Rock’n’roll Circus é exumado
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Rock’n’roll Circus é exumado
(Mário Pacheco)
Por um breve momento pareceu que o rock’n’roll herdaria a Terra.
Na madrugada de 11 de dezembro de 1968, depois de catorze horas de gravação num estúdio da TV Intertel, construído numa fábrica ao norte de Londres, The Rolling Stones, The Who, Jethro Tull, Taj Mahal, The Dirty Mac, Yoko Ono, Marianne Faithfull e convidados se reuniam, sob a supervisão do diretor Michael Lindsay-Hogg para filmar o que veio a ser o documentário The Rolling Stones Rock’n’Roll Circus. Lindsay-Hogg também é responsável por direções teatrais e musicais como Let it be, produções hollywoodianas como Objeto do Desejo e famosos videoclipes, Jupin’ Jack Flash dos Stones, The Who, Elton John e Bryan Ferry. “Na tarde do dia 11, depois de mais de 24 horas de pura energia e emoção, nos despedimos para o Natal. Só estou vendo o filme pronto agora, 28 anos mais tarde”.
A 10 de outubro de 1996, os originais do documentário tiveram première mundial no Festival de Cinema de Nova York. Onze dias depois o documentário foi exibido em Londres, no rastro dos relançamentos, das box-sets e inevitavelmente na cola do sucesso de "Anthology" dos Beatles.
As trinta e oito latas de filme estavam perdidas desde 1971, quando os Rolling Stones, se mudaram de Londres para Paris, para fugir do Imposto de Renda. No pequeno escritório inglês da banda não houve espaço para acomodar as latas do filme. “Tudo foi parar na garagem do tecladista e manager dos Stones, Ian Stewart, e só foi descoberto depois da morte dele, em 1985”, conta o diretor.
Mas qual seria o motivo de tanta enrolação para tirar o filme da cartola? “Ciúmes”, revela o cineasta. “Os Stones, cansadíssimos, não ficaram satisfeitos com o segmento deles no filme, rodado exatamente às 5 da manhã, explica. “Acharam que o desempenho do The Who, primeiro grupo a ser filmado, tinha ficado muito melhor”.
O filme é recheado de bons momentos com uma colagem perfeita que mantêm o pique durante os 65 minutos da fita entre números musicais e circenses além de diálogos absurdos e performances antológicas.
O Jethro Tull que entrou na vaga reservada para o Led Zeppelin, é acompanhado pelo guitarrista, Toni Iommi do Black Sabbath, uma vez que o guitarrista oficial da banda, Mick Abrahms depois de tomar muitos ácidos, não conseguia pegar na guitarra. Eles apresentam um blues urbano com um entendimento perfeito e um trabalho discreto e eficiente de Tony Iommi, que toca slide. Pelo lado do Who eles apresentaram a mini-opera, Keith Moon, faz o maluco da corte e rouba as cenas com sandices. Taj Mahal se faz acompanhar pelo finissímo guitarrista, com certeza um branco de alma negra. Marianne Faithfull faz da lona um set de cinema e encanta. O beatle John Lennon desfila a sua perpétua e fina ironia que parece desconcertar os velhos lábios de borracha de Mick Jagger, que dá uma de bom samaritano para cima do beatle gozador.
Nos 65 minutos do documentário, cujo processo de recuperação deixou os segmentos do Traffic e Dr. John de fora, há curiosidades. Durante a apresentação do Dirty Mac, ou seja, Lennon, Richards, Eric Clapton e Mitch Mitchell especialmente formado para essa ocasião, John da uma olhadela das boas em Keith Richards que falha no acompanhamento a Yer blues, Richards atrasa no tempo do contrabaixo, quase dando fim a jam. O mesmo Dirty Mac também secunda uma Yoko Ono emitindo seus gritos numa jam de guitarras, gritos e o violino de Ivry Gitlis.
Na sequência final do documentário, os Stones nos bradam com a revolta inquietante de Jumpin’ Jack Flash, e evoluem para números mais mornos como Parachute Woman, No Expectations, You Can’t Always Get You Want e Sympathy For The Devil. A dualidade acontece enquanto Mick Jagger usa de magnetismo sexual, ritmos, místicas e até striptease satânico, a banda não decola, sem pique faz uma aparição opaca, Keith Richards não brilha na guitarra solo, Brian Jones mais lunático do que Keith Moon se alterna nos instrumentos (não há como esquecer a frase de Lou Reed, “talvez por isso Brian tenha se dedicado a tantos instrumentos exóticos”...) e Bill Wyman e Charlie Watts estão lá segurando o ritmo apesar das pestanas caídas.
“Jagger e Richards pediram para regravar o segmento”, revela. “Com a saída de Jones, eles queriam refilmar com o novo membro da banda, o guitarrista Mick Taylor”, prossegue. “Mas não houve acerto e, logo em seguida, Jones morria, deixando os Stones desestabilizados”.
O mérito dos Rolling Stones, dos 400 figurantes e todos os envolvidos é gigantesco, antes tarde do que nunca.
Vinte e oito anos depois, Michael Lindsay-Hogg, concedeu ao Estado de São Paulo num café do Lincoln Center em Nova York, esta entrevista exclusiva:
— Qual foi a principal dificuldade para rodar o documentário?
— O tamanho do espaço, que era ocupado, na maior parte, por um público de mais de 400 pessoas. Era difícil mover as nossas cinco câmeras no meio de tantas pessoas, algumas empolgadas demais, que se jogavam na frente dos técnicos. Mas, sem a participação da platéia, não teria sido um documentário tão bem-sucedido.
— De onde saiu a platéia?
— Basicamente era composta por amigos dos músicos e muita gente veio já selecionada pelo escritório dos Stones.
— Havia algum projeto inicial sobre que músicos participariam?
— Não. As participações foram espontâneas. Os únicos, é claro, que estavam no projeto original eram os Stones. O que aconteceu é que um liga para o outro e este liga para mais um, e, menos de um mês, tínhamos todos esses músicos maravilhosos comprometidos com o projeto.
— Por que escolheu Lennon para apresentar o segmento dos Stones?
— Na época eu estava filmando "Let it Be". Então, fiz a proposta a Lennon, que adorou.
— Quando foi decidido que o documentário seria restaurado?
— Em 1989, quando encontram boa parte dos negativos. Os Stones já não tinham objeção ao projeto. Então começou um trabalho de Sherlock Holmes para achar o que faltava.
— Qual foi a reação dos músicos participantes à notícia da revitalização do documentário?
— Os Stones concordaram, como disse. Mitch Mitchell queria saber se não estava muito jovem porque não queria parecer muito velho hoje (Risos). Ian Anderson, do Jethro Tull, vibrou porque, segundo ele, esse documentário era uma parte de sua vida que estava perdida. Yoko viu o filme e disse: “Meu Deus, me tirem disso daí já”. Pete Townshend, do The Who, curtiu muito. Marianne Faitfull também viu. Basicamente não houve impedimento da parte de ninguém.
— Qual foi sua sensação ao ver o filme pronto?
— Foi como lembrar da melhor festa em que estive em toda a minha vida. aquelas pessoas estavam presenciando uma das mais emocionantes reuniões da história do rock.
— Qual é o futuro do documentário?
— Depois das sete apresentações no Festival de Nova York, vamos lançar o filme em alguns cinemas americanos, um CD remasterizado, um vídeo e um videolaser.