Luis Freitas e o autógrafo de Jimi Hendrix! (2010)
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Imagine que Caetano Veloso, Joel Macedo e Rogério Sganzerla eram alguns dos brasileiros que assistiram a apresentação de Jimi Hendrix no Festival da Ilha de Wight, mas coube a Luis Freitas herdar a lembrança mais tácita daquele momento histórico: Eu sou o único Brasileiro que possui um autógrafo de Jimi Hendrix
"Ainda na década de 80, o autógrafo de Jimi Hendrix foi objeto de reportagem na televisão local aqui no Rio Grande do Sul. O autógrafo foi registrado num pedaço tosco de papel, e está emoldurado a muitos anos, e grudado no vidro.
Meu irmão Paulo Freitas, infelizmente falecido, se dirigiu diretamente a Hendrix logo após sua apresentação em Wight. Paulo, meu irmão contava a história entusiasmado, de como apertou a mão e abraçou Hendrix e Billy Cox, enquanto Mitch Mitchel era praticamente devorado pelas meninas da época, numa madrugada fria naquela ilha.
Não sou colecionador, mas tenho toda a discografia oficial de Hendrix, e alguns downloads. Jimi Hendrix é um de meus guitarristas preferidos, e até hoje passados 34 anos desde meu primeiro contato com a obra desse monstro, através da primeira coisa editada aqui no sul, que foi o famoso LP 'Rare Hendrix', se não me engano com Lee Moses e Lonnie Youngblood.
Ainda não decifrei completamente sua vasta intenção musical. Agora tenho escutado essa semana, todos os dias o 'Valleys of Neptune' e o incrível e menosprezado póstumo 'Message from nine to the universe' onde livre das barreiras estilísticas Hendrix matou a pau. Na verdade, não sei, mas acho que o que eu tenho é antes do Alan Douglas meter o bedelho.
Tento febrilmente traçar uma linha entre o que Hendrix fez, e o que ele pretendia. Pois as edições póstumas em geral tipo 'First Rays' misturam períodos, mas as 'equalizações' de estúdio deixam o som meio parecido. E enquanto isso vamos curtindo Jimi Hendrix".
Tenham um bom dia!
40 anos depois da apresentação de Hendrix na Ilha de Wight, Luis Freitas mantém o raro autógrafo no Rio Grande do Sul.
Retiro Espiritual (Rogério Sganzerla*)
Minha teoria será de que gênio existe - basta consultar a história anônima de crianças-prodígio e de outros, menos freqüente, de adultos-prodígio, sabendo-se que a grande maioria desses casos não chega ao conhecimento público quando não são promovidos pela publicidade internacional. Necessário pesquisar casos da história anônima dos povos e suas criaturas "diferentes" ou excepcionais, principalmente aqueles que ninguém considerou grandes por serem eles mesmos. É preciso ver e rever exemplos de genialidade congênita de nascidos e mortos sob o signo do esquecimento, verdadeiro tesouro natural que o povo concede mas não define à humanidade, tão necessitada de tipos extra-sensoriais que, podendo estabelecer uma corrente, bastariam dez ou doze para transformar um Estado, uma mente ou um continente. Um como Jimi Hendrix nasce de cem em cem anos, e não é para menos... Minha tese será a de que gênio existe, sim; embora pouco ou quase nada fizessem para demonstrá-lo, ao contrário de Hendrix, cuja genialidade estava na cara: no andar, na maneira dele, canhoto, inverter as cordas de sua guitarra e tirar um som "ao contrário" - no comportmaento explosivo e nada exibicionista, como quiseram acusar: ao contrário, sabe-se que era tímido e fazia dessa timidez em cantar o reduto maior de sua beleza secreta mas não menos presente por não estar tão aparente.
Para se reconhecer um gênio é preciso instinto e sensibilidade, como aconteceu comigo quando o vi frente a frente no palco do festival de Wight em 1970: enquanto transcorria o espetáculo, certificava-me de que aquele seria e continua sendo sem dúvida a maior experiência que já me ocorreu em vida. Sabia-o naquele momento, eu, realizador incrivelmente premiado no primeiro filme cuja imagem inicial (um letreiro luminoso) avisa e indaga: "um gênio ou uma besta". No fundo nem eu - obcecado com a idéia da existência ou não de gênio - não acreditava em seres aparentemente normais mas extraordinário em todos os entidos. Até aquele instante; depois tudo mudou para mim.
Entrou no palco, fulgurante, a luz número um do Uno. Ilumina-o com seu brilho áureo, traduzido numa rapidez anormal de gesto, andar, comportar. Doce, elegante e explosivo como uma fera do astral, por dentro de altas esferas, que tivesse vindo à terra para sacudi-la e despertar a ente contemporânea com seus acordes, dedos, amplificador e alto-falante. Com quê? Até com "porradas" sonoras ou não nessa música do ruído e do silêncio o gênio maior assume e engrandece a força que conduz até altíssimas paragens enquanto sua mente me conuz e diz: "vai em frente que essa é quente e interessa, principalemnte no Brasil" redimido pelo sofrimento, terra da luz que se aproxima com o terceiro milênio... Vou em frente, adiantando-me aos demais no encontro adiantado e avantajado do gênio número um e do número um e meio que desafia vida e morte, o suave beijo dopreto e do branco que cruzam todas as linhas, ponto de intersecção total de milhões de anos-luz, pediu-me o grande sabedor de tudo, o mestre fulgurante me deu a consciência e a clareza exigidos pelos que como eu sabem de tudo e escondo (leitor: chegou a hora de contar toda inteira verdade, acredite se quiser).
Iluminou e inundou o palco de luz. Da luz - susa luz. Pela primeira vez, certificava-me de que existia mesmo aquilo que pressentia; gênio existe, seja "Jina" (leia Roso de Luna: "O livro que mata a morte") Dzin, jin, chin(ês...) gin, gênio, nuntius (significa em latim: enviado) ou como quiser nomear aquilo que é inominável. "Maha Jina" - à minha frente movia-se diferente de todos os outros humanos terrestres, rápido e fulgurante, aquele ser movido por uma graça que faz a história vibrar ae ameaça o transcorrer acadêmico das coisas. Hendrix estava lá e eu vi. Tudo. Vi, então, o número um completar - na sua sucessão de números musicais ou não - todos os outros números e possibilidades seguintes - como se tudo fosse uma coisa só. De fato, tocava todas as suas criações ao mesmpo tempo, desde as primeiras de "Experience" 1967 com as últimas misturadas nos acordes mais conhecidos de um ou outro ("In from the storm"), incluída no final de meu filme "Abismú".) Lembro-me de cada detalhe mas não é fácil (d) escrever...
Foram duas horas históricas de uma noite de pânico; e som e fúria, nada significando a não ser que o homem contém divindades dentro de si mesmo e seu trabalho está aí para ser compreendido (respeitado) porque somos próximos (filhos) daquele que é o maior, cujo nome não pode ser citado em vão... Na minha viagem pude inicialmente constatar a briga milenar do artista com o instrumento - da Grécia à Wight.
O milenar mito do artista contra o instrumento, desde as primeiras notas notei, era uma guitarra nova, vermelha, que coincidia com a vestimenta de triângulos verdes e vermelhos que usava na ocasião. Tocando superbamente, senti que ele não estava satisfeito com o aparelho. Chamou alguém e sem parar de tocar, cochichou no ouvido. Certifiquei-me de que, como intuíra mandou apanhar sua "Fender" branca de 12 cordas. Trouxeram. Sem interromper o número, trocou, tocou o intrumento mais à vontade.
O mito trágico - isso já é tragédia - do artista brigando com o instrumento e, tendo que brigar, vencendo-o, estava ali, se repetia por uma desnecessidade histórica a luta e condição astral do guerreiro etc - tudo isso circulou pela minha mente, em poucos segundos, enquanto Jimi Hendrix fixou o publicano público, eu via corrente de eletricidade saindo do peito do artista para a platéia e dessa para ele descarga sensível transmitindo. Novamente Hendrix reina sob nossa mente.
*Folha de São Paulo, 29 dez. / 1980.