BEATLES, I LOVE YOU, IÊ, IÊ, IÊ (BIG BOY, 1975)
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Beatles, I love You, Iê, Iê, Iê
(Newton Duarte*)
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Na verdade, o único e grande sonho que acabou foi a tentativa de montar um império econômico, a partir da fama do conjunto. Esse esquema, que consolidou o prestígio dos Beatles, acabou sendo responsável pela sua dissolução. A Apple Records Ltd., fundada em fevereiro de 1968, tinha o objetivo de capitalizar tudo o que envolvesse o nome Beatles, em todo o mundo. Tanto assim, que coordenava várias empresas menores: Apple Electronics, Apple Films, Apple Music Publishing. Esta, por sua vez, se subdividiu em Apple Wholesale (distribuição mundial), Apple Retail, Apple Television e Apple Records.
Se é que certas coincidências, combinadas, ajudam a criar qualquer versão sobre a história do conjunto (Chegaram a inventar que Paul estava morto), um fato a mais: quando a Apple surgia, os Beatles se envolviam com o guru Maharishi.
Uma das primeiras providências foi bolar o símbolo da companhia. Paul, o mais interessado no andamento das coisas, acompanhou os trabalhos, que se desenvolveram durante seis meses, começando em Londres e finalizando em Nova York. Foi ele próprio quem recomendou a Neil Evans, assessor principal da Apple, fotografar uma legítima granny Smith verde, sobre um fundo preto.
Nos discos, a maçã contou com uma bossa: no lado A, ela aparecia por inteiro, com a menção this side; no lado B, a maçã estava cortada, trazendo a expressão other side e os créditos da gravação. Dúzias de maçãs e diversas tonalidades de fundo foram experimentadas, até se chegar à granny Smith verde, a maçã definitiva. Enquanto isso, a imprensa inglesa ridicularizava as curtições dos Beatles na Índia.
Em meados de maio de 1968, Lennon & McCartney, inseparáveis àquela altura, desembarcaram em Nova York, à frente de um grupo de assessores. Missão: explicar os objetivos da Apple, ‘vendendo-a’ da maneira mais direta para o público americano. Com a tevê presente, transmitindo o acontecimento para 11 milhões de telespectadores, Paul deu o recado: — O conjunto, agora, está preparado para usar sua influência, no sentido de ajudar aos jovens de todo o mundo. Formarmos uma organização para financiar projetos cinematográficos, literários, científicos e musicais, para jovens que nos procurem.
Apesar da ousadia do empreendimento, Paul & John manifestaram seu otimismo. Nessa mesma noite, entrevistados no famosíssimo Johnny Carson Show, eles lançavam a Apple de costa a costa.
Fazendo o mestre de cerimônias, John apresentava o pessoal de primeira linha da Apple: Peter Asher (respondia pelo repertório musical; descobridor de James Taylor; irmão de Jane, o grande amor de Paul); Neil Aspinall (nascido em Liverpool, empresário geral); Derek Taylor (também de Liverpool, agente de imprensa); Mal Evans (de Liverpool, contato); John Alexis Mardas (grego, responsável pela parte eletrônica da empresa); Ron(ald) Kass (americano, contato internacional); Dennis O’Dell (diretor da Apple Film); Brian Lewis (inglês, consultor jurídico); Peter Brown (de Liverpool, ex-assistente de Brian Epstein, relações diplomáticas); Alistair Taylor (33 anos, de Liverpool, gerente-geral); Tony Bramwell (coordenador de discos single); Jeremy Banks (coordenador de fotos).
A primeira aventura da Apple foi o filme Magical Mistery Tour, escrito, produzido e editado pela BBC de Londres. Apresentado na tevê em janeiro de 1968, antes mesmo da inauguração da Apple, trazia a marca da genialidade que surpreende, choca, comove e inova. A trilha sonora (exemplos: Fool on the Hill, Blue Jay Way, I’m the Walrus), foi parcialmente lançada no Brasil, permanecendo inédito o LP.
Entrevistado na ocasião, John mostrou-se pouco interessado em discutir sobre sua própria genialidade: — Quando eu tinha uns 12 anos, eu costumava pensar que eu devia ser um gênio, e que ninguém notava isso. Na verdade, se existe essa coisa chamada gênio, eu certamente sou um. Mas, se não existe gênio, estou pouco ligando...
A Apple Boutique, na rua Baker, 94, pretendia ser um ponto de lançamento de moda. Em sete meses, a loja virou um amontoado de roupas de mau gosto. John, de cuca aparentemente fundida, convidou a moçada a invadir a butique. Em julho de 1968, com distribuição livre do estoque, a loja acabou. Como num sonho.
Como num sonho surrealista, a Apple Records vivia, em julho de 1968, um incrível tumulto. Perdidos num emaranhado de tapes, seus produtores tentavam por ordem nacasa, pois milhares de talentos do mundo inteiro lutavam por uma gravação. Já que não era possível selecionar, eles resolveram incrementar cantores de sucesso mais ou menos seguro. Como James Taylor, que, depois de compor algumas canções para Tom Rush, gravou seu próprio disco. Entre outras músicas, estava "Carolina on my mind", transformada mais tarde num compacto simples de muito sucesso. O produtor do LP foi Peter Asher.
Mary Hopkin, cantora de estilo semelhante ao de Joan Baez, também entrou nesse grupo de privilegiados. Seu pai, por carta, transara um contrato com a Apple, conseguindo que o próprio Paul produzisse o primeiro disco da filha. Não foi por outra razão que ele compôs, rapidamente, a canção Those were the days.
Keith Moon, Manfred Mann e Denny Cordell manifestaram o desejo de trabalhar com o pessoal da Apple, mas nada aconteceu. Enquanto isso, John e George ouviam – num de seus raros momento de lazer – o conjunto Iveys, um grupo inédito. Gostaram, e o contrato foi assinado imediatamente.
A estreia da Apple foi sensacional, no mercado de discos. Duas gravações – Hey Jude e Those were the days – venderam 13 milhões de cópias. Mas, em meio ao frenético ritmo de gravações, audições, ensaios e mixagens, os primeiros sinais de divergência surgiam. Harrison embarcava para Los Angeles, a fim de produzir o primeiro disco de Jackie Lomax, que não estorou. McCartney mandava construir um jardim no teto da casa 3 de Saville Row, sede da empresa. Starr gravava um comercial para tevê, promovendo o novo disco (álbum duplo, capa branca). E Lennon?
“Não quero que isso saia na rua! Nem eu, nem Paul, nem ninguém!” A exasperada observação foi feita por Neill Aspinall, sacudindo uma foto tamanho 12 x 15cm em que John e Yoko apareciam inteiramente nus.
A foto serviria para ilustrar a capa do primeiro disco de John & Yoko Ono. O casal, tempos atrás, tinha feito sua primeira aparição pública. Dias depois eram presos.
No dia 17 de julho, em Picadilly Circus (London Pavillion), os quatro Beatles e suas respectivas mulheres compareciam À première de “Yellow Submarine”, que não fez sucesso na Inglaterra, mas foi um êxito nos Estados Unidos.
Por todo o segundo semestre de 1968, o drama teve, como atores principais, John & Yoko. Tentando lançar o disco “Two Virgins”, provocaram uma polêmica terrível. A EMI recusou-se a distribuí-lo. A revista Disc disse que não iria publicar nada (nem anúncios), em consideração aos seus leitores adolescentes. Em outubro, às vésperas de mais uma entrevista coletiva, o casal era novamente preso. Em novembro, Yoko perdia seu bebê, e John reconhecia a paternidade da criança.
Yoko foi o grande enigma da história. Até hoje, John guarda ressentimentos: “Não posso perdoar Paul e George, pela maneira com que trataram Yoko no início. Mas também não posso deixar de amá-los”. E George, três anos atrás, dizia: “A melhor coisa do mundo, John, é abrir os jornais e não encontrar você neles” .
Paul era mais franco: “Não se pode culpar John. Fiquei chateado com ele, fiquei com ciúmes da Yoko. Realmente, levei um ano para me convencer de que eles estavam apaixonados”.
Gênios, loucos, ingênuos e desprendidos. Os Beatles eram tudo isso. Mas nunca conseguiram controlar seus orçamentos. A Apple, muito antes do fim de 68, era um verdadeiro acampamento de desocupados, artistas frustrados, gente maluca, bicões de toda a espécie. Em dezembro, por exemplo, George enviava um telex dos Estado Unidos, pedindo cobertura para doze motoqueiros do bando Hell’s Angels, que estavam a caminho da Tchecoslováquia. Gente de gravadoras, tevê e revistas freqüentava o The Speakeasy, lugar da moda, mandando a conta para a Apple. No meio da sua piração, John bancou o lúcido:
— Se deixarmos a Apple continuar como está gora, em seis meses estarmeos inteiramente falidos.
Paul, o que tinha a cabeça no lugar (em matéria de grana), resolveu agir. Mandou cartas para todos os contratados e funcionários, convidando-os para um diálogo aberto. Mas, antes que o diálogo fosse travado, os Beatles estariam irremediavelmente separados.
De qualquer maneira, havia chances. Em 3 de fevereiro de 1969, Allen Klein, em Nova York, era contratado para administrar os negócios da empresa. Verdade seja dita: ele não teve muito apoio na sua tarefa, inclusive porque as vidas dos quatro rapazes estavam se definindo.
Em 12 de março de 1969, Paul se casava com Linda, no Marylebone Register Office. Nesse mesmo dia, a polícia prendia George e Patti, na sua casa de campo de 40 000 libras, por pose ilegal de drogas. Em Gibraltar, John & Yoko viviam sua lua-de-mel, gastando 8 000 libras. Ringo filmava, ele que era o mais bem comportado de todos.
Allen fez uma limpeza geral na empresa e implantando disciplina rigorosa de gastos. John rememora esses tempos: — A Apple vivia cheia de marginais e parasitas, que iam e vinham quando desejavam, cheios de grana e hospitalidade gratuita. Descobrimos que dois carros tinham desaparecido, e que tínhamos uma casa que nenhum de nós se lembrava de ter comprado. O Allen, nessa época, passou a nos mandar listas de nossas despesas pessoais, cópias de contas, avisos bancários e extratos de investimentos. Isso durou pouco tempo, porque Paul logo entrou em divergência com Allen. Sabe, eu e Paul tentamos administrar a Apple, mas não entendíamos nada. Sabíamos que os royalties estavam entrando. Mas nenhum de nós fazia idéia do estado das finanças e dos gastos...
Yoko e Linda, uma de cada lado, auxiliaram a definir os caminhos. Houve, inclusive, uma séria discussão entre os dois nos Estados Unidos, em 1968. John, nervoso, acusou Paul de recusar sistematicamente as canções de George, por se achar muito melhor compositor. Essas canções, aliás, fazem parte do álbum “All things must pass” (George Harrison), que foi a grande prova de que é excelente compositor.
Na Apple, apesar do saneamento, algumas figuras estranhas insistiam em aparecer. Um dia, uma cantora chamada Nicolle irrompeu pelos corredores, berrando que era a nova Janis Joplin. Exigia uma audição.
George saiu de uma sala e, também aos gritos, pediu que ela se acalmasse. Alguém ofereceu uma garrafa de uísque à moça, que bebeu no gargalo em questão de minutos.
Eram episódios que chegavam a ser engraçados. Coisa bem diferente era o comportamento de John. Em 22 de abril de 1969, ele trocou seu nome para John Ono Lennon, na presença do Comissário de Oaths. Para comemorar, ele compusera The Ballad of John and Yoko, além de um sofisticado álbum contendo o disco “The Wedding Album”, libreto, posters e cartões sobre o casamento e suas idéias a respeito da paz.
Em outra atitude chocante, John e Yoko surgiram na tevê, vestindo roupas militares e criticando o governo inglês. Na mesma época, através de um radioamador, ele tentava um contato radiofônico como presidente Nixon.
Em agosto de 1969, o elenco da Apple era este: Mary Hopkin, James Taylor, Jackie Lomax, Trash, Doris Troy, Billy Preston, Radha Krishna Temple, Plastic Ono Band, Modern Jazz Quartet e The Iveys (em seguida, mudaram seu nome para Badfinger). Nesse ano, a Apple lançou catorze compactos (45 rpm) e nove LPs. Paul preparava repertório para seu primeiro álbum como solista, enquanto John se dedicava mais e mais à sua campanha em favor da paz. Rodando meio mundo à custa da Apple, o casal terminou sua viagem na cama do hotel Queen Elizabeth, em Toronto, Canadá. Foi o célebre “protesto na cama”, quando eles deram mais de sessenta entrevistas debaixo dos lençóis, no espaço de dez dias. Nesse período, eles gravaram Give peace a chance, creditado a Plastic Ono Band. Em outras palavras: John era mais Plastic Ono do que Beatle. E Paul, que andava meio sumido, deu margem a mais fantástica história da época. Russ Gibbs, disc-jóquei de Colorado, Estados Unidos, inventou que Paul estava morto. E os discos do conjunto voltaram novamente às paradas de sucesso. Até que houvesse o desmentido, muita gente faturou, principalmente o disc-jóquei.
Antes do fim de 69, as relações de Allen Klein com Paul McCartney – representado pela empresa Eastman & Eastman – andavam a beira do rompimento. Botando lenha na fogueira, Yoko ia pessoalmente a Apple pedir verbas para pequenas despesas. Entrevistada, disse que não havia motivos para John largasse a Apple: “Ele, como os outros, é uma quarta parte da empresa. O que John quer é apenas alguma liberdade...”. A tacada final de 1969 foi incrível: John devolve sua medalha do Império Britânico, em protesto contra o envolvimento da Inglaterra nas guerras do Vietnã e Nigéria. Ringo, o comportado, fazia filmes para a tevê.
E pintou 1970, o ano em que o sonho acabou. Novos discos foram lançados, com sucesso. Dizem, até, que um pouco de manha e de bom senso levariam a Apple a caminhos extremamente lucrativos. Arte e dinheiro, porém, nunca se deram bem, e talvez por isso nem seja lógico imaginar como seria a história, fossem outras as circunstâncias. John, repentinamente, abandona o departamento de imprensa da Apple, entregando sua promoção a outra empresa, queixando-se de estar muito abandonado. Paul, em entrevista coletiva, confessava: — Tenho diferenças pessoais com os outros. Diferenças nos negócios, diferenças musicais. Mas, acima de tudo, estou separado porque quero ter um tempo maior com minha família. Se é temporária ou permanentemente, não sei.
Em maio, estreava o filme Let it be, e nenhum Beatle compareceu. Nada mais havia a fazer na Apple. Os contratados (Hopkin, Lomax) tinham desaparecido, vinculando-se a outras gravadoras menos piradas ou problemáticas. Paul estava sumido desde fins de 1969. John & Yoko tinham se fixado nos Estados unidos. Ringo andava por Nashville, a terra do country music americano. E George trabalhava num álbum-solo. Enquanto tudo isso acontecia, os estúdios da Apple, na Inglaterra, permaneciam em total silêncio.
No dia 4 de agosto de 1970, a Apple fechava as portas. O porteiro, último funcionário que restara, pedira a demissão.
*Artigo retirado da revista Pop, possivelmente da edição de outubro de 1975.
Big Boy (literalmente um dos maiores beatlemaníacos, já falecidos do Brasil. Grande comunicólogo da Rádio Mundial, o Chacrinha da FM)
Newton Duarte era seu nome civil. Gordo e risonho de rosto infantil com toca de gorro. Suarento. Interminavelmente ocupado procurava o novo disco e o rock promissor para programar e animar seus bailes da pesada. Ainda encontrava tempo para sua coluna musical na revista “Amiga”. Morreu de ataque cardíaco em decorrência de sua estafa produtiva.
Viagens à Europa/América. Em Londres, depois de quatro dias na neve, na frente da EMI, conseguiu-se se encontrar com Paul McCartney, e a partir desse encontro, figurar na lista mundial de disc-jóqueis que recebiam as novidades dos Beatles dias antes do lançamento oficial. Ganhou prestígio e estourou em audiência.
No final dos anos 60, Big Boy, e Celso Teixeira, divulgador da Odeon/EMI, e o Disc-jóquei de Colorado, Estados Unidos, americano Russ Gibbs, o inventor da suposta morte de Paul McCartney, fizeram um programa na TV Excelsior Canal 9, em São Paulo, que começou no horário nobre e varou a madrugada. Nesse programa houve uma pré-estréia mundial de um clipe de Paul McCartney cantando Blackbird, extraído dos arquivos particulares do radialista.
No dia da morte de Jimi Hendrix, Big Boy chorou no ar, no horário do seu programa, enquanto prestava homenagens ao guitarrista.