Rolling Stone'72: Entrevista Jerry Garcia

Entrevista Rolling Stone: Jerry Garcia

Drogas rock’n’roll e sexo. Foi assim que Jerry Garcia levou toda sua vida à frente da banda Grateful Dead. E em 1972 tudo estava no início.

Jerry Garcia, ao clamado e articulado guitarrista, vocalista, compositor e porta-voz do Grateful Dead, era candidato a uma Entrevista Rolling Stone há muito tempo, mas... bem, é assim que o agora editor Wenner conta, no outono de 1971:

“A ‘Entrevista com Garcia’ sempre foi uma daquelas coisas que adiamos por um tempo indefinido porque Jerry estava sempre por ali”, escreveu. “Isso finalmente foi falado numa reunião com Charles Reich, professor de Direito da Universidade de Yale que escreveu The Greening  of America. Descobrimos que ele era louco pelo Grateful Dead, e perguntou: ‘Como vocês ainda não fizeram uma entrevista com Garcia? Eu não havia ouvido nenhum álbum deles desde o primeiro e recentemente peguei Casey Jones’.

“A verdade é que eu também era louco pelo Grateful Dead. A primeira vez que vi ao vivo foi em San José, Califórnia, depois de um show dos Rolling Stones, quando acabei caindo numa cena de Ken Kesey que na verdade era o primeiro Acid Test deles. O impacto, no meu estado de consciência naquele momento, foi enorme. Depois esse professor de Yale me fez acordar para o Grateful Dead de novo”.

Reich sugeriu que ele e Jann entrevistassem Garcia, 29 anos, juntos. “Achei o entusiasmo dele um pouco ingênuo, mas Reich obviamente gostava muito deles e eu conhecia o passado do grupo. Seria uma boa combinação. E, sabe Deus, Charles Árvore da Consciência Reich encontra Jerry Capitão Viagem Garcia seria algo muito interessante”. Com sua introdução original, Wenner deu o clima da ação.

Liguei para Garcia na primavera passada e disse do que se tratava: Reich estará perto no início do próximo verão. Aberto e sempre amigável, ele concordou. Em julho, Reich estava no escritório ansioso pela entrevista. Jerry Garcia vive perto das Montanhas Tamalpais, sobre o Oceano Pacífico, numa casa de subúrbio da década de 50 com sua mulher Mountain Girl (membro dos Merry Pranksters e uma amiga íntima de Ken Kesey na época) e a filhinha. A casa é cercada por eucaliptos, arbustos e roseiras com quase 2 metros de altura, atrás das quais há uma visão magnífica do Pacífico e do leste.

No gramado da frente, que tem uma vista linda, Charles Reich, Garcia e eu sentamos numa tarde ensolarada e ligamos o gravador. Cinco horas depois, guardei a máquina e voltei para a cidade, sem saber se poderia dirigir direito nem mesmo de tudo que tinha acontecido. Reich estava passeando nos fundos da casa, notando a vibração das árvores (nunca descobri como ele foi embora naquele dia), e Jerry tinha de estar em algum lugar às 19h para um show.

 

garcia
Quando você começou a tocar? Você tem uma data específica?

Foi em 1º de agosto de 1957 que tive minha primeira guitarra. E foi assim. Alguém me mostrou uns acordes na guitarra e foi o fim de tudo que eu estava fazendo até então. Eu finalmente deixei o Exército e decidi largar tudo.

Vocês tocaram em cafés no começo, assim como vários grupos da cena de San Francisco. Você saía com pessoas como Janis Joplin e Jorma Kaukonen?

Bem, não era exatamente sair com, mas nossos caminhos estavam se cruzando, tocávamos no mesmo lugar na mesma noite, e depois de dois ou três anos são todos amigos. Você não planeja coisas assim, elas acontecem.

De que foi a ideia de ter uma banda?

Veja, o que aconteceu foi que eu gostava muito de country antigo, bandas de cordas e para tocar cordas você tem de ter uma banda. Daí eu comecei a recrutar músicos, como Dave Nelson, e tocávamos coisas antigas em cafés.

Qual era o repertório de vocês?
Nós... roubamos muito de... bem, na época, dos Kinks e dos Rolling Stones. King Bee, Red Booster, Walking the Dog e todas essas merdas, fazíamos só o rock’n’roll básico... coisas do Chuck Berry... Não me lembro de muita coisa. O primeiro show de verdade aconteceu na pizzaria e não tinha ninguém. Na semana seguinte, tocamos no mesmo lugar e vários jovens apareceram. No outro dia, cerca de 300-400 pessoas... todos estudantes de colégios, que ouviam uma banda de rock’n’roll.

Você se interessava em algo fora a música? Em quê?

Sim, eu me interessava por tudo além da música. Nunca tive outro hobby fora a música, mas qualquer coisa que apareça me interessa. Como... drogas, claro.

Como o LSD mudou sua vida e sua música?

Mudou simplesmente tudo – primeiro pessoalmente,  me libertou porque percebi que meu mínimo esforço para levar uma vida correta era uma ficção e não iria acontecer. Foi uma constatação que me imensamente aliviado. Eu me sentia bem e o mesmo acontecia com minha mulher – naquela época a gente percebia que podia simplesmente viver nossa vida em vez de viver uma circunstância social infeliz. Na música, nós queríamos ir mais longe. Em casas noturnas, as pessoas sempre querem ouvir coisas mais curtas, rápidas, e nós tentávamos esticar um pouco mais. Nossa viagem com o Acid Test foi tocar por mais tempo e mais alto, o mais alto que podíamos, e ninguém podia nos parar.

O que aconteceu para tirar você da cena hippie de San Francisco, e para onde você foi?

Não foi que eu abandonei a cena – não levantamos e fomos embora. Vivemos em Ashbury por dois anos. Vários de nós viviam em Haight-Ashbury. Nossa cena sempre foi muito grande para ser central, e nunca tivemos um lugar grande o suficiente para que todos ficassem juntos. Mas aconteceu. Nós fomos presos em Haight-Ashbury e havia uma boa razão para todo mundo sair. Começamos a encontrar novos lugares e fui o primeiro a sair.

Como é o processo criativo de fazer sua música – você compõe na estrada, em San Francisco ou o tempo todo?

Eu diria que acontece o tempo todo. Porque é algo definitivo que somos músicos e, bem, é somente uma coisa que acontece, está na sua cabeça, pedaços de músicas e composições inteiras. Como banda, nos últimos dois anos, nossa música está mais envolvente quando tocamos. Não temos ensaiado porque não temos um lugar para ensaiar.

Se alguém lhe perguntasse o que é música psicodélica, o que você diria?

Ohhhh... Phil (Lesh, baixista da banda) definiu isso uma vez muito bem... Alguém perguntou a ele o que era acid rock – que é música psicodélica. Ele disse ‘acid rock é música que você ouve quando está viajando com ácido’. Música psicodélica é o que você ouve quando está psicodélico. Não acho que haja de verdade uma música psicodélica, exceto no sentido clássico de música que é o de expandir a consciência. Se você usa essa definição, então é possível dizer que música indiana é psicodélica, e alguns tipos de música tibetana também.

Por que é tão importante usar drogas e ficar louco? O que isso traz de bom para o mundo, a comunidade ou as pessoas?

Ficar louco é esquecer de você mesmo.  E esquecer você mesmo é ver todo o resto. Ver o restante é se tornar uma molécula que compreende a evolução, uma ferramenta da consciência do universo. Acho que todo ser humano deveria ser uma ferramenta consciente do universo. É por isso que acho tão importante ficar louco.

 O que aconteceu com Janis?

Acho que foi um engano. Acho que foi um acidente, como jogar o carro fora da estrada. Não acho que tenha tido qualquer motivo para isso, mesmo. Ela provavelmente não estava usando heroína por um certo tempo ou algo assim... ela provavelmente bebeu um pouco depois do show, voltou para o hotel, tomou um pico e deitou, para dormir, e provavelmente a dose era maior do que o esperado, e ela morreu. É assim fácil de acontecer, pode acontecer com qualquer pessoa se ela não sabe o que está pegando, e é assim quando você lida com coisas ilegais. Acho que a lei matou Janis, se algo a matou, porque se ela pudesse comprar numa farmácia algo com a pureza adequada, não estaria morta agora. Acho que Janis lidava muito bem com isso, ela tinha muita loucura, mas ela era muito mais centrada que muita gente que conheço. Não acho que a fama a tenha matado. Ela morreu acidentalmente, como se cortar sem querer com uma lâmina.

Você se recusa a dizer que o mundo do rock está passando por uma fase péssima e parece estar morrendo.

Acho que o mundo inteiro está passando por uma fase péssima. Não vejo a cena rock’n’roll como sendo a nova cultura. Acho que a cena do rock’n’roll é só isso. Basicamente é uma viagem profissional. É negócio e coisas do gênero os músicos ainda são um mundo à parte. Não acho que o gosto dos músicos e o que passa pela cabeça deles são filtrados para este mundo. Porque a música é uma viagem de muita energia e hoje é importante aquilo que chamamos de cena rock. Acho que o que está acontecendo é um número quase infinito de possibilidades para viver sua vida. As pessoas têm a chance de escolher qualquer caminho que queiram.

Copyrights The Rolling Stone Magazine 1972 - Revista Caras, A Música do Século número 26 (1999)

 

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