Frank Zappa: O compositor contemporâneo recusa-se a morrer
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O compositor contemporâneo recusa-se a morrer!
(Mário Pacheco)
O programa vital de Timothy Leary (turn on, tune in, drop out) foi completado por Francis Vicent Zappa (Frank Zappa, 21 dez. 1940-93, Baltimore, Maryland) que intitulou o seu primeiro álbum de Freak Out! (“pirar”) .
Antes de Freak Out! nunca antes uma música autêntica, experimentalista, eletrônica e de vanguarda havia registrado vendas significativas e entrado no circuito pop.
Herbie Cohen, empresário dos Mothers of Invention, declarou-se satisfeito em 1967: “Vendemos 300.000 álbuns sem que as emissoras de rádio norte-americanas hajam tocado o disco um minuto só.
— É um fato consumado que antes do nosso álbum Freak Out! não apareceu nos Estados Unidos uma música autêntica experimental e vanguardista, a chamada música psicodélica. Fomos nós, o primeiro conjunto que incluiu efeitos eletrônicos na música pop.
— Passamos fome, fracassos, reveses de toda a ordem mais de um ano. Depois de gravarmos "Freak Out!" continuamos a passar fome, até que chegou o presente em que, por fim, podemos comer à vontade e ter algum dinheiro. Cada um de nós tem uma casa, automóvel, mulher ou amiga. A coisa andou. Revelou Frank Zappa, dois anos depois do álbum-duplo Freak Out!, o marco inicial do psicodelismo e de outras revoluções.
No dia das Mães de 1965, uma banda chamada The Soul Giants trocou de nome... O recém-batizado Mothers (of Invention, seria acrescentado depois, pela gravadora MGM) um ano depois, gravaria esse marco único na história do rock. Assim como os músicos do Blues Project, The Mothers ignoraram os compactos e lançaram mudanças completas na concepção técnica do discos. "Freak Out!" é o primeiro produzido como um único conceito, uma faixa contínua de música inter-relacionada. E uma idéia que renasceria em "Sgt. Pepper’s" um ano depois, e Paul McCartney admitiria mais tarde a influência do precursor das suites psicodélicas que acabaria por se esgotar nas óperas-rocks e álbuns conceituais do art-rock batido dos anos 70. Zappa não sabia se teria uma outra chance e jogou todas suas idéias no disco, saindo uma loucura de sons-colagens-palavras-e-ritmos misturados de uma maneira que ninguém além dele tinha ouvido. O custo médio de um disco em 1966 era de 5 mil dólares, e Freak Out! custou 21 mil com as faixas mixadas em 12 canais. Foi o primeiro álbum-duplo gravado por um grupo de rock. A capa também fazia parte do conceito, uma loucura de piadas, propaganda e comentários irônicos sobre a inviabilidade de comercialização do disco. “Saia da escola antes que sua mente apodreça de tanto contato com nosso sistema educacional medíocre... Se você tiver peito bastante passe a frequentar uma biblioteca e se auto-eduque”.
Foi um golpe na América. A década de 60 modificara a vida nas grandes cidades, mas foi Zappa que atingiu o interior. Adolescentes ouviam suas músicas e paravam de ir à aula, discutiam com os professores, fugiam de casa, desacreditavam dos pais. A expressão central do disco, freaks, se espalhou pelo país como uma praga de garotos anárquicos e satíricos. No Alabama e em outros estados um número considerável ouvia o disco escondido dos pais. Não era exatamente a Revolução, mas, a níveis individuais, as pessoas sacavam que algo estava acontecendo e os mister jones não sabiam o que era. Escândalo e revolta.
A técnica e a versatilidade do estilo dos Mothers surpreendem mesmo os sérios demais para sacarem seu humor. Song of Suzy Creamcheese tem os tempos 4/4, 8/8, 9/8, 4/8, 5/8 e 6/8, tudo em 1 minuto e 33 segundos. No princípio, Suzy Creamcheese era Jeanie Vasour, fazendo o papel de uma gatinha sexy e alienada em Freak Out! Depois o mito cresceu tanto que várias mulheres passaram a personificar Suzy, que ficou como uma musa dessa primeira fase dos Mothers.
A formação dos Mothers, na época, era Roy Estrada (baixo), Jimmy Carl Black (bateria), Frank Zappa (guitarra-solo, arranjador, compositor e o líder acima de qualquer suspeita), Ray Collins (vocal), Elliot Ingber (entrando com mais uma guitarra). Os Mothers of Invention entravam em cena no teatro do rock. Seriam eles as mães de todos aqueles que se revelassem.
No verão de 1967, saíram de Los Angeles e foram para o Greenwich Village, centro cultural de Nova York. Se na Califórnia predominava um cenário hippie com muita paz e amor, o cenário do Village também era hippie, mas bem político e ligado à revolução social. Em Nova York não havia muitas praias e nem fazia sol, a Babilônia era balbúrdia, o coração da máquina. Os Mothers foram parte da vanguarda estética do Village e estiveram muito ligados às transas do Teatro do Absurdo. Durante seis meses apresentaram-se todas as noites no Garrick Theather. A moda naquele verão era ver o show dos Mothers.
Zappa comandava o espetáculo com pequenos sinais combinados. Havia de tudo: girafas que espirravam creme de leite, imitações de políticos, piadas sobre manias sexuais: certa vez, exibiram um enorme balão que ia inflando e levantando à medida que aumentava a tensão da música, para explodir durante os acordes finais num orgasmo simbólico.
“No palco existe a possibilidade de acontecer tudo. Bonecos são mutilados. Uma máscara de gás é exibida. Um saco de legumes é aberto e examinado. Há intervalos espaçados de peidos e, de repente, os Mothers apresentam Dear Air (Ar morto). Param, sentam e ignoram a platéia. Os sapatos de Zappa são engraxados por Motorhead, o percussionista. Continuam assim, enquanto a platéia se sente incomodada, desconfortável e irritada. Zappa aproxima-se calmamente do microfone e diz: “Isso desenvolve sua agressividade, né?[1]”.
Nesse momento véspera de uma excursão pela Europa, o conjunto mais promissor do underground chama-se Mothers of Invention. O seu fundador e diretor, fonte de idéias e em parte, seu empresário, alcançou o seu primeiro êxito na Europa através de uma foto publicada na International Times: nela se via Zappa, com seu bigode e mosca, cabelo desgrenhado, sentado numa privada, calças descidas, olhando satiricamente para nós. Uns comerciantes espertos converteram aquela foto num pôster que se vendeu aos milhares por toda a Europa e escandalizou a América. A verdade é: só quem compreender este pôster pode compreender a arte psicodélica...
Frank Zappa nunca tomou parte em manifestações de rua, pois pratica uma forma de protesto completamente diferente. Zappa não produz música para a indústria do kitsh de Hollywood, mas é ele mesmo que dirige suas produções, dirigidas à gente jovem que, pelos vistos, não são compreendidos pelo críticos.
Quando Zappa chegou à Europa, muitos estranharam ver, no lugar de um cruel anti-burguês, um diretor de conjuntos inteligente e seguro de si, autor de composições que mereciam, na sua maior parte o qualificativo de “genial”.
Na música, o underground manifesta-se como uma fórmula de experiência e política, socialmente consciente. A música de um conjunto como The Fugs escandaliza qualquer burguês. As experiências de The Mothers of Invention já não podem ser consumidas através do tradicional easy listenning. O rock subversivo provoca no ouvinte uma tomada de consciência. Mas cuidado: não só a letra provoca essa tomada de consciência, como igualmente a música o faz.
Zappa é a figura central da nova música pop, se bem que, em comparação com Tuli Kupferberg e Ed Sanders dos Fugs, não represente necessariamente a atitude politicamente revolucionária destes músicos. Zappa apresenta os seus argumentos de forma diplomática, é mais tático. Isto provocou os ataques de músicos mais radicais durante a sua visita a Berlim em 1968. Durante uma das atuações de Zappa, alguém exibiu um dístico em que se lia “Mothers of Reaction”.
Sobre a ideologia política de Zappa, pinçamos extratos nessa entrevista realizada no verão de 1968 em casa de Zappa.
— Você disse a certa altura, que este país seria povoado muito em breve por um número majoritário de jovens. A sua meta, portanto, consiste na tomada do poder.
— Isso seria formidável. Mas, naturalmente, falta essa pessoa capaz de guiar as massas de jovens e que impeça os velhos de administrar os negócios do país. Porque eles desconhecem os jovens e os seus problemas e interessam-se pouco com isso. Isto não é só o caso dos Estados Unidos, mas o de qualquer país do mundo. A administração dos países tem estado demasiado tempo nas mãos dos velhos. Por outro lado, é um fato os jovens hoje em dia quererem ou deverem gerir qualquer função pública e não terem preparação para isso. Não posso imaginar nada mais grave que uns Estados Unidos com um presidente de 18 anos. Os jovens terão de tomar o poder, mas para isso terão igualmente de ter uma preparação prévia.
— Como? Através de uma revolução?
— Refere-se à técnica?
— Sim, com certeza.
— Nos Estados Unidos, o caminho mais rápido e seguro para mudar o estado de coisas seria uma espécie de atuação de guerrilhas, uma infiltração. Estou convencido que os recontros sangrentos nas ruas nada resolvem e muito menos nos Estados Unidos.
— Porque razão?
— Porque as forças governamentais estão demasiado bem preparadas para qualquer tipo de levantamento. Na luta de rua contra as forças policiais não há qualquer possibilidade de vitória. O fato de se incendiarem uns quantos edifícios não serve de nada, antes pelo contrário. O único efeito será uma respeitável quantidade de cidadãos apontarem os responsáveis pelos incêndios. Pessoas que até ai nunca se tinham preocupado com a política, tomarão uma atitude hostil face aos manifestantes. É evidente que estes cidadãos querem preservar a sua segurança.
— Qual é a técnica que você aconselha?
— O melhor modo de corrigir as coisas nos Estados Unidos, seria ocupar os cargos de todos os velhos que na atualidade desempenham funções de responsabilidade e tratar de gerir os respectivos departamentos.
— Dentro de vinte anos, outra geração aparecerá, por sua vez, para assumir esses mesmos cargos...
— Talvez. Mas, na realidade, não vejo necessidade disso.
Algum dia terá de transformar-se radicalmente o sistema para que a maioria do povo possa estar representado no governo. Até agora, o poder dos Estados Unidos tem estado exclusivamente nas mãos de pessoas cuja idade e posição não são de modo algum representativas do termo médio da população.
— É de opinião que o seu trabalho é um exemplo da ânsia de tomada do poder?
— Queremos contribuir para um maior esclarecimento político das pessoas. A maior parte dos jovens norte-americanos não pensam em termos de política. Advém daí que dispõem de muito tempo livre e tentam “passá-lo da melhor forma possível”. Por isso, creio que seria um grande passo obrigá-los a raciocinar.
— Você é anarquista?
— Só em casa, nos meus pensamentos, nas minhas divagações. Mas também uso da prática e sei que há coisas que não funcionam isoladas. Uma anarquia só tem fundamento no seio de um povo integralmente culto e civilizado. Mas, ainda estamos muito longe desse ponto. O povo não tem cultura, nem civilização e há muita gente a morrer de fome. Se não for a fome de comida, será pelo menos fome de ajuda emocional, que não recebem efetivamente. É necessário sublinhar e enfrentar esta sociedade desagradável e injusta e isso não se faz na simplicidade da frase: “Aqui tens a liberdade. Podes fazer aquilo que entenderes. Não há governo nem lei”. Esta atitude é impossível, pois lançaria a confusão e ninguém saberia o que fazer. Seria o caos, a destruição, a antropofagia simultânea, semelhante a luta entre animais. É preciso aconselhar, preparar toda a gente.
A fim de grana
Frank Zappa, embora nascido no leste, foi criado nas regiões desérticas do sul da Califórnia que constituem a periferia da megalópole de Los Angeles. Como angelino, sua atitude em relação a San Francisco é de saída condicionada pela imagem que esta cidade tem no sul da Califórnia - a de um lugar povoado de boêmios, pseudo-artistas e nefelibatas em geral. O olhar irônico que Zappa deita sobre a utopia adolescente do Haight é em parte reflexo deste fato; mas é claro que é mais que isso. Desde a criação dos Mothers, Zappa deixou claro que para ele o rock era um veículo e não um fim em si. Via a si próprio como um artista de vanguarda com um programa estético a realizar; seus discos eram trabalhos concebidos globalmente e não coletâneas de canções, e seus concertos de rock eram performances provocadoras, que deliberadamente violavam as expectativas da platéia. Zappa tinha formação musical - ele a minimizava, dizendo que se resumia a dois cursos de harmonia e um curso de composição que assistiu como ouvinte, além de leituras feitas em bibliotecas; fosse como fosse, porém, era muita coisa para um músico de rock. Nos primeiros discos dos Mothers, Freak Out! e Absolutely Free, Zappa havia desbravado caminhos no universo do rock, nos dois primeiros discos dos Mothers encontramos idéias que vão de um todo coerente, à ausência de intervalos entre as faixas, a utilização de elementos da música de vanguarda e técnicas de montagem sonora.
Frank Zappa, com seu olhar cético, torceu o nariz, para Sgt. Pepper´s. Não que negasse os méritos do disco; porém “havia naquela coisa toda dos Beatles um cheiro de que eu não gostava”, como ele declarou à revista Rolling Stone (nº 507, 27 de agosto de 87, pág. 145). “As coisas que estavam acontecendo na época me davam a impressão que eles estavam mais era a fim de grana - o que era uma idéia muito impopular na época”. Imediatamente, Zappa convocou seu grupo e começou a gravar seu terceiro álbum, We’re Only in for the Money – “A Gente está mais é a fim de grana”. O disco gravado em Nova York entre agosto e setembro de 67, só veio a ser lançado onze meses depois. Isto porque a capa era uma paródia nada sutil da famosa capa de Sgt. Pepper’s, e a gravadora temia ser processada pelos Beatles. Na verdade, a capa interior do álbum dos Mothers imitava a capa exterior do disco dos Beatles e vice-versa; isto era uma concessão à gravadora, Zappa tentou, em vão, autorização de Paul McCartney para satirizar a capa de Sgt. Pepper´s. Mas se a capa aludia diretamente ao disco recém-lançado do conjunto mais famoso do mundo, o conteúdo era algo ambicioso: um grande painel crítico do universo da contracultura. A capa é caracterizada pela inversão e o escracho. Enquanto em Sgt. Pepper’s os Beatles aparecem à frente de uma multidão, numa pose simpática, levemente irônica, com uniformes de músicos de banda, os Mothers aparecem travestidos, um deles numa cadeira de rodas, com expressões de deboche. Se o nome “Beatles” aparece escrito com flores, as letras de “Mothers” são formadas com frutas e legumes (alusão ao disco anterior dos Mothers of Invention, em que predominam os vegetais, e cujo lado “A” culmina com uma cena erótica envolvendo uma abóbora). No Sgt. Pepper’s, como fundo das letras das canções, três dos Beatles são vistos de frente e um de costas; no disco de Zappa todos os componentes do grupo estão de costas, menos um, visto de frente. As cores, os elementos tipográficos, tudo evoca diretamente do disco dos Beatles; mas nem tudo é gozação. É claro que o tom de escracho é uma crítica ao bom-mocismo dos Beatles, e ao clima de saudosismo um pouco piegas de Sgt. Pepper’s; mas ao adotar o formato desse disco Zappa - queira ou não - está forçando uma comparação entre seu álbum e o do conjunto inglês. E, questões de pioneirismo e radicalismo à parte, um dos efeitos inevitáveis desta comparação, da existência de tantos elementos comuns aos dois trabalhos, da própria relação parodística entre as capas, é ressaltar o fato de que os dois pertencem a uma mesma corrente: a linha experimental do rock. No contexto de 1967-68, mesmo parodiar os Beatles era um modo de reconhecer sua importância e homenageá-los.
Esta mesma duplicidade de crítica e identificação caracteriza todo o disco, ainda que de início só a crítica salte à vista. A primeira faixa de We’re Only in it for the Money, Are you Hung up?, é o monólogo de um garoto que pretende virar hippie e ir para San Francisco. O humor da letra vem do contraste entre a idealização da contracultura e suas realidades mais ridículas, assumidas indiferenciadamente pelo desbundado neófito: Sou um hippie muito doido/ Um cigano só no mundo/ Fico lá uma semana, pego chato / E volto pra casa de ônibus.
Numa outra passagem, ele prevê: Vou amar todo mundo, até a polícia quando ela estiver me enchendo de porrada na rua.
A mesma idéia é desenvolvida em Flower Punk, paródia de Hey Joe, que Jimi Hendrix havia gravado recentemente: ao invés da história do homem que mata a mulher e foge para o México, Zappa, conservando a forma em diálogo de Hey Joe e praticamente a mesma linha melódica, apresenta outra versão da saga do garoto que cai no desbunde: Ei, pirralho, onde que você vai com essa flor na mão? / Vou pra Frisco entrar pruma banda psicodélica
Uma saga que termina do modo mais inglório possível:
Ei, pirralho, onde que você vai com esse colar no pescoço? / Vou pro analista pra ele fundir minha cuca de vez
Aqui, através do recurso à paródia de uma canção de sucesso, o próprio rock está sendo gozado juntamente com a contracultura. É o que também ocorre na faixa Absolutely Free, em que Zappa parodia de modo deliciosamente intraduzível as baboseiras psicodélicas do acid-rock. Em Nasal Retentiave Calliope Music, em meio a uma colagem de ruídos, vozes, fragmentos de músicas, distorcidos e manipulados com virtuosismo, ouvem-se acordes de surf-rock, e quando o ouvinte tem a impressão de estar prestes a ouvir um pastiche dos Beach Boys, uma mão brutal gira rapidamente a sintonia do rádio, quando tem início a faixa Let’s Make the Water Turn Back, em que a leveza da melodia e do ritmo contrastam com uma letra grotesca, vagamente sinistra e, ao mesmo tempo, hilariante.
Mas não são apenas as instituições mais sagradas da contracultura que são alvo do riso corrosivo de Zappa. Tal como fizera nos discos anteriores, ele é impiedoso com a cultura da maioria silenciosa. Em Blow Tie Daddy, o homem médio americano, com seus ideais medíocres, é ridicularizado sem dó; e em Hary, You’re a Beast!, talvez a letra mais agressiva do disco, sua contraparte feminina é literalmente arrasada:
Cabelo pintado/Cabeça vazia/
ISTO É VOCÊ, MULHER AMERICANA!/
Você é falsa em cima/Falsa embaixo/
Você deita na cama e range os dentes
Em Mom & Dad, Zappa se dirige aos pais da geração hippie:
Vocês dizem aos filhos que gostam deles?
Bebem na frente deles? Não sabem por que sua filha parece tão triste?/
Que saco ter que amar pais de plástico!
Mas não se pense que a posição assumida por Zappa é rigorosamente imparcial; que, excluindo-se ao mesmo tempo da sociedade careta e da contracultura, do alto de seu Olimpo, o artista lança raios sobre gregos e troianos. A faixa Take Your Clothes off When you Dance mostra que a coisa não é bem assim. A melodia e o ritmo têm algo de deliberadamente debilóide, e os primeiros versos
Dia virá em que todos os solitários serão livres/
PRA CANTAR DANÇAR AMAR
Parecem ter intenção claramente gozativa. Mas logo vem um trecho em que, sem dúvida alguma, é a voz do próprio Zappa que estamos ouvindo:
Que tem o cabelo ser comprido ou curto/Mechado ou grisalho?/A GENTE SABE QUE CABELO NÃO TEM NADA A VER/
(dia virá em que ninguém vai ter vergonha nem mesmo de ser gordo!).
A crítica ao modismo e aos preconceitos da cultura hippie deixa claro que a letra não é apenas uma gozação. O “dia virá” de Zappa não é uma sátira ao otimismo ingênuo de sua geração: ele próprio tem um projeto libertário que não é tão diferente assim do da contracultura, e as críticas que ele dirige a ela não são feitas de uma posição totalmente exterior a ela. Em Concentration Moon a identificação de Zappa com sua geração é mais explícita ainda: nesta letra, temos uma imagem sinistra da América careta, em que os muito-doidos são perseguidos a pedradas e mortos pela polícia; e num trecho ouvimos que:
o american way é ameaçado por NÓS.
Assim Zappa, apesar de todo o seu sarcasmo, até certo ponto identifica-se com o projeto da contracultura, e não se exclui do mundo que tanto goza e critica. Só que não tem a menor condescendência com tudo o que cheira a comercialismo e modismo nesse meio - e é justamente isso que ele mais vê no desbunde geral do Haight-Ashbury. É a tensão entre esta identificação inegável e um senso crítico impiedoso que faz de We’re Only in it for the Money o retrato mais sério (embora cômico) e maduro de uma época caracterizada pela ingenuidade e imaturidade - da Califórnia de 1967, dos hippies e hippies de plástico; dos casais de classe média hipócritas e amesquinhados pela rotina, com filhos drogados e descontentes; dos grandes happenings coletivos e da truculenta polícia do governador Ronald Reagan. Quando ouvidos hoje, quase todos os outros discos de rock da época que tematizam a contracultura parecem um tanto datados - ingênuos, histéricos, absurdos, mas a lucidez crítica de Frank Zappa, juntamente com sua extraordinária criatividade musical, faz com que We’re Only in it for the Money guarde até hoje toda a força que tinha quando foi lançado, com onze meses de atraso, trinta anos atrás.
Em 1988, vinte anos após seu lançamento, We’re Only in it for the Money foi lançado clandestinamente no Brasil e tudo leva a crer que oficialmente jamais será. Pois mesmo nos Estados Unidos foram relativamente poucos os que ouviram este disco singular, cuja epígrafe é uma frase do compositor experimental Edgard Varèse: “O compositor contemporâneo recusa-se a morrer!”. Zappa descobriu Varèse na revista Look num artigo que proclamava Varèse como sendo o autor “da pior música do mundo”. Ao ler o artigo Zappa logo exclamou: “Ah, sim, aquilo estava pra mim!”.
Frank Zappa em 53 discos
Uma boa notícia para os fãs do Mothers of Invention: pela primeira vez o trabalho do grupo - e quase tudo o que Frank Zappa gravou - está disponível em uma nova coletânea de CDs.
O gigantesco projeto de lançamento de 53 títulos foi concluído com uma série de seis CDs duplos chamada You Can’t do that on Stage Anymore.
Um projeto considerado imenso por qualquer gravadora, foi maior ainda para a modesta e independente Rykodisc, de Salem, Massachussets, que normalmente lança 53 títulos no período de um ano.
“É a maior iniciativa de todos os tempos para juntar essa quantidade de material de uma só vez”, diz Jill Christiansen, que foi contratada especificamente para supervisionar o projeto.
O projeto inclui trabalhos feitos na própria gravadora de Zappa, a Barking Pumpkin, e também outros mais conhecidos, produzidos em gravadoras maiores.
“Existia uma vontade grande de colocar tudo disponível, no mundo inteiro, ao mesmo tempo”, Christiansen disse sobre o lançamento consecutivo dos títulos.
Um programa desse tamanho costuma ser desenvolvido em um ano ou mais.
“Algumas músicas não são encontradas na Europa e em outras partes do mundo”, continuou Christiansen.
Um dos títulos estava sendo lançado nos Estados Unidos pela primeira vez. Does Humor Belong in Music?, uma compilação ao vivo feita em 1986, tinha sido lançada previamente na Europa.
Cada uma das músicas foi preparada por profissionais aprovados por Zappa, que morreu em dezembro de 1993, com 52 anos. Os títulos representam o que a Rykodisc chamava de “as versões finais de seu trabalho”.
O processo de remasterização significou uma maior autenticidade para alguns dos discos.
As músicas gravadas originalmente em baixo e bateria do "We’re Only in it for the Money", de 1968, substituídas em 1984 por causa de uma disputa legal com a gravadora original, foram restauradas.
“Os primeiros seis títulos lançados são os mais fiéis em termos de som”, diz Christiansen. "Money" e "Lumpy Gravy" são exemplos dos que mais mudaram. Agora parecem com o que eram na gravação original”.
Não só as músicas em baixo e bateria estão de volta em "Money", como o "Lumpy" está “muito mais claro do que no primeiro CD”, diz Jill Christiansen.
Freak out! Para começar
Jill Christiansen sugere que quem esteja ouvindo pela primeira vez o trabalho de Frank Zappa comece com "Freak Out!", o precursor psicodélico do "Sgt. Pepper’s".
Outra sugestão é o "Hot Rats", o primeiro álbum solo de Zappa em 1970, que mostrou o quanto ele era bom.
Daí, diz Christiansen, “dependerá de que tipo de música a pessoa gosta. Para quem gosta de jazz, eu diria pra ouvir "Waka/Jawaka" e "The Grand Wazoo". Pra quem gosta de rock, "Overnite Sensation", "One Size Fits All" ou "Zoot Allures”'.
Os guitarristas certamente vão gostar dos álbuns "Shut Up ‘N Play Yer Guitar", segundo Christiansen. Esses foram reunidos no maior volume de toda a nova série, com três discos.
Como guardar o nome de todas essas músicas?
“Quando comecei, parecia uma quantidade enorme de músicas”, diz Christiansen. “Agora desejaria que fosse o dobro. São músicas ótimas. E se as pessoas começarem a ouvir, elas voltarão querendo mais”.
[1]Life Magazine.