1985-86 Entrevistas de McCartney
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McCartney acusa Lennon: ‘Era um porco intrigante’
(O Globo*)
Londres — John Lennon era um porco intrigante, que se
aproveitava do sucesso das músicas que, na verdade, não foram escritas por ele,
disse o ex-beatle Paul McCartney em entrevista publicada na edição deste mês da
revista Woman. As declarações de Paul coincidem com a estreia de “Lennon”, um
musical sobre a vida de seu ex-companheiro de conjunto, que está sendo
considerado o maior acontecimento da vida teatral londrina.
Pouco depois de saber da repercussão da entrevista, o agente de
McCartney, Bernard Docherty, divulgou uma declaração do ex-beatle, explicando
que seus comentários “foram feitos há quatro anos e estão fora de contexto”. Na
verdade, a Woman publicou um trecho de uma conversa telefônica entre Paul e o
escritor Hunter Davies que, por sua vez, a reproduziu no livro Os Beatles, considerado a única
biografia oficial do conjunto e que será editado na Inglaterra em dezembro
próximo.
"Quero deixar claro que John Lennon não era nenhum santo, mas que
eu, como milhões de pessoas, gostava dele profundamente, disse o comunicado de
McCartney.
A controvertida matéria da Woman começa dizendo que, enquanto John nunca
escondeu sua hostilidade para com Paul, este se manteve em silêncio sobre seus
sentimentos até agora. A revista acrescenta que Lennon era inseguro, ciumento,
desconfiado e, algumas vezes, paranoico em relação às canções de McCartney.
— Depois de morto, John foi convertido numa espécie de santo
mártir, num Martin Luther Lennon, que não tem nada a ver como que ele era
realmente — disse Paul a Davies, comparando o assassinato do Pastor e
líder negro Martin Luther King, em 1968, ao de Lennon, morto por fã
desequilibrado, em 1980.
“John”, continuou McCartney, “sempre foi mostrado como o bom moço dos
Beatles e eu como o bastardo que destruiu o conjunto. Não era verdade. Ninguém
nunca percebeu o hipócrita que Lennon era. Ele dizia ter escrito uma parte da
música Eleanor Rigby. É verdade, escreveu talvez meia linha”.
“Ninguém nunca falou das vezes em que John me magoou”, disse Paul,
prosseguindo em seu desabafo: — Por várias vezes ele chamou minhas músicas
de “horríveis”. A música “In My Life” foi
escrita por mim, mas ele dizia ser dele.
Durante dez anos ele escondeu minhas canções. John sempre estava
pensando que eu o trapaceava ou estava sendo desonesto. Ninguém sabe o quanto o
ajudei. Dei-lhe tudo e não obtive nada em troca. Mesmo assim, as pessoas
continuam dizendo que fui eu quem magoou. Onde estão os exemplos? Quando foi
que fiz isso?
— Referindo-se ao início do sucesso dos Beatles, McCartney contou
que, junto com George Harrison, “idolatrava Lennon”. Segundo o ex-beatle, John
“começou a se preocupar” quando ele (Paul) e George atingiram o seu nível
musical. Encerrando suas revelações, McCartney acrescentou: — Muito ciumento,
uma vez John me advertiu para que não tentasse conquistar Yoko Ono. Cada vez
mais ciumento, no final, ele não me deixava nem brincar com o seu filho. Eu
poderia contar coisas muito graves sobre John, mas não farei isso enquanto sua
viúva, Yoko Ono, estiver via.
Em Nova York, onde vive com o filho Sean, Yoko disse estar
“profundamente chocada”. A viúva de Lennon pediu tempo para analisar a
entrevista de Paul, antes de fazer comentários a respeito.
*O Globo,
quarta-feira, 6 nov. / 1985
Entrevista de Paul McCartney a Kurt Loder, da
Rolling Stone
“Havia uma época em que
eu era o avant-garde dos Beatles – mais ou menos no Sgt. Pepper. O LP
foi basicamente minha influência. Foi minha a ideia de fazermos de conta que
éramos outro grupo. John vivia com a mulher e o filho em Weybridge, e eu era o
solteiro do grupo – morava sozinho em Londres, ligadíssimo no que estava se
passando. Foi um tempo muito rico. Costumava fazer filmes de oito minutos e os
projetava quadro a quadro – flick, flick, flick... –, então duravam uma hora,
quando deveria ser no máximo dez minutos. Lembro-me de ter mostrado os filmes
para Keith Richards e Antonioni (†) – ele estava em Londres, pois filmava Blow Up. Foram noitadas
boas. Introduzi John a muitas das coisas que estavam acontecendo. Na verdade,
muitas pessoas não sabem, mas Yoko veio a minha casa antes de ter conhecido
John. Foi para um lance de caridade – um acontecimento meio avant-garde, alguma
coisa a ver com John Cage, ou algo assim –, e ela queria letras e manuscritos.
É horrível, mas eu não lhe dei nenhuma de minhas letras – egoísmo, sei lá. Mas
eu lhe disse: ‘Tem um amigo meu que talvez possa lhe ajudar. Meu camarada,
John.’”
Rolling Stone, 11 set. / 1986