Memórias precoces de Woodstock, dez anos depois
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Fundamentalmente, eu caí no rock nos idos de 1979, naquele ano eu já podia sair e procurar alguma reunião de jovens. Geralmente íamos ao Conjunto Nacional e entediantemente eu ficava esperando o amigo terminar suas fichas nas máquinas de diversão. Eu já acumulava dezenas de compactos e parcas revistas de música. Também procurava ouvir relatos de um 'kometa-loucura' chamado Woodstock! Acho que dez anos depois o festival era mais conhecido e divulgado, duas coisas me chamaram a atenção, a posição de lótus e o símbolo da paz: o cessar fogo. A gente penetrava nesse mundo através das revistas e algumas matérias rápidas na tevê.
Ten Years After era a banda do hippismo que mais vendia discos no Brasil, mas era muito difícil encontrar discos com o selo verde da Crysalis em edição nacional. A revista Pop anunciou que aconteceria o segundo Woodstock! E não mais se falou no assunto. Foi lendo estas matérias que conhecemos Crosby, Stills, Nash e Young, acho também que foi a primeira vez que eu vi uma cena de nudismo no cinema. Essas coisas podem parecer ridículas agora, para um adolescente era uma carta ou o relato de algo muito distante mas próximo. Nesse fim de década de 70, o papo do homem unidimensional havia ficado para trás, o livro o "Despertar dos Mágicos" não exercia uma influência tão forte ou marcante. Folhear "Nation Woodstock" significava uma ida ao museu – ninguém queria sentir o patchuli nas folhas.
A primeira efígie hippie que me chamou a atenção foi Allen Ginsberg e sua cabeleira rebelde e seus óculos grossos e sua atitude panfletária, Allen Ginsberg judeu homossexual e Abbie Hoffman, judeu quebrado – Jerry Rubin e sua ideologia comprada por Wall Street, apologista do cartão de crédito. Ah! Se nem sabíamos o que era cheque, imagine cartão de crédito em 1979! Coisa de americano, entrar na loja e sair dirigindo, essa cena me marcou. Até hoje eu não acredito entrar na loja e sair dirigindo o seu automóvel. Enfim, Jerry Rubin não tinha púxado o seu tempo de cana? Tínhamos a ideia fixa que era errado ganhar dinheiro com o fato de ser celebridade.
A terra brasilis era embrenhada de paranóia e folhetins religiosos não em serviço pelas almas de Joplin e Hendrix. — Janis e Jimi! fiquem longe das drogas, entenderam filhos? 'Os hippies seqüestram crianças e vão para a Bahia ficar bebendo água de coco'. Nestes idos não havia ácido – havia trincheiras que seriam abertas não através de flores na boca dos canhões. A onda da morte era o terror do esquadrão da morte. 'Não fica na rua senão eles te pegam e lhe dão o mesmo tratamento dos marginais'. Naqueles idos eu nunca havia sentido o cheiro da conha ou ouvido falar do país da cocanha e também não conhecia ninguém que puxava fumo. Mas bastava ter o cabelo grande para ser chamado de maconheiro.
Eu tinha um macacão jeans que era a marca registrada. E, meu pai estava colocando vidro na casa de um cliente e eu estava passando na rua quando o cliente disse ao meu pai olha aquele maconheiro ali. Espertamente meu pai não disse nada e ficou com o dinheiro do cliente ali eu passei a odiar a humanidade, a comunidade, os professores e toda a repressão do mundo, afinal eu estava em Woodstock, o país da cocanha onde os sonhos são reais muito doidos numa nuvem púrpura com Hendrix e Joplin e Jones. Voltando ao cinema. Eu assisti "O Abismo" de Rogério Sganzerla e naquele momento eu fui entrando em contato com a obra desse cineasta. Uma manchete me meteu medo — Janis Joplin será queimada! A Censura Federal queimava os negativos. Eu nunca entendi o porque dessa bestialidade, o certificado de garantia vencia e o filme era destruído, quantas obras foram incineradas? A bem da verdade, quem comandava a cena era "The Song Remains The Same" apropriadamente traduzido para “Rock É Rock Mesmo” cuja exibição repetia destruição de cadeiras nos cinemas. Eu li que os telespectadores com seus apupos e assobios pensavam que sensibilizariam Jimmy Page e que o guitarrista daria outro bis! Por isso o filme ficou na geladeira e só voltou em 1980...
Curiosamente neste mesmo 1979, a coisa mais rara era Jim Morrison, o líder dos Doors, cujo culto furiosamente se espalhava pelo mundo. Se a ordem era fiquem longe de Janis & Jimi. Nós nos aproximamos das figuras de linguagem, da oratória e da postura anti-sistema de Morrison e suas batalhas com a polícia. Era um mundo estranho, órgão de cabaret, Brecht e vaudeville e o jogo da morte. Brevemente nossas casas, ruas e festas tomariam ares de Frisco, a revolução lentamente começada pelos Sex Pistols era extendida por Bob Marley. Franjas e o corpo contorcido num passo de dança, todos magrinhos e cabeludos com medo de servir o exército. Anos 80, pura saudades de Woodstock O começo do nosso culto a Jim Morrison começou quando ouvimos a versão ao vivo de Roadhouse Blues no duplo ao vivo do Status Quo. Acho que os discos dos Doors nunca foram relançados nos anos 70 no Brasil e tudo que a gente tinha era uma coletânea edição de 1976. Estávamos no último ano da década de 70 e curtíamos Aerosmith e Raul Seixas. Rita Lee era a megastar e estava em todas as revistas assim como Glauber Rocha que nunca fechou a boca. A Discoteca já havia acabado e por imposição das equipes de som, o bate estacas ainda rolava. Discoteca era brilho e pó a noite toda, ambiente noturno coisa que estávamos longe. Suruba New York e Andy Warhol. No Brasil a coisa sempre foi distorcida e adaptada a uma classe que sem informação aceitava vestir os longos vestidos esperando que a moda nunca passasse. Acendíamos o fogo da noite que iria atravessar os anos 80: neopsicodelismo. Ninguém ali curtia heavy-metal só Black Sabbath quer banda mais riponga? Éramos os reis do rock aprendendo a arte da fogueira e estávamos longe da idéia de que uma bola fazia até cabeça de elefante. Um fenômeno trágico se aproximava, a morte de John Lennon... Cara! No Brasil, a coisa era tão careta e desinformada que muita gente me dizia você não está falando do Jack Lemon?