Stonehenge, hippies e violência policial

Barbieri em Stonehenge (2008)
Barbieri visitando o monumento de Stonehenge
“Indiscutivelmente  Stonehenge, juntamente com seus arredores é um dos mais poderosos centros espirituais de toda a Europa. É certo que nós deveríamos semanalmente nos colocarmos na presença de Deus, mas seria melhor se nós pudéssemos cantar, dançar e gritar de alegria e amor pela misericórdia que ele nos brinda. Terra sagrada é terra sagrada e o direito da gente estar lá não pode ser negado”. ?Declaração feita por Sid Rawle organizador do Stonehenge Festival acontecido em 1978.
Stonehenge tem sido cenário de uma "guerra política" por mais de 30 anos. Todo ano, no solstício de verão  (o dia mais longo do ano) acontece uma guerra civil “ritualizada” envolvendo a polícia e os “libertadores” . É certo que desde 85 o conflito atenuou-se, motivado talvez pela popularidade do Glastonbury Festival.
Vários grupos, arqueólogos, historiadores, teólogos, ocultistas até ufologistas discutem sem parar quem tem o direito de ocupar essa área  mística. O lugar tem sido encarado como sendo um observatório astronômico, um templo, um calendário, uma pista de pouso para OVNIs. Seria o centro energético da Terra conectado com a grande pirâmide de Quéops no Egito ou conectado de alguma forma com a Esfinge de Cidônia em Marte? Seria uma porta para outra dimensão, um monumento feito pelo povo de Atlantes? As respostas para essas suposições dependem da crença de cada um.
Qualquer que seja a verdade, é impossível negar o poder que as crenças possuem para afetar as pessoas e até radicalizar-las. De qualquer forma, é difícil ficar no meio deste círculo de pedras e não sentir alguma coisa. No mínimo, os visitantes ficam maravilhados com este grande feito de engenharia para época em que foi construído. Imaginem que, estas pedras já eram muito antigas quando os romanos invadiram a Inglaterra no ano 55 antes de Cristo.
Quando os raios do Sol iluminam a paisagem de Wiltshire com tons vermelhos e dourados, só a visão deste monumento faz-nos ficar tomados pela sensação de que existe de fato algo muito forte e espiritual à respeito deste lugar. Talvez esta aura toda seja justamente o motivo que atrai a visita de tantos turistas.
Em 1918, tanto a terra como o monumento pertencia a um tal de Cecil Chubb que a comprou num leilão por mais ou menos 9.000 dólares. Mais tarde, ele presenteou o monumento à Inglaterra que passou a administra-lo  “em confiança” atravéz de um departamento chamado Commissioner of Works. ??Quando Cecil deu o monumento ele colocou três condições que, tecnicamente ainda estão em vigor mas que na prática foram todas rompidas: ??
1) O público deveria  ter livre acesso ao local e não poderia ser cobrado mais de um shilling por cabeça.
2) 0 lugar deveria ser mantido, do jeito que foi dado. 
3) Nenhum prédio ou construção poderia ser construído a não ser uma pequena bilheteria igual a que já existia e distante pelo menos 400 metros do monumento. 
Hippies festejam no meio do monumento em 1984
Hippies festejam no meio do monumento em 1984
Stonehenge, Wally Hope e os festivais gratuítos
O monumento passou a ser o local para realização de festivais alternativos gratuitos, quando Wally Hope, cujo nome verdadeiro era Phil Russel, um idealista hippie anarquista, inspirou-se num outro projeto seu, o Windsor Free Festival. Cabe lembrar que, o Windsor Free Festival, foi um encontro pacífico de hippies que foi brutalmente interrompido pela polícia. ??Sua idéia, era tomar de volta o monumento de Stonehenge e transformá-lo num lugar para festivais gratuitos para mentes abertas. Como conseqüência aconteceu  o The  Stonehenge People’s Festival em julho de 1974 num solstício de verão, uma data muito significativa no calendário pré–Cristão sendo considerado um tempo de comemoração e festejo. Na época, convites foram enviados para os Beatles, o Papa e inclusive para o Duque de Edimburgo (marido da rainha) mas, todos preferiram ficar em casa.
O festival aconteceu pacificamente sem incidentes, mas alguns meses mais tarde, enquanto Wally planejava o segundo festival, ele foi preso por possuir três tabletes de LSD. Enquanto, na época,  muita gente levaria apenas uma dura, Wally foi trancafiado sem direito à pagamento de fiança, sem poder usar o telefone e sem acesso a caneta e papel. Enquanto estava preso, ele foi diagnosticado como sendo esquizofrênico por um médico da prisão. Wally foi então tratado com uma droga chamada Largactil. Conhecida vulgarmente como “paulada química”. Esta droga causa terríveis efeitos colaterais tais como letargia, depressão e confusão mental e , ironicamente pode causar mudanças de personalidade tão grandes quanto as dos sintomas da esquizofrenia. Wally  foi enviado para o hospital para doentes mentais em setembro de 1975. Pouco tempo depois de ser liberado do hospital, Wally tomou uma overdose de pílulas para dormir e morreu afogado pelo próprio vômito. Os seus seguidores que se auto titulavam “Wallies” e que o ajudaram a organizar o primeiro festival, espalharam suas cinzas no centro do círculo de Stonehenge no solstício de verão do festival organizado em 76.??
Violência policial na plantação de feijão
A batalha de Beanfield 
Quase dez anos se passaram e, no primeiro dia de janeiro de 1985 aconteceu o que  ficou sendo conhecido como The Beanfield Battle (A batalha na plantação de feijão). Um comboio de 800 nômades (travellers), hippies e pessoal alternativo que vive em carros, peruas, caravanas e ônibus, estavam indo para Stonehenge onde um festival ilegal seria realizado. ??The English  Heritage, que é o departamento do governo que administra o patrimônio histórico, tinha movido um processo legal onde tinha ganho o direito de evitar que os nômades ganhassem acesso ao local. A polícia de Wiltshire desviou o comboio para dentro de uma área campestre perto de Cholderton. Quatro horas depois, todos os ônibus, peruas e carros do comboio acharam-se espremidos numa plantação de feijão. Então chegaram 800 policiais vestidos com roupas pretas, capacetes, escudos e cassetetes. Puseram os jornalistas que acompanhavam o comboio para fora e partiram para o pau. 
A batalha de Beanfield
Os policiais partiram para a destruição dos veículos com as pessoas dentro, carros pegando fogo, gente ensangüentada, mulheres em trajes hippies tentando proteger seus bebês, enfim violência generalizada do tipo mais encontrado em certos países de terceiro mundo. Saldo de 574 pessoas presas, sendo que muitas ficaram presas por dois dias sem saber o motivo. Muitos foram processados por ofensas públicas, violência(?), obstrução do caminho da justiça e é claro, por posse de algum tipo de drogas. Um inquérito feito em 90 provou que os superiores da polícia deram ordens para seus policiais prenderem qualquer um independentemente deles estarem cometendo algum ato ilegal.”Eles estavam querendo briga” , declarou Simon um dos veteranos de muitos festivais em Stonehenge e raves ilegais.
A batalha de Beanfield
Desde 85 muitas tentativas foram feitas para realizar um festival em Stonehenge, todas sem sucesso. As coisas ficaram mais pretas depois do Castlemorton Free Festival em 92. Foi a primeira vez que as autoridades descobriram que existia uma ligação entre os nômades e os ravers. Os nômades tinham experiência em enganar a polícia na questões legais, enquanto os ravers usavam telefones celulares e vários truques para informar o povo, somente no último momento, sobre a localização do festival. Estima-se que aproximadamente 30.000 pessoas compareceram ao Castlemorton realizado numa região chamada Malverm em Hereford & Worcestershire. Apesar das condições serem rudimentares, a atmosfera foi de um encontro de todas as tribos urbanas. Foi um festival quase igual aos antigos festivais de Stonehenge caracterizado por uma monstruosa festa rave tendo como trilha sonora o techno trance, temperada por psicodelismo e música ambiente. O povo era basicamente formado por cyberpunks e mutantes nascidos das muitas tribos. A música não parou, as pessoas dormiam onde caiam, de dia ou  de noite. Bandas techno como Ozric Tentacles, Paragliders, Eat Static, Astral Projection, e o Dj Westbam começaram a serem vistas  com mais seriedade.
Embora membros da Spiral Tribe, os organizadores, tenham sido presos e seus equipamentos de som confiscados, estava claro que a semente estava lançada e muitas raves deste tipo começaram a acontecer. A imprensa não tardou a criar uma imagem negativa do movimento e o governo rapidamente aprovou o The Criminal Justice Act que dá praticamente poderes ilimitados para a polícia prender e confiscar os equipamentos dos organizadores de raves assim como também prender os seus participantes.
Curiosamente, arqueólogos estão descobrindo que lugares como Stonehenge foram centros de convergência para festas que duravam dias e mais dias sem fim. O lugar é datado do ano 800 antes de Cristo e parece que os Celtas britânicos usaram-no para gigantescas festas no verão onde várias tribos encontravam-se para socializarem-se. Não será nenhuma surpresa se um dia descobrirmos que foi construído especialmente para realização de raves primitivas regadas a muito vinho e sexo…??
Comentário final 
Bom, muita água rolou desde que escrevi esta matéria. Hoje, de forma mais ampla, vejo a luta dos hippies ingleses como parte de um processo onde aqueles que lutam por liberdade estão perdendo. O mundo deu muitas voltas e nunca a polícia inglesa ganhou tantos direitos contra as liberdades individuais dos cidadãos. Naquela época eles invadiam carros e batiam nas pessoas, hoje invadem casas dando tiros e até matam gente. Hoje, no Reino Unido, eles podem prender você por 4 semanas e nem explicar porque. ??O assassinato do brasileiro Jean Charles de Menezes no dia 22 de julho de 2005 em Londres, marcou uma nova etapa na destruição das liberdades civis.  Até hoje ninguém foi punido e acho que nunca será. ??Com a desculpa do terrorismo, todos os avanços conquistados nos anos 60 foram jogados pela janela. Recordo com saudades daquele tempo heróico em que apenas dois jornalistas foram capazes de derrubar um presidente Norte Americano corrupto (Nixon). Hoje, mesmo provando que a guerra do Iraque foi baseada em mentiras onde já morreram milhares e milhares de inocentes e sabendo que a única razão para esta guerra é controlar as reservas de petróleo, os governantes das superpotências sarcasticamente ignoram a opinião pública com sorrisos irônicos. 
Então, dentro deste contexto, acho importante manter viva a história de luta destes hippies corajosos e idealistas. Acredito que a luta deles tem tanta relevância hoje como naqueles dias.
Abaixo o leitor poderá ver dois vídeos mostrando a pancadaria que ficou conhecida como The Beanfield Battle.
 
A banda inglesa The Levellers escreveu uma música à respeito deste triste episódio chamada The Battle os the Beanfield que foi incluída no álbum Levelling the Land lançado em 1991. Abaixo o leitor poderá ouvir esta pérola musical.
O músico inglêz Roy Harper também fez sua homenagem ao evento compondo a música Back to the Stones que saiu no álbum Unhinged lançado em 1993. Abaixo o leitor poderá ver o vídeo desta música sendo interpretada ao vivo. 
 Dynamite Magazine - Número 24

Esta matéria é de autoria do Barbieri e foi originalmente escrita para a Revista Dynamite, tendo sido publicada na sua edição de dezembro de 1996.

Copy Desk: Andrea Falcão
Diagramação, Revisão e Atualização: A. C. Barbieri

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