Escândalo fonográfico: a pianista que copiava
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João Luiz Sampaio - O Estado de S. Paulo
21 fev. / 2007 - O Guardian a chamou de 'uma das maiores pianistas já produzidas pela Inglaterra'; do outro lado do Atlântico, o crítico Richard Dyer, do Boston Globe, escreveu que 'ela deve ser a maior pianista viva de quem ninguém ouviu falar'. Após abandonar os palcos nos anos 70 e dedicar-se apenas ao trabalho em estúdio, Joyce Hatto atingiu a fama nos últimos anos com gravações de obras de Chopin, Rachmaninoff e Liszt e morreu, em junho de 2006, deixando uma legião de fãs e obituários elogiosos. Mas o mundo da música clássica agora está em polvorosa com as acusações de plágio segundo as quais suas gravações seriam, na verdade, trabalho de outros pianistas. O responsável pela descoberta? Um computador.
Tudo começou quando um inglês resolveu gravar a versão de Hatto para os Estudos Transcendentais de Liszt. O banco de dados de seu computador reconheceu a obra, mas ofereceu a ficha técnica de uma outra gravação, feita pelo pianista Lazlo Simon. Intrigado, ele entrou em contato com o editor da revista Gramophone, James Inverne, que, por sua vez, procurou Andrew Rose, da Pristine Classics, empresa especializada em arquivos de áudio. O veredito: em dez dos 12 estudos de Liszt, as ondas sonoras eram idênticas; e, em outro deles, uma gravação do pianista japonês Minoru Nojima havia sido adulterada. Mas não parou por aí. Rose demonstrou também que as gravações lançadas por Hatto dos estudos escritos por Godowsky a partir de Chopin também pertenciam a outro pianista, um certo Carlo Grante. William Barrington-Coupe, marido de Hatto e dono do selo Concerts Classics, que lançou os discos, se disse surpreso. Confirmou a autenticidade de todos os CDs, garantindo que esteve presente em todas as gravações.
No site da Pristine Classics, é possível ouvir as gravações originais e as supostamente atribuídas a Hatto. Já no endereço eletrônico da Gramophone, Inverne assina um texto em que explica o caso. Mais detalhes serão publicados na próxima edição impressa da revista, que só sai em março. Mas o caso já repercute com força pela internet, em especial nos jornais britânicos, um dia responsáveis pelos elogios mais ferrenhos ao trabalho de Hatto.
Em seu blog, The Rest is Noise, o crítico Alex Ross, da New Yorker, chama atenção para um outro aspecto. 'O caso Hatto pode oferecer visão interessante sobre como reputações e mitologias afetam a percepção musical.' De fato. A crítica inglesa Jessica Dunchen, por exemplo, reproduz em seu blog uma crítica em que um especialista em piano compara gravações de Hatto e Nojima e chega à conclusão de que a interpretação do japonês é 'muito clínica' em oposição à espontaneidade da inglesa - isso, sem saber que se referia à mesma gravação. No mesmo blog, links para discussões intermináveis, em que uma pergunta se repete: como ninguém percebeu antes? Como diz Ross, a polêmica parece estar apenas começando.