José Emílio Rondeau entrevista George Harrison no Brasil em 1979!

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"Me senti como se estivesse diante de Deus"
(José Emílio Rondeau)

Um repórter de POP entrevista o ex-beatle George Harrison

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George Harrison e Gary Wright e Gene Hackman: um encontro de feras do rock e do cinema em Interlagos

Eu cresci, da mesma maneira que minha geração, a anterior e algumas seguintes, admirando esse cara que está agora à minha frente. Junto com John Lennon, Paul McCartney e Ringo Starr, George Harrison formava a mais importante banda de rock de todos os tempos - e até mais o que isso: juntos, eles viraram o mundo ao avesso e passaram a representar tudo o que um adolescente queria. Eu tinha, apenas 13 anos - e me lembro de comos os Beatles estavam ligados a todas as coisas: contestação, psicodelia, cabelos ongos, a gíria, a ascenção da guitarra, o rock. Os Beatles eram Deus e o Mundo.
E hoje, aos 22 anos, eu estou diante de um daqueles quatro deuses, falando com ele um sonho real. Aos 37 anos, George Harrison é agora um homem maduro, sereno e simples, que cuida sozinho de seu jardim, vive com a mulher e o filho de 6 meses, que gosta de música clássica indiana e de corridas de automóveis - foi para assistir ao Grande Prêmio de Fórmula 1 que ele acabou vindo ao Brasil, de surpresa, quando ninguém mais acreditava que viesse.
Falar com ele foi como falar com minha própria adolescência. Ou como rever um velho amigo que nunca conhecera pessoalmente. Voltar aos tempos dos Beatles... no fim da entrevista, George decidiu atender às fãs que há horas esperavam para vê-lo. Cercado por guardas de segurança da gravadora WEA, teve que correr até o carro que ia levá-lo ao aeroporto, enquanto as meninas gritavam, socavam o capô, atiravam-se à frente. Quando finalmente conseguiu partir, fiquei vendo a poeira do Galaxie, com um nó na garganta.
(José Emílio Rondeau) 

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“Os Beatles fizeram como os grandes campeões; se aposentaram na hora certa”.

HIT POP — Você, que era em primeiro lugar um guitarrista, agora está diversificando seu interesses, produzindo filmes, ligando-se a corridas. Como ocorreu essa mudança?
George — Bem, em primeiro lugar, eu sou um jardineiro. Passo a maior parte de meu tempo, hoje, plantando: só em novembro, plantei mais de 50 000 mudas. Em segundo lugar, eu sou um compositor; em terceiro, um guitarrista; e em quarto, um cantor. Essa é mais ou menos a ordem. Em minha vida, tudo aconteceu mais ou menos como num trampolim: tocar guitarra levou-me par a música, a música levou-me para os Beatles, os Beatles foram um trampolim para os discos, aí mãe envolvi com gente de cinema. Resolvi produzir o filme do Monty Pynthon porque sou um fã deles, e quando os antigos financiadores se afastaram, eu entrei. Quanto às corridas, bem, eu gosto delas desde os 12 anos de idade, mas antes não podia ir a nenhuma, por causa da popularidade dos Beatles. Hoje posso, e vou.

HIT POP — Quando você lançou seu primeiro disco individual, “All things must pass” (relançado agora no Brasil pela Odeon), houve uma grande reação positiva. Depois, na excursão de 74, as críticas foram totalmente negativas. Isso o afetou?
George —Tudo na vida é um ciclo: você sabe, depois tem que descer. Não é nada bom quando te criticam tanto, mas ajuda: ou você enlouquece e se mata, ou se fortalece. Além disso, naquela excursão eu perdi a voz.

"Eu não quero, nunca mais, ser famoso como fui antes”.

HIT POP — E quanto a John?
George — Acho que John não pega na guitarra há uns três anos. Ele vive no Japão e em Nova York, tomando conta de seu bebê, Sean. Eu tenho um filho de seis meses, e é muito melhor ficar com ele, em casa, do que estar dizendo todas essas besteiras sobre os Beatles. Com todo o respeito que tenho pelos Beatles: aquilo foi bom para aquele tempo, mas... Sabe, algumas pessoas, como Paul, têm necessidade de estarem na televisão, nas paradas. Eu não.

HIT POP — você não acha importante mostrar sua música?
George — Eu acho importante, quando você faz um disco, as pessoas saberem que ele existe. Seria uma vergonha se ninguém soubesse. Mas ser famoso, não. Te deixa maluco. Seria muito bom que todo mundo que quer ser famoso pudesse sê-lo, por uma semana, pra sentir como é duro?

HIT  POP A transição difícil?
George — Foi fácil. Uma das razões da separação foi que todos nós escrevíamos um monte de músicas e gravávamos só três ou quatro. Era como ter prisão de ventre. Com o “All things must pass”, então, banheiro: o disco tinha dezoito músicas, um alívio. Aliás, o disco de ouro que ganhei por ele está pendurado exatamente no meu banheiro. Trabalhar sozinho, então, foi fácil, já que eu tinha as músicas.

”Olhe, nós já estávamos cheios de tanta Yoko...”.

HIT POP — Quando começaram as más vibrações entre os Beatles?
George — Em 1967, quando John se juntou a Yoko. Antes de tudo era muito bom, tudo. Havia turbulências, claro, passamos por coisas que ninguém imagina. Aí, durante o filme “Let it Be”, as coisas estavam péssimas. Eu deixei a banda durante as filmagens, já estávamos cheios de tanta Yoko. Ela estava tentando entrar para os Beatles, então Paul arrumou Linda para se apoiar. Foi demais pra mim, elas estavam em todos os lugares. Levei Eric Clapton pra tocar conosco em While my guitar gently weeps porque, tendo alguém olhando, John e Paul teriam que tocar direito: os dois faziam tantas músicas que, quando chegava a minha vez, eles sempre tentavam estraga-la. Era como lidar com crianças, sabe? As pessoas pensavam que tudo era um mar de rosas. Mas nós vivíamos num inferno.

HIT POP — Qual sua reação quando o empresário Brian Epstein morreu?
George — Me senti muito triste. Foi como se alguém tivesse tirado nosso chão. Não sabíamos par onde olhar, nem pra onde ir. Até aquela época, nós não organizávamos nada, não sabíamos nada de negócios. Brian fazia tudo, era como um juiz, um guia.

HIT POP Os Beatles são considerados o início de tudo o que hoje é chamado rock. Você concorda com isso?
George — De certa forma, sim. Somos parte da história, embora em relação a todas as modificações da época nós tenhamos sido vítimas das circunstâncias tanto quanto os demais. Os Beatles foram importantes, sim, mas não éramos a resposta para os problemas do mundo. Fomos a melhor banda: até hoje não há nada igual. Mas o resto era bobagem, e havia tantas pressões... Sabe, foi importante que nós nos separássemos: um dia os Beatles cairiam. E é melhor fazer como Muhammad Ali: ganhar o campeonato e se aposentar, como Jackie Stewart fez na Fórmula 1. Os Beatles, então, foram assim: nós ganhamos todo sos campeonatos e depois nos aposentamos. Antes que começássemos a cair.

“Naquele tempo, viver um ano era como viver vinte anos”.

HIT POP — Por que vocês deixaram de se apresentar ao vivo tão cedo, em 1966 ainda?
George Porque nossa vida era muito concentrada. Um ano era como vinte anos. O tempo todo havia pressões, imprensa, o público, voando de um lado para outro, tumultos em cada cidade. Um ano, para cada um de nós, era uma vida. E, por volta de 1965, 66, eu, por exemplo, me sentia como se já tivesse vivido trezentos anos!

“Foi uma experiência incrível sair de meu próprio corpo”.

HIT POP - Como foi que você começou a se interessar por assuntos espirituais?
George Harrison — Bem, um dia, eu, John e nossas esposas fomos jantar. E John colocou ácido em nosso café. Nós não sabíamos o que era aquilo, e ele nos disse: "Aconselho que vocês não saiam". Depois, pensando que ele nos estava convidando para uma orgia em sua casa, saímos. Acabamos entrando numa discoteca chamada Ad Lib - e uma porção de coisas incrivéis começaram a acontecer. Parecia que estávamos na pré-estréia de alguma coisa, achamos que o elevador estava em chamas (havia apenas uma luz vermelha), e quando saímos dele estávamos todos gritando. Foi incrível. E depois dessa experiência de deixar meu próprio corpo, de ver meu ego, passei a procurar alguma coisa mais real. Então me liguei em música clássica indiana, fui a Índia, passei algum tempo com Maharishi Mahesh Yogi, em Bangor, para me encontrar.

HIT POP  Voltando ao Monty Pynthon: como você começou a trabalhar com eles?
George — Eles são meus velhos amigos. Eric Idle, um deles, escreveu comigo o roteiro para o filme dos Ruttles, uma paródia dos Beatles feita pelo Monty Python, no qual até eu trabalhei. Os Ruttles foram uma liberação, pra mim, uma piada com os Beatles. E tudo deve ter um lado engraçado.

HIT POP — Você, que representou o rock de toda uma geração, como vê o rock dos anos 80?
George — Deverá ser bom. Mas, sinceramente, não presto muita atenção à música que predomina hoje. Gosto de algumas coisas, como Elton John e Ry Cooder. Mas quando quero me sentir bem, ouço música clássica indiana, que tem suas raízes no espírito.

MAIS GEORGE NO BRASIL...

2023

4 DE NOVEMBRO

O primeiro beatle a pisar em solo brasileiro não veio para fazer show ou promover disco. George Harrison passou alguns dias no Brasil em fevereiro de 1979 para apreciar uma de suas paixões extra-musicais: o automobilismo. A convite do amigo Émerson Fittipaldi, o músico veio especialmente a São Paulo para assistir ao Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1 em Interlagos. Foi a primeira visita de um integrante dos Beatles. Paul McCartney só faria seus primeiros shows no País em 1990 e Ringo Starr em 2011. John Lennon nunca veio.

Antes da chegada, especulou-se que Harrison participaria de uma sessão de fotos no autódromo paulistano para a capa de um novo disco. “Vim ao Brasil para assistir ao Grande Prêmio, só isto”, dizia aos repórteres que insistiam em entrevistá-lo. Aos fotógrafos que o cercavam no autódromo, Harrison tentou argumentar que as estrelas eram os pilotos e não ele. Aos fãs e jornalistas que o assediavam driblava com um convite “compareçam, domingo à corrida” .

O ex-beatle se recusava a qualquer tipo de conversa com a imprensa. Mas os repórteres Laura Greenhalgh e Castilho De Andrade conseguiram uma entrevista exclusiva e conversaram com o músico em um dos boxes de Interlagos. A entrevista, dada com todos sentados em caixotes no boxe da equipe Renault, ocuparia uma página inteira da edição de 5 de fevereiro de 1979 do Jornal da Tarde.

O guitarrista, cantor e compositor falou que lamentava que os Beatles nunca tenham vindo ao Brasil e ainda posou para uma foto segurando a capa do jornal de 3 de fevereiro em que ele aparecia.

Leia a entrevista, republicada abaixo na íntegra pela primeira vez.

GEORGE HARRISON. EXCLUSIVO

Por Laura Greenhalgh e Castilho de Andrade

Desde que chegou a São Paulo, na última quinta-feira, o ex-Beatle George Harrison vinha evitando a imprensa, recusando-se a qualquer tipo de entrevista. No sábado, finalmente, o Jornal da Tarde conseguiu furar o bloqueio. Nossos repórteres — Laura Greenhalgh e Castilho de Andrade — convenceram George Harrison a conversar com eles num dos boxes de Interlagos, aproveitando o intervalo entre a primeira e a segunda bateria.

Foi um contato emocionante e a descoberta de que George evitava a imprensa apenas porque estava cansado e não por um excesso de vaidade ou de estrelismo. George, afinal, não era um ídolo inacessível.

A entrevista foi uma conversa cândida e franca sobre a época dos Beatles, a separação do quarteto que revolucionou o mundo e a atual fase musical de Harrison. Num momento de modéstia, ele até admitiu que foi um erro muito grande, por parte dos Beatles, nunca terem se apresentado na América do Sul e na África.

E promete não persistir no erro: até o final do ano ou, no máximo, até o começo do próximo ano, estará de volta ao Brasil para realizar alguns concertos. Desta vez, ele veio somente para assistir à corrida de Fórmula 1.

Ele é apaixonado por automobilismo desde a época dos Beatles e entende muito bem do esporte, pois acertou em cheio nas previsões que fez, ainda no sábado à tarde: “Toda corrida é imprevisível, tudo pode acontecer. Mas parece que as Ligiers são realmente muito rápidas, são as mais rápidas do circuito. E, se Depailler e Lafitte não tiverem problemas com o motor ou com os pneus, eles devem vencer”. Um palpite absolutamente certo, pois foram esses os vencedores da corrida de ontem à tarde.

Hoje, George Harrison embarca para o Rio e, na quarta-feira, depois de uma entrevista coletiva, embarca para Paris. Se ficasse para um carnaval brasileiro, o dia 25 teria uma outra festa: a festa dos seus 37 anos. A comemoração, porém, será feita em Londres. Já no final da semana, George Harrison poderá estar autografando seu sétimo álbum-solo desde o término dos Beatles, em 1970. Esse disco, que não se chamará Faster, nem terá na capa uma foto tirada no autódromo de Interlagos, como havia sido noticiado, é assunto desta entrevista exclusiva.

A essa relação de sete discos-solos devem ser acrescentados os outros dois gravados antes de 1970: Wonderwall, a trilha sonora do filme o Muro das Maravilhas, estrelado por Jane Birkin, e Electronic Sounds, um disco experimental da Zapple, a gravadora que Harrison montou para produzir discos de avant-garde, que não chegou a fazer o menor sucesso.

Contente por ter vindo ao Brasil, por encontrar aqui algumas semelhanças com a Índia e, afinal, por descobrir uma fantástica legião de fãs que consomen seus discos com a mesma avidez com que eram consumidos os disco do quarteto que ele formava com John Lennon, Paul MacCartney e Ringo Starr, George Harrison só não gostou da poluição de São Paulo.

Mas encontrou energias e vibrações suficientes para motivar um retorno ao Brasil. E, para os fãs que ainda não se conformam com a separação dos Beatles, George deixa uma mensagem definitiva: É impossível que os quatro voltem a se apresentar novamente juntos. Ele conta, por exemplo, que a separação não foi motivada por brigas. Apenas, estava havendo um sufoco na criatividade de cada um. Por isso, optaram pela carreira-solo.

Mas admite que são todos bons amigos e que, se não vê John Lennon há dois anos, o problema é mais por uma questão de distância do que propriamente de incompatibilidade. Nada impede, portanto, que alguns deles se apresentem no mesmo concerto. E isso tem acontecido.

A atitude de George com os repórteres do Jornal da Tarde deixa bem claro essa capacidade de harmonização com outras pessoas. Tanto que foi ele mesmo quem sugeriu que a entrevista fosse realizada nó box da Renault. Bastante informal nessa entrevista, George sugeriu que todos se sentassem em caixotes, ficou contente de ver sua foto publicada na primeira página do jornal e até fez questão de posar para o fotógrafo usando a página como se fosse uma camiseta.

Como será o seu próximo LP, o “Faster”?

Harrison — Bem, há um engano quanto ao título. O nome do disco não será Faster e sim George Harrison. Faster é apenas o nome de uma das músicas do LP. Eu passo muito do meu tempo vendo corridas e as pessoas que estão dentro do automobilismo. Então eu pensei: por que não fazer uma música sobre corridas? Quando decidi que iria compor algo sobre automobilismo, pensei muito tempo para não introduzir alguma coisa comum. Esse é um tema muito difícil de tratar. Depois de muita reflexão eu acabei compondo a música e aproveitei o nome do livro de Jack Stewart, aquele que ele escreveu em 1973. Eu esperei muito tempo, mas acho que fiz uma canção muito bonita.

E quando o disco será lançado?

Harrison — Nos Estados Unidos, sairá na próxima sexta-feira. Na Europa e no Brasil, entre 20 e 28 de fevereiro.

O que houve entre você e a Warner no Brasil? Alguns desentendimentos parecem ter provocado o cancelamento de todos os seus compromissos aqui. É verdade?

Harrison — Bem, existe a Warner dos Estados Unidos e a Warner do Brasil. A Warner americana disse à brasileira que eu viria. Quando ela disse isso, eu apenas pensava em vir ao Brasil. Era apenas uma idéia. Tive que dizer à Warner americana que eu não estava certo da minha vinda. Daí a Warner americana comunicou à Warner brasileira que eu não viria. E eu vim. Estou aqui. Tudo não passou de uma série de mal-entendidos. (George ri da confusão de sua resposta). Sabe, eu entendo que, pelo fato de nunca ter vindo aqui antes, devo dar entrevistas e fazer mil coisas desse tipo. Eu entendo até que esse seria o melhor momento para eu fazer propaganda de mim mesmo. Afinal, meu disco novo está ai... Mas eu pretendia fazer isso depois da corrida e pensava que fosse passar desapercebido no Brasil, tranqüilamente.

Mas os brasileiros até esperavam apresentações suas aqui...

Harrison — Pois é. Eu estou surpreso com os brasileiros porque parece haver um interesse fantástico do público pela minha pessoa. Eu não percebia a dimensão desse público. Sempre soube, é claro, que os discos dos Beatles vendiam muito bem aqui, mas mesmo assim eu não imaginava quantas pessoas compravam esses discos e muito menos os meus discos pessoais. De qualquer forma, já que eu senti o País, brasileiro, senti os pés, estou com vontade de vir ao Brasil no fim deste ano ou no começo do próximo para fazer algumas apresentações.

Qual é, entre todos os seus discos individuais, o seu favorito?

Harrison — Eu não sei... Em geral, gosto sempre do meu último trabalho, porque ele está ligado ao momento e isso é muito interessante. Entre os discos velhos, tenho músicas preferidas. Como Give me Love, uma canção muito simples, ou como Bangladesh, uma das minhas favoritas pelo seu propósito.

A popularidade de ex-Beatle o incomoda?

Harrison — Não, mas agora é muito melhor. Bem, nós paramos com os Beatles porque o conjunto já havia chegado ao seu ponto máximo. Cada um dos quatro crescia muito individualmente e todos estavam se sentindo apertados, limitados dentro do conjunto. Nossa parada foi consciente. Se tivéssemos continuado, seríamos hoje um conjunto chato, aborrecido.

Quando é que vocês vão tocar juntos outra vez? Não existe uma possibilidade de que isso aconteça algum dia?

Harrison — Eu não acredito que a gente venha tocar junto outra vez. Não há a menor chance disso. Por exemplo, eu não vejo John Lennon há dois anos. Nossa serparação pode ser comparada à saída de um jovem de sua casa. Ele sai, cresce e quando a família pede que ele volte não dá mais. Isso é impossível.

Foram difíceis para você os primeiros tempos após a separação?

Harrison — Não. Depois de a gente dissolver os Beatles, foi tudo bem. O que foi difícil de aguentar foram os nossos últimos tempos juntos, quando nós lançamos o Let It Be. Quando essa fase foi superada, eu senti então que tudo estava melhor e mais feliz. Eu não tinha mais que pensar em tantos problemas.

Por que você tem tanto interesse pela música hindu?

Harrison — Em minha opinião pessoal, é a música mais profunda, mais espiritual, mais serena e suas raízes estão na antiguidade. A música hindu é atemporal. A música ocidental, na maior parte dos casos, é boa para uma determinada época. Depois, ela passa. Já a música hindu, quanto mais você conhece, mais ela se renova e se torna melhor. O primeiro disco que ouvi de Ravi Shankar logo me prendeu. Quando conheci melhor a música hindu, mais valor dei ao disco.

Por que você usou o nome de Hari Georgeson no Lp de Shankar?

Harrison — No disco Ravi Shankar, His Family and Friends, eu ainda estava sob contrato com a EMI Records. Esse contrato foi feito em 1973 ou 1974, não me lembro bem. Esse contrato não permitia que eu aparecesse no disco de ninguém. Foi por isso que eu usei esse nome estranho, como fiz em vários outros discos.

Você conhece alguma coisa de música brasileira?

Harrison — Muito pouco. Eu vi alguma coisa de carnaval na tevê americana. Vi também noticiários, ouvi falar alguma coisa daquele Sérgio... Sérgio Mendes, não? Ele até que tem fama nos Estados Unidos. Eu conheço conga, rumba, samba, tipos de dança que são mostrados na Europa, mas que devem ser muito melhores aqui. Acho que é tudo que sei.

E já que você se interessa pela filosofia hindu, estaria disposto a pesquisar, por exemplo, as religiões afro-brasileiras?

Harrison — Não adiantaria eu me intrometer nisso. Não tenho conhecimento básico nenhum para pesquisar esse tipo de coisa.

Desde quando você se interessa por automobilismo?

Harrison — Desde quando eu tinha doze anos, em 1955; Nesse ano, eu assisti ao primeiro Grand Prix da minha vida. Só que na época em que eu comecei a atuar nos Beatles, estava exatamente na idade de oomeçar a participar de corridas. E eram ocupações muito diferentes. Agora é tarde, estou velho para dirigir carros de corrida. Só de brincadeira, eu já dirigi carros de corrida na Inglaterra. Uma vez, eu dirigi o Surtees de Fórmula-1, na pista de Brands Hatch. Mas foi só uma brincadeira.

Quais são suas preocupações musicais no momento?

Harrison — Atualmente, eu tento chegar aos meus sentimentos. Eu quero fazer um tipo de música que reflita o imediato, o momento. Como Faster, por exemplo. Eu gosto de corridas, então, devo compor Faster, não é simples? A música é o reflexo de uma situação. Nunca me preocupo com o que eu devo ou não compor. Não fico pensando se hoje eu vou fazer uma música-discoteca ou outro gênero qualquer. Sei lá... amanhã pode ser que eu componha cantigas de ninar, porque o momento é de cantigas de ninar. O importante é refletir aquilo que eu estou vivendo.

Você não tem preocupações sociais ou políticas em suas músicas?

Harrison — Um pouco. Eu já fiz músicas de temas sociais e políticos como Bangladesh. Eu me interesso por essas coisas. Por exemplo, eu não tenho muita informação sobre as ditaduras militares na América Latina, mas sou contra elas. Sou contra qualquer tipo de ditadura porque eu acredito que as pessoas nascem para ser livres. Mas, musicalmente, eu acredito que as pessoas se cansam na vida e que preferem músicas alegres, que as relaxe. Isso está provado porque essas músicas vendem mais. Esse meu disco novo deverá vender bem, exatamente porque suas músicas são todas alegres, descontraídas.

Entre todos os seus discos individuais, qual o que vendeu mais?

Harrison — Eu não sei ao certo. Numericamente, eu acredito que All The Things Must Pass e Bangladesh foram os que venderam mais porque são álbuns triplos. Se eu vendi um milhão de álbuns, na verdade são três milhões de discos adquiridos. Os discos simples vendem bem menos. Eu não tenho acompanhado as vendas há muito tempo. Provavelmente, Living in The Material World deve ter vendido bem. Tenho certeza de que 33 1/3 deveria ter vendido mais. Nos Estados Unidos, esse Lp vendeu apenas 800 mil discos, quando as previsões estavam em torno dos dois milhões.

Você gosta de música progressiva?

Harrison — Bem, eu ouço tudo o que posso. Não tenho grandes preferências, mesmo assim. O rock foi, indiscutivelmente, o ritmo que mais me tocou. Depois, eu tive a felicidade de conhecer a música hindu. Realmente, esta é a música de que eu gosto mais hoje.

Por que os Beatles nunca vieram se apresentar no Brasil?

Harrison — Eu não sei responder com certeza essa pergunta hoje. Eu tenho impressão de que, numa determinada época, nós estávamos muito preocupados com o dinheiro. Ficamos muito concentrados na Europa e desconhecemos o resto do mundo. Hoje eu lamento isso. Acho que teria sido muito bom se nós tivéssemos nos apresentado em outros continentes, como a África e a América do Sul. Eu entendo bem a influência que nós tivemos sobre a juventude do mundo inteiro, principalmente sobre o seu comportamento. Mudamos muita coisa e essa foi e é uma responsabilidade muito grande mesmo. Talvez tivéssemos aprendido muita coisa se nos apresentássemos em países da África e da América do Sul.

O que você gosta de fazer além de ouvir música e assistir corridas de Fórmula-1?

Harrison — Eu gosto de meus amigos, de conversar bastante e de viajar. Durante todo o tempo estou pensando na transcendência da vida. Acho que esse é um problema do nosso tempo. Mas não pensem que sou religioso. Pelo contrário, não tenho nem religião o que não impede que eu seja uma pessoa espiritual.

Já que você é uma pessoa espiritual, o que você vê de extraordinário numa corrida de carros?

Harrison — Eu admiro a sua velocidade e o seu barulho.

Quais as suas impressões sobre São Paulo?

Harrison — Eu não sei muita coisa sobre São Paulo. Sei, por exemplo, que a cidade tem doze e meio milhões de habitantes. Mas o que me parece negativo é que essa cidade seja tão mal planejada. Ela cresceu para todos os lados, não? Os edifícios velhos me parecem belos e os edifícios novos, horrorosos. Além do mais, São Paulo tem muitos carros circulando e muita poluição. Não se impressionem comigo porque, na verdade, eu não gosto de cidades grandes. Eu não gosto também de Paris, o de Nova York e de Londres.

E do que você gosta?

Harrison — Eu gosto de flores e de árvores, duas coisas indispensáveis para mim. E por isso que eu prefiro sempre estar no campo, ao lado de tudo isso e respirando ar puro.

Onde é que você mora atualmente?

Harrison — Estou entre os Estados Unidos e a Inglaterra. Eu gravo quase todos os meus discos em Los Angeles e então é natural que eu fique muito tempo na Califórnia. E eu gosto muito de lá, principalmente do lugar onde moro, bem afastado de Los Angeles.

Um ex-beatle pode programar sua vida facilmente, como você, que largou todos seus compromissos para vir ao Grand Prix d Brasil?

Harrison — Eu tenho podido freqüentar lugares tranqüilos nos últimos cinco anos. Mas sempre que as pessoas me descobrem lá acabo tendo alguns problemas. Só que sempre arranjo um jeito de não ter problemas.

Até quando você ficará no Brasil?

Harrison — Até quarta-feira quando vou dar uma entrevista coletiva para a imprensa no Rio de Janeiro. Em seguida, pego um avião para Paris, e lá eu fico apenas um dia. Depois, volto para a Inglaterra.

Como está o seu filho, George?

Harrison — Bem, ele já está com seis meses. Veja que engraçado: ele nasceu bem cabeludo. Os seus olhos são muito bonitos. São fundos e escuros... assim como os olhos brasileiros. A mãe dele é mexicana, vocês sabem. Olívia Árias tem cabelos e olhos escuros. Acho que Danny é metade mexicano metade inglês, de Liverpool.

Você gostaria de ver o seu filho um Beatle do futuro?

Harrison — Eu não sei.... (pausa). Não mesmo.

Agora faltam algumas horas para a decisão do Grand Prix de Fórmula-1 aqui em Interlagos. Qual é o seu palpite para o vitoria, George?

Harrison — Bem, eu quero dizer que mesmo achando São Paulo uma cidade agitade e poluída, o circuito de Interlagos é muito bonito. Quanto à decisão da corrida, estou certo de que as Ligiers são muito rápidas. São carros em que a gente pode confiar. Ao mesmo tempo, as Ferrari, que tiveram problemas de motor, já estão dando o que pensar, pois melhoraram muito. De qualquer forma, gostaria muito que Émerson vencesse. Sempre admirei Emerson Fittipaldi como piloto. Seria uma vitória bonita.

O que você acha de George Harrison, homem de 36 anos?

Harrison — Hoje eu sou uma pessoa totalmente pacifista. Estou contra qualquer de coisa que restrinja a liberdade das pessoas. O que eu queria mesmo é ver o mundo todo feliz.

***

 

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