52 ANOS DE 'PET SOUNDS' (ITAMAR ALVES, 2016)

PET SOUNDS

Os 52 anos de uma obra pop barroca psicoldélica

Em 1966, Brian Wilson sonhou e orquestrou uma obra experimental que fez explodir a contracultura musical em cores, ruídos e texturas. Ciquenta anos depois do lançamento de “Pet Sounds” o disco da banda Beach Boys segue guardando mistérios e influenciando fortemente a indústria cultural


por Itamar Alves


A contracultura ocidental do pós-Segunda Guerra teve enorme impacto na Costa Oeste dos EUA a partir de 1960. Se a década anterior foi de experimentações literárias e cinematográficas independentes, a indústria cultural rapidamente percebeu o filão que se abria para o mercado de consumo adolescente e passou a absorver os novos artistas e produtores que entendessem os novos tempos. Como geralmente ocorre nessas janelas de transição entre mercado independente e de massa, o período foi criativamente benéfico para ambos. Empresas fonográficas deixavam estúdios e orçamentos nas mãos e cabeças de qualquer um que conseguisse penetrar as paradas de sucesso, o que foi largamente aproveitado por alquimistas da juventude como Phil Spector e Berry Gordy. E Brian Wilson.

O líder e principal compositor dos Beach Boys, banda de rock que montou com familiares e vizinho, demonstrou, desde o início, a peça importante que seria na ascensão da cultura adolescente. Entre 1959 e 1964, Wilson orquestrou, em vários compactos de menos de três minutos, relações entre praias e garotas, ou carros e testosterona. Se havia um príncipe na Califórnia que os EUA exportavam em filmes e discos para o resto do mundo ocidental, ele era Brian Wilson. Os Beach Boys eram a contraparte americana aos Beatles, tanto no sucesso quanto harmonicamente: os intrincados arranjos vocais e “quebras” melódicas por acordes menores que os americanos construíam nas canções foram, como Paul McCartney afirmou repetidas vezes, um tremendo impulso criativo para o quarteto britânico.

Pet Sounds¹, lançado pelos Beach Boys em 1966, é completamente diferente de tudo que Wilson havia produzido, ao mesmo tempo em que, estranhamente, acenava com uma nostalgia pelo passado perdido. A segunda metade da década, a propósito, começou delineada por esse retorno impossível. Antes de lançarem “Sargeant Peppers”, os Beatles pretendiam compor um álbum conceitual sobre a infância, o que fica claro no single que o precedeu, “Penny Lane/Strawberry Fields”. Brian Wilson, que havia cancelado suas turnês com a banda para se dedicar exclusivamente a criar e produzir discos, tinha os mesmos planos, igualmente descartados. Ainda assim, é possível ouvir essa ideia em Pet Sounds, como a buzina de bicicleta no arranjo de “That’s Not Me” – incidentalmente, Caetano Veloso, em seu primeiro disco pós-exílio, “Araçá Azul”, explora tema semelhante e dá nome aos bois: “Sugar Cane Fields Forever” é uma canção experimental na qual ele discorre sobre brinquedos e lugares de sua terra natal.

A partir desse impasse inicial entre infância e vida adulta, Pet Sounds decola e lírica-musicalmente discorre sobre o verdadeiro problema de seu mentor, que era se equilibrar entre nostalgia e inovação. De modo ostensivo, o disco é um cabo de força entre as tendências musicalmente progressistas de Wilson e seu conservadorismo extremo sobre a ideia de pureza. E vice-versa, claro. Pet Sounds abre com acordeões, decididamente instrumentos não associados com a juventude, para imediatamente deflagrar um assalto sônico de múltiplas camadas. “Wouldn´t It Be Nice” não está longe, em termos de urgência e de surpresa, do Bob Dylan de “Like A Rolling Stone”: uma introdução seguida por uma batida de caixa de bateria e o início de uma nova maneira de perceber a canção popular. Há aqui uma inversão, no entanto, já que Dylan revolucionou a forma de escrever sobre uma base de pouco mais que três acordes, enquanto Wilson se imaginava o pré-adolescente que mentalmente era sobre uma melodia que se assemelhava a uma catedral.

O disco, por ser tão barroco em sua estrutura, é incrivelmente “visual”, não se pode deixar de notar. Em fones de ouvido, aproxima-se bastante de um filme. E as letras de Tony Asher, chamado por Wilson para organizar suas ideias de um relacionamento, formam um crescendo único com a evolução sonora de Pet Sounds. A euforia da música de abertura tem seu final em “Caroline, No”, talvez a música que mais simbolize o disco, uma melodia trêmula e camerística com uma letra sobre o ideal perdido de beleza segundo Wilson: cabelos longos, alegria constante, eterna juventude. Entre essas duas faixas, o “cinema” wilsoniano se abre ao ouvinte, desde a linha de baixo que emula as batidas de coração do personagem de “Don’t Talk (Put Your Head on My Shoulder)” ao passeio em tapete voador que é a instrumental “Let’s Go Away for a While”, bem como os diversos caminhos melódicos de “Here Today”, na qual o eu-lírico descobre a impermanência do amor.

Há um começo, meio e fim em Pet Sounds, que intuíu o final da experimentação de estúdio dos anos 60, totalmente canibalizada na década seguinte pela fase 2 da indústria cultural juvenil, a qual excluiu a ideia de inovação de sua pauta e passou a priorizar números de vendas. Esse meio, entretanto, é onde as possibilidades, no amor ou nas artes, se revelam mais forte, por estar alimentado de ambas as correntes do passado e do futuro. Essa espécie de “entre-lugar” motivou os cinemas-novos contemporâneos de Brian Wilson, assim como a pop art e os diversos estilhaços de criações literárias espalhados pelo mundo. Pet Sounds completa 50 anos este mês, mas não existe tempo de verdade para o modo de ouvi-lo. Existem apenas 36 minutos circulares de toda uma vida.

(Itamar Alves)

Itamar Alves é jornalista


1 - Spotfy Beach Boys: https://play.spotify.com/album/6GphKx2QAPRoVGWE9D7ou8


19 de Maio de 2016

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