1986: 32 anos sem Keith Relf! Dos Yardbirds ao Armageddon

Keith Relf
(Cláudia Barata)


Five Live Yardbirds

21st January 1965: British rhythm 'n' blues legends The Yardbirds, (from left) Chris Dreja, Paul Samwell-Smith, Jim McCarty, Keith Relf and Eric Clapton, playing at Woolwich. Clapton left the band shortly after in protest at a change of direction, which saw the Yardbirds experiment with diverse elements such as feedback and Gregorian chants as their music embraced pop, pyschedelia and proto-heavy metal.
(Photo by Pace/Getty Images - by Pace reference: 3141231)

 

 

Introdução
Em 1977, um ano após a morte de Keith Relf, Chris Welch, que além de crítico musical e repórter ainda havia convivido com os membros dos Yardbirds e tinha estado inclusive na famosa sessão de gravação de For your love, escreveu sobre Keith Relf: A trágica seqüência na saga dos Yardbirds veio quando Keith Relf, o cantor do grupo, faleceu, em maio de 1976, aos 33 anos, dez após os dias de glória no Marquee, em meio à explosão do blues na Inglaterra. Pobre Keith, que combatia a doença e os efeitos de um colapso no pulmão, e tudo pela música que tanto amava, foi finalmente morto por esse amor quando foi eletrocutado por sua guitarra enquanto a tocava em sua casa em Hounslow, Middlesex. E acrescentaria mais adiante: Durante os blues, era difícil de acreditar que se tratava de um jovem inglês branco e não um gigante negro de Chicago.

Em 1986, completaram-se dez anos de sua trágica morte, e no entanto, à despeito da importância dos Yardbirds e conseqüentemente da de Keith Relf como um dos membros fundadores, nada foi publicado à seu respeito, nem no Brasil (o que é mais aceitável), nem lá fora, e esse fato é algo inexplicável. Mesmo com sua enorme dificuldade em integrar-se ao show bussiness devido aos problemas de saúde, é inegável a sua contribuição nos Yardbirds, como explica Jim McCarty: Keith tinha muitos problemas Ele não possuía uma voz tão poderosa quanto à de Robert Plant. Vivia doente e só tinha um pulmão. Tinha problemas na garganta e ainda por cima tocava harmônica e cantava o blues. E com os Yardbirds ele foi o pioneiro na improvisação do heavy-rock, antes do Cream e do Led Zeppelin ou dos grupos da costa-oeste americana.

Assim, tentado preencher o vazio desse esquecimento, nos propomos a contar a trajetória de Keith Relf, numa homenagem merecida a ele, que viveu calcado na música e no blues.

I

Nós tivemos sorte, realmente. Fomos um dos primeiros a tocar o blues no circuito - dessa forma Jim McCarty tenta explicar o sucesso e o reconhecimento alcançados pela banda quando os mais interessados admiradores do Led Zeppelin, Eric Clapton, Renaissance e Jeff Beck descobriram que tais elementos, tão diferentes, tiveram origem no mesmo grupo, e que esse grupo produzira canções significativas e muito além da sua época, deixando uma herança que poucos grupos da década de sessenta conseguiram deixar. O que todo mundo sabe é que, na verdade, não foi a sorte de terem sidos os primeiros a tocarem no circuito de clubes que os fez tão importantes, nem o fato de três dos melhores guitarristas de todos os tempos terem passado por lá. Porque, se Jeff Beck tivesse sido o causador da importância dos Yarbirds, os The Tridents também teria entrado para a história - afinal de contas, foi deste grupo que ele surgiu. Assim, se os Yardbirds marcaram a música, isso se deve a todos os membros do grupo, e não a este ou aquele em partiuclar. Nenhuma banda sobrevive apoiada em um elemento apenas - é necessário uma química especial, uma combinação peculiar entre seus membros. Os Yardbirds nasceram de um encontro entre Paul Samwell-Smith e Keith Relf num pub em Kingston chamado Crow. Paul costumava tocar em companhia de um amigo de escola, Jim McCarty, e o resto é história. No entanto, foi após terem gravado com Sonny Boy Williamson que as referências a Keith Relf começaram realmente a aparecer, principalmente graças aos seus vocais pouco claros e ásperos, perfeitos para o blues.

Keith Relf nasceu em 22 de março de 1943 em Richmond, Surrey. Seus problemas de saúde eram uma constante: além de forte miopia, quase morria de um ataque de asma pouco antes de completar quatro anos. Na época de freqüentar a escola, foi obrigado a freqüentar uma ao ar livre em Gainsborough durante quatro meses, e mais tarde ainda, viu-se internado às pressas com graves problemas no pulmão. Quando conhece Paul Samwell-Smith e logo depois o baterista Jim McCarty, o trio passa a tocar junto, e as coisas começam a acontecer: passam a apresentar-se num pub chamado Norbiton, e Keith Relf está tão entusiasmado que atua durante algum tempo como empresário do grupo - ou seja, é ele que percorre Londres inteira atrás de lugares onde o então Metropolis Blues Quartet pudesse se apresentar. Então, eles passam a tocar num clube chamado Studio 51, que possuía alguma fama (isso deduzido devido ao especial interesse que Keith tinha em que seu grupo se apresentasse lá). Mas quando a fama da banda começa a crescer com as apresentações no Marquee, um pub que dispensa maiores comentários e que fica na rua Wardour, Keith Relf pede a seu pai Bill que atue como empresário, e ele assim o faz, desempenhando a função durante algum tempo, e ainda trabalhando como motorista, pois é no seu furgão que o grupo viaja e guarda os instrumentos e a aparelhagem. Keith Relf ainda consegue convencer sua irmã Jane Relf a cuidar do fã-clube da banda, mais tarde tudo isso somado à uma força de vontade irredutível e um profundo amor pelo blues, contribuiria de forma decisiva para a estabilização dos Yardbirds no cenário musical da época. A reação da platéia é extremamente favorável, até mesmo quando as mudanças no som se fizeram sentir, na chamada fase psicodélica do grupo. Keith Relf, assim como os outros dois membros fundadores, Paul Samwell-Smith e Jim McCarty, estavam muito interessados em ampliar seus horizontes musicais e passaram a interessar-se por música indiana e oriental de uma forma geral, tentando através dela chegar à uma nova expressão. Por essa época, declarou: O termo música psicodélica é nada mais que uma reprodução mecânica das drogas sem o uso delas. Nós não estamos interessados em soar sempre do mesmo modo, e ultimamente temos experimentado novas sonoridades, como em Hot House of Omagarashid.

Os Yardbirds foram sem dúvidas o elemento principal na carreira de Keith Relf, mas não o único. Ele lançou um compacto e um disco-solo (Mr. Zero). No compacto, lançado em 1966, a música do lado A era Shapes in my mind, um número interessante que introduzia um elemento até então inédito nos Yardbirds - o órgão. Infelizmente, não possuímos os nomes dos músicos que participaram, mas o importe é dizer que Shapes in my mind, apesar de não ter feito sucesso nenhum, não é uma música que devamos desprezar. Shapes in my mind possui um refrão interessantíssimo, insistente mas surpeendente quando há uma queda para um tom mais grave. E, vale ressaltar, assim como o compacto, seu Lp-solo foi um fracasso, daí ser um item importante impossível de ser encontrado, e também não há nenhuma esperança de um lançamento nacional, graças a este questionável estigma de fracasso de vendas que o disco traz.

Nos seus últimos dias como um Yardbirds, Keith e Jim McCarty sentiam que a época do grupo já havia passado (embora a gente não saiba direito o que isso significa) e começaram a fazer projetos paralelos um novo duo batizado de Together que gravou um solitário compacto produzido por Paul Samwell-Smith e lançado apenas na Inglaterra, trazendo as faixas Henry's coming home e Love mum and dad. Antes de gravarem para a EMI, como Together, Keith Relf e Jim McCarty gravaram uma demo acústica intitulada Shining where the sun has been. Mais tarde, Jimmy Page diria: eles pareciam ter vergonha do nome da banda. Não se sabe que o que se passava na cabeça de Keith Relf àquela época era esse sentimento - o que aconteceu foi que ele passou a se embebedar antes dos shows a pouco ligar para o microfone, isto é, parecia não mais disposto a ser o cantor da banda. Isso pode ter uma explicação no fato que ele estava sempre em busca de novas mudanças, e àquela época compunha com Jim McCarty canções bem diferentes daquelas que o grupo costumava gravar, No entanto, é melhor tomar emprestado suas palavras quando o grupo dissolveu-se oficialmente: Na minha opinião, a banda perdeu-se após a saída de Eric Clapton. Afundamo-nos tentando seguir o mesmo caminho sem pensarmos nas diversas personalidades que compunham o grupo e não acertamos. Transformamo-nos numa máquina de fazer dinheiro.

Desinteresse (como disse Jimmy Page uma vez), vontade de seguir novos rumos, ou simplesmente cansaço - ou uma junção dessas três hipóteses, o certo é que, após o fim dos Yardbirds, Keith Relf une-se a Jim McCarty e à sua irmã Jane Relf e lança o Renaissance, que com essa formação só dura um ano. Depois, Keith enveredou por uma curta carreira como produtor, e então desapareceu da cena musical, só reaparecendo em 1975 com o Armageddon, também de vida curta. Mas no ano seguinte, Keith Relf já fazia planos para uma nova banda, isso semanas antes de sua morte, e chamara o velho amigo Jim McCarty para fazer parte dela. E foi Jim que levou o projeto em frente, conservando o nome que Keith Relf havia escolhido: Illusion. Segundo Jim, quando os Yardbirds acabaram ainda havia uma série de datas a cumprir nos Estados Unidos, mas Keith Relf estava firmemente decidido a desvincular seu nome do grupo: Keith e eu resolvemos ter uma mulher nos vocais e um pianista, isso logo que o grupo acabou; nós ainda tínhamos um tour nos EUA, mas Keith decidiu que nós não tínhamos nada com aquilo. Então Jimmy tomou as rédeas do negócio com o New Yardbirds. Quanto a nós, formamos o Renaissance.

Um ano após a morte de Keith Relf, Jim McCarty declarou: Nós tínhamos algumas boas canções juntos e estávamos entrando em contato com algumas gravadoras para gravar um álbum. Eu fui em sua casa uma noite antes de sua morte para um drink. Keith costumava colocar os fones de ouvidos ligados no amplificador e tocar guitarra e esquecer do resto do mundo assim. Nunca me conformarei com o que lhe aconteceu...

O Illusion foi formado, iniciando carreira nos clubes ingleses, como havia ocorrido com os Yardbirds na outra década. Keith Relf certamente sorriu. Um sonho, um blues, uma ânsia de viver de acordo com o ritmo lento e arrastado, às vezes excitante e rápido, a vontade de um verdadeiro amante da música que viveu profundamente ligado à ela, e que deve ser reconhecido e lembrado. O que nós esperamos, Keith, é que esse reconhecimento não demore quinze anos para vir. Você que cantou a excitante Nova York de sua época, a noite, a tristeza, a melancolia, o exótico, você que cantou o blues com seu âmago, deixou para nós um legado que não pode perder-se no tempo. Cabe a nós mantê-lo vivo A nossa homenagem, na verdade, acontece cada vez que ouvimos os Yardbirds ou Renaissance, ou o Armageddon - porque ouví-lo, sentir sua emoção em cada palavra ou frase é o que certamente o deixa, onde quer que esteja cantando (não acreditamos que a morte seja capaz de encerrar um ciclo criativo), gratificado e feliz. Afinal de contas, ele sabe o quanto valeu a pena.

 

* Em 1986, apaixonadamente, a guitarrista carioca Cláudia Barata, registrou a passagem dos dez anos da morte do compositor/cantor/guitarrista e mestre do blues inglês, Keith Relf. Originalmente publicado no fanzine Rock'n'Roll News nº 16 terceira-edição especial dos Yardbirds and all stars, set.-out.-nov. / 1986

** Para uma minuciosa apreciação da vida e obra de Keit Relf, é necessário ler o livro Silver Tightrope, verdadeiro trabalho de amor do escritor Richard Mackay, absoluto expert em Yardbirds. Acompanha o livro, uma fita cassete com gravações inéditas de Keith Relf e passagens desde a infância, gravações dos Yardbirds, drogas, compactos, casamento, mitos e fatos. E um zoom nas bandas obscuras que entre 69 e 76, Keith Relf integrou ou produziu tais como: Together, Renaissance, Schizom (trilha-sonora de um filme homônimo), Medicine Head, Loui, Paul, Jane & Keith, Smokestack Crumble, Dark side of the moon, Hunter Muskett, Mandy Moore, Saturnalia, Steamhammer, Axis, Armageddon, Now & Ilussion. E muitas fotos raras. Keith Relf realmente trabalhava muito. Infelizmente! O livro que era somente vendido pela internet: sumiu!

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