Manchete, Ricky explicou: “Janis estava perdida na praia. Tinha acabado de ser expulsa do Copacabana Palace e não tinha para onde ir. Eu a convidei, a ir para o apartamento em que eu morava, no Leblon. E ela aceitou. A experiência de convivência com Janis foi fantástica”. Nesse ponto, Ricky deixou claro que houve limites nessa convivência, mesmo a dois, num apartamento: “Eu nunca tive algo mais com ela, nunca namorei, tive caso ou transei com Janis Joplin”, como muitos especuladores da imprensa noticiaram.

“Aliás, ela nem era o meu tipo de mulher, apesar de toda a admiração que eu tinha. Ouvi-la cantando em casa, mesmo sem acompanhamento, foi simplesmente fantástico. Janis tinha os mais diferentes tipos de vozes, coisa de outro mundo”.
A americana Myra Friedman, no livro Buried Alive (“Enterrada Viva”), diz que ela realmente teve um namorado - a sério - no Rio, mas não era brasileiro, e sim o americano David Niehaus.

No show que Janis e Serguei dariam ao ar livre na Praça General Osório, em Ipanema, ela queria colocar uma enorme faixa com os dizeres: “Carnaval o ano inteiro”. E acabou não acontecendo a partir de uma característica percebida na própria Janis, uma entrevista coletiva no Copacabana, foi a sua única atividade como cantora profissional por aqui. Depois, Janis só queria saber de se divertir e, quando achou que tinha visto tudo, foi embora.

“Esse show foi uma idéia meio romântica, ela não estava nem um pouco a fim de trabalhar, topava as coisas meio no deslumbramento mas não tocava nada para a frente. Por isso é que não deu certo. Ela preferiu conhecer as praias desertas do que se apresentar em público”. Luis Carlos Maciel.

 

A última carta de Janis, a carta do Brasil
Abril 1970

Alô

Realmente trabalhando demais nos ensaios, tenho uma nova (dois dos mesmos caras, três novos) pequena banda & tudo vai fantasticamente! Ótimas novas canções - eu realmente precisava de novas canções -, portanto faremos um disco durante a próxima turnê. Albert (o empresário) está aliviando minha agenda, um pouco devido à minha velha idade & porque eu pisei fundo demais! Dois meses na estrada, dois meses fora, dois na, dois fora etc. Encontrei um homem muito legal no Rio de Janeiro, mas eu tive que voltar a trabalhar, por isto ele está fora, descobrindo o resto do mundo - África ou Marrocos agora, eu penso, mas ele realmente me amou & foi tão bom para mim & ele quer voltar & casar comigo! Eu pensava que morreria sem alguém além dos fãs me chamando. Mas ele foi jeitoso & quem sabe - eu posso cansar do negócio da música, mas estou realmente fundo nela agora!

Janis escreveu uma carta  no Brasil e  fala  de um homem “realmente legal” que diz ter encontrado aqui. E, apesar de toda a turbulência que sofreu, não estava zangada quando saiu. “No meio de toda a excitação que marcou aqueles dias”, diz Myra Friedman, em Buried Alive, “Janis parecia genuinamente feliz, particularmente depois que conheceu David Niehaus, de manhã, na praia”

Em telefonema a Myra, que estava em Nova York, Janis se mostrava tão extremamente alegre que falou até em emaranhar-se na selva. Ela e David foram parar em Salvador, de moto. “Mas David pertencia a uma categoria muito diferente da dos namorados do passado”. Durante as férias, diz Myra - contrariando outras versões -, Janis não tocou em drogas, e talvez isto lhe tenha permitido amar de verdade. Quando iam voltar para os Estados Unidos, no entanto, David foi retardado por seus negócios, e Janis seguiu na frente. Ao reecontrá-la em Los Angeles, dois ou três dias depois, David se viu diante de uma garota bem diferente da que conhecera no Rio - sem nada daquela alegria.

Uma amiga de Janis, Linda, diz que “David realmente a amava”, mas “Janis nunca estava satisfeita. Mesmo que alguém a amasse de todo coração e alma, não seria suficiente”. Disse a David: "Fique comigo”. E David retrucou: “Venha comigo”. Era o impasse. Ele viajou. O romance acabou.

Sem David, diz o livro, Janis entrou num padrão de atividade mais frenético do que nunca. O que abriu caminho para mais drogas ainda. Até que a overdose levou Janis à mais longa das viagens. E o mundo ficou sem ela.

Pressões e desumanidades

Contudo, como geralmente acontece, juntamente com o sucesso começaram as complicações. Segundo se conta, o empresário Albert Grossman - figura de peso no cenário pop de Nova York, tendo trabalhado com gente do talento de Peter, Paul and Mary, Bob Dylan e The Band - foi a Monterey e acabou fazendo a cabeça de Janis para que abandonasse o conjunto, segundo ele bastante aquém do potencial da cantora, e partisse rumo à carreira solo. Seu último concerto juntos foi com o Family Dog, de Chet Helms, no final de 1968, no Avalon Ballroom. Em meados de abril de 1970, ela reapareceu com o Big Brother (e Nick Gravenites) no Fillmore West, tocando todos os seus números antigos e, seis meses antes de morrer, quase terminou a gravação de seu último disco, Pearl, deixando a faixa Buried Alive in the Blues inacabada sem a sua voz.

Se os resultados artísticos dessa mudança não decepcionaram, no nível pessoal Janis em momento algum se declarou satisfeita. Sem o apoio dos velhos amigos - apenas o guitarrista Sam Andrews foi conservado na nova banda - a cantora passou a viver uma fase de total desestruturação, que nem o sucesso de Work me Lord, Try e One Good Man do disco I Got Them ol’Kozmic Blues Again Mama!, conseguiu equilibrar. 

De madrugada, Janis Joplin injeta e guarda a seringa numa caixa chinesa, indício de que pretendia ser aquela a última vez que usava heroína, já que costumeiramente, a colocava sobre a mesa de cabeceira. Estava no Landmark Hotel em Los Angeles. Ao invés de cair dura, como se imaginava, Janis saiu do quarto, conversou com um recepcionista, lhe pediu para trocar uma nota de cinco dólares para comprar cigarros e votou ao quarto. Fechou a porta, deu dois passos e caiu fulminada, achatando a cara no chão. Pela manhã, o amigo John Cooke encontrou Janis estendida no chão com o nariz quebrado na queda. Janis Joplin estava morta não por excesso de heroína, mas pelo efeito da droga em seu organismo, já que havia consumido heroína limpa, pura mesmo, por acidente conforme o laudo médico, que transforma a droga em morfina no organismo e tem efeito fatal, mas não imediato.

Janis que poucos dias antes tirara licença de casamento, morreu aos 27 anos, em 4 de outubro de 1970, vítima de uma dose habitual de heroína - a droga, no entanto, não era habitual, porque puríssima.

“Toda a minha vida eu só pensava em ser uma beatnik, me dopar, divertir-me enfim, viver a vida. Mas eles jogaram aqueles músicos em cima de mim, e foi naquele instante que descobri que não queria mais nada. Era melhor do que havia sido com qualquer outro homem. E talvez este tenha sido o problema” - Janis Joplin.

Os herdeiros de Janis Joplin impediram, durante onze anos que se seguiram à sua morte, a manipulação de gravações e o seu aproveitamento em álbuns inéditos. Abrindo uma exceção para Farewell Song (CBS), o oitavo disco deixado por Janis foi lançado em 1981, tinham bons motivos. A maioria das canções é de abril de 1968 (véspera de maio...) num trabalho honesto de edição. Os jovens viviam uma verdadeira revolução cultural e Janis não era para eles uma mera porta-voz - era talvez A Voz da sua geração. Com o acompanhamento do Big Brother - em seis das nove faixas – o repertório evoca a inocência subjacente do poder da flor, na sua mais autêntica expressão, o San Francisco Sound. Tell Mama abre o disco, Magic of Love foi gravada durante os trabalhos preliminares do álbum Cheap Thrills, em concerto realizado no Grande Ballroom, em Detroit, logo após uma série de conflitos raciais que incendiaram a cidade.

 As faixas "Misery, Catch Me Daddy" e "Harry" foram registradas à mesma época do disco Cheap Thrills, não chegando, contudo, a serem incluídas nele, das músicas “deixadas de lado” a canção "Harry", foi excluída do álbum por ser considerada “demasiado funk”. Produzida originalmente por Todd Rundgreen, com Paul Butterfield tocando harmônica, a música "One Night Stand" recebeu um trabalho posterior de percussão, que não constava do original, dando mais destaque à voz-instrumento de Janis Joplin.

"Raise Your Hand" foi gravada com o Kozmic Blues Band, durante uma apresentação especial que a cantora realizou na Alemanha. Na plateia, porém, a maioria era compatriota. Também neste caso, à obra póstuma acrescentou-se “reforços” tais como bateria, guitarras e saxofone. "Farewell Song", canção que dá título ao disco, foi gravada na mesma noite em que Janis cantava "Ball and Chain" para o mencionado Cheap Thrills. Trata-se de um dos registros mais emocionantes da discografia de Janis Joplin.

As faixas onde aparecem "Amazing Grace" e "Hi Heel Sneakers" foram gravadas no The Matrix, um dos mais populares clubes noturnos de Frisco.

No comovente texto da contracapa, assinado por um de seus amantes, o músico country Joe McDonald, existem revelações esclarecedoras. Country lembra de Janis gritando: “Eu não preciso de nenhum filho-da-puta! Não preciso perguntar a ninguém sobre nada. Se você pensa que alguém pode te ajudar a se sentir melhor falando besteira, está fodido. Ninguém sabe mais que ninguém”.

E o contraste destas canções da fase áurea de Janis com o uivo desesperado de "Tell Mama", gravada ao vivo, ao ar livre, no Festival Express, em Toronto, no Canadá, em 1970 (dois anos que parecem séculos...) depois com a Full Tilt Boogie Band, ilustra claramente o intenso drama dos últimos dias da cantora.

Janis foi vítima do chauvinismo, o mesmo que massacrou criaturas como Bessie Smith, Billie Holiday e Judy Garland, que, como ela, ousaram desafiar o universo masculino vivendo em plena combustão.

O cinquentenário do nascimento de Janis Joplin em 19 de janeiro de 1993, teve o perfil familiar da cantora nuançado pela publicação, em setembro de 1992, do livro Love Janis (Villand Books), organizado pela irmã da cantora, Laura Joplin. O livro divulga cartas de Janis para a família, escritas entre 1965 e 1970. Nas cartas Janis se confidencia sentimental, ingênua e dona de um ótimo senso de humor.

 

 

 

 

 

 

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